Titular do Juizado do Torcedor, criado em abril do ano passado e atuante nos dois estádios da Dupla, Marco Aurélio Xavier viu com "desconforto" as imagens de torcedores burlando a fiscalização para ingerir álcool nas arquibancadas.
Em conversa com ZH, o defensor da proibição critica a transferência da fiscalização nos estádios das mãos da Brigada Militar para os clubes.
Como o senhor viu os flagrantes de venda e consumo de álcool nos estádios?
O sentimento que me invadiu foi de desconforto. A gente que trabalha no estádio, com o propósito de pacificar, de conseguir um nível de civilidade na convivência, sabe que isso só se atinge a partir do cumprimento das normas. No momento que elas são desconsideradas e muito mal fiscalizadas, é evidente que há um desalento. Mas é algo que nos motiva a empreender mais esforços para melhorar.
O que o senhor aponta como causas principais para que os torcedores ignorem a proibição e sigam buscando o consumo do álcool?
São várias. Todo o trabalho de convivência social parte da consciência coletiva das pessoas. As pessoas têm de ter consciência dos motivos da existência das normas. A fiscalização também tem de funcionar. E, finalmente, a sanção tem de existir quando há descumprimento. Quando este tripé não funciona, os problemas acontecem. No caso específico, me parecem que estão bem claras as duas primeiras disfunções. A falta de consciência dos torcedores, com um sentimento individualista de satisfazer o próprio prazer, e a falta de fiscalização.
Que motivos o senhor vê para essas falhas na fiscalização?
O grande problema que hoje acontece é o fato de a Brigada Militar ter delegado a fiscalização no interior dos estádios aos clubes. É a fonte de toda a disfunção que estamos enfrentando. Os clubes não estão investidos do poder de polícia, algo que é próprio da BM. Isto faz com que as revistas não sejam feitas pela Brigada, e sim por seguranças privados, que não têm a cultura do interesse público de investigar possíveis condutas delituosas. Mesmo no interior do estádio, a fiscalização do ente privado é muito diferente. A pública é feita de forma preventiva. O que temos hoje é apenas o trabalho de acompanhamento dos torcedores e intervenções quando há conflitos. O trabalho preventivo e de fiscalização de delitos que são meios para o aumento da violência não estão sendo realizados da forma adequada.
Como o senhor vê a relação entre bebidas alcoólicas e violências no estádio?
Eu vejo uma relação direta. O torcedor brasileiro é naturalmente apaixonado e não precisa de estímulo extra para que seja fervoroso. Além disso, há a rivalidade que precisa ser considerada. Se houver a liberação do consumo de álcool, vamos ver intensificadas estas emoções com uma substância que naturalmente gera violência. Os estudos comprovam isso. Na realidade, este debate sintetiza a dicotomia entre o interesse individual e o coletivo. A proibição da bebida alcoólica tutela um interesse coletivo, de permitir um ambiente mais tranquilo no estádio, que ele não seja intoxicado por uma substância que potencializa a violência. Quanto a isso, não há dúvidas: desde a proibição, tivemos uma diminuição nas ocorrências e na gravidade dessas ocorrências. A quem interessa poder beber no estádio? Exclusivamente a quem quer beber, ou seja, um interesse individual frente a um interesse coletivo.
* ZH Esportes