A partir desta segunda-feira, do alto de seus 2m3cm de altura, o Girafa vai olhar de cima todos os seus adversários. Na Paris que consagrou Gustavo Kuerten, Marcelo Melo assumirá oficialmente a liderança do ranking mundial de duplas da Associação de Tenistas Profissionais (ATP). O mineiro atinge o auge no circuito dominado até agora pelos quase imbatíveis irmãos Bryan, Bob e Mike, considerada a melhor dupla da história, com mais de cem títulos no currículo e líder da lista desde fevereiro de 2013. O feito raro no tênis brasileiro coroa uma temporada em que Melo levantou o troféu mais importante de seus 17 anos de carreira, o Grand Slam de Roland Garros, em junho.
Um mês depois de ter completado 32 anos, o tenista ingressa num clube seletíssimo, o de brasileiros que assumiram o posto de número 1 do mundo. No masculino, apenas Guga havia chegado ao topo do ranking - em simples, no início dos anos 2000, posição que perdeu em 19 de novembro de 2001. Entre as mulheres, Maria Esther Bueno, dona de 19 títulos de Grand Slam em simples e duplas, foi uma das melhores jogadoras de sua geração nas décadas de 1950 e 1960, antes da era profissional do tênis.
Filho de um casal aficionado pela modalidade e caçula de uma linhagem de três tenistas profissionais, o duplista mal teve tempo de saborear a façanha, mas nem pensa em ceder a posição tão cedo.
- Vou fazer de tudo para seguir o maior tempo possível na liderança - avisa Melo.
E são grandes as chances do mineiro encerrar a temporada no topo.
Brasileiro foi vice-campeão em Wimbledon
Glyn Kirk/AFP
A partir de segunda, ele participa do Masters 1000 da capital francesa ao lado do croata Ivan Dodig. Basta à dupla chegar às semifinais para o brasileiro se garantir na frente do ranking por mais 15 dias. Isso porque os gêmeos americanos descontam os 1.000 pontos do ano passado, ao passo que Melo e Dodig não perdem nada - foram eliminados na estreia em 2014. Em Londres, no torneio que fecha o ano com as oito melhores duplas, Melo e Dodig têm 500 pontos a menos para defender do que os Bryan.
Um mecenas mineiro no caminho de Melo
Sejam quais forem as contas que terá de fazer nas próximas semanas, Melo respira hoje sem as incertezas de 2006, início de 2007, quando cogitou seguir os passos de Ernane, o irmão oito anos mais velho que abandonou o tênis pressionado pela dificuldade de bancar os custos de viagens para participar de torneios mundo afora.
Decepcionado com os resultados modestos - até então sem títulos expressivos, Melo não passara da 275º do ranking de simples e era o 198 do mundo nas duplas -, ele também ensaiava outros passos fora das quadras.
- Foi então que apareceu o Bomfim, que aconselhou Marcelo a se dedicar às duplas - lembra Ernane.
Marcelo com o irmão, Daniel, e os pais Roxane e Paulo Ernane
Arquivo Pessoal
Outro mineiro nesta história de sucesso, Sebastião Bomfim é fundador e presidente da rede de lojas de artigos esportivos Centauro. Ao observar o tenista em ação durante um torneio em Belo Horizonte, o empresário avaliou que a estatura incomum favorecia Melo nas duplas - pela facilidade de fechar a rede com voleios - e o prejudicava nos jogos de simples, em decorrência da dificuldade de se movimentar lateralmente. Bomfim chamou o tenista para uma conversa em seu escritório na segunda-feira seguinte. Foi então que lhe ofereceu uma proposta de patrocínio.
- Só apresentei duas condições. Uma delas era focar só duplas - lembra o empresário.
Bomfim não ignora sua importância nos rumos do tenista, mas é categórico. Segundo ele, o grande mentor de Marcelo é Daniel Melo, 38 anos, seu irmão do meio. Como jogador, Daniel estava ao lado do caçula em seu primeiro título de duplas na carreira, em 2002, em um Challenger (série de torneios da ATP para tenistas em início de carreiro ou em busca de afirmação). Desde 2007, é técnico do atual número 1 do mundo, justamente o período em Marcelo começou a voar mais alto no circuito.
Parceria por acaso
Foi a partir da união com o irmão Daniel Melo e com outros dois mineiros - os tenistas André Sá e Bruno Soares - que Marcelo começou a deslanchar nas quadras. Com o experiente Sá, chegou à semifinal de Wimbledon em 2007. Com o amigo Bruno, passou a formar uma parceria de sucesso na Davis. No circuito, a dupla também deu resultado, mas os dois acabaram buscando outros companheiros de quadra.
Ao lado do parceiro Dodig, comemorando o título em Roland Garros
Kenzo Tribouillard/AFP
- A amizade pode atrapalhar, porque às vezes é necessário dar uma bronca no parceiro. O Melo e o Bruno são tão amigos que acabaram não dando certo por muito tempo - diz o jornalista especializado em tênis José Nilton Dalcim, diretor do site Tenisbrasil.
Com Daniel, até agora, a convivência familiar não foi afetada pela relação profissional.
- Ao mesmo tempo em que o Marcelo é determinado, também é muito extrovertido. Está sempre brincando, é um meninão. Os outros tenistas gostam muito dele - afirma o irmão-treinador.
De fato, Marcelo tem fama de brincalhão. E de distribuir apelidos nos colegas. Thomaz Bellucci, por exemplo, virou Sid, o bicho-preguiça de A Era do Gelo.
Depois de testar parcerias domésticas, Melo deu um salto ainda maior no ranking ao lado de um croata. Foi com Ivan Dodig que o brasileiro entrou para o Top 10 das duplas. O curioso é que o dueto foi formado por um acaso, em 2012. Melo estava nos EUA para disputar um torneio em Memphis com outro croata, Ivo Karlovic, que não conseguiu viajar por um problema de visto. O mineiro teve de buscar outro parceiro às pressas. A alternativa foi jogar ao lado de Dodig. Apesar do curto tempo para se entrosar, a dupla foi vice-campeã.
- O Marcelo é muito rápido na rede. Já o Dodig saca e devolve muito bem. É uma combinação perfeita - explica Daniel.
*ZHESPORTES