Três brasileiros têm suas digitais no esquema de corrupção que abalou o futebol. conheça a trajetória do ex-jogador sem talento que semeou alianças nos campos da política e do esporte, do ex-jornalista esportivo que descobriu um filão em contratos comerciais de torneios e do empresário que se especializou em distribuir comissões.
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José Hawilla está para o Fifagate como o doleiro Alberto Youssef está para o Petrolão. Foi o paulista de 71 anos, nascido em São José do Rio Preto, dono da Traffic - até a quarta-feira a maior empresa de marketing esportivo do Brasil -, quem deu aos engravatados agentes do FBI os caminhos para que prisões fossem realizadas no elegante hotel Baur au Lac, de Zurique. O mundo da Fifa acabava de sofrer o maior abalo de sua história.
Hawilla, que antes de ter a ideia de milhões de dólares era radialista esportivo, denunciou muitos de seus antigos amigos e parceiros comerciais à inteligência norte-americana para poder seguir vivendo em um luxuoso prédio de Miami (onde também gerencia um dos clubes de futebol da cidade, o Miami FC) e para evitar ser preso por extorsão, fraude eletrônica, lavagem de dinheiro e obstrução da Justiça. Além disso, o seu "combo liberdade" contou com devolução aos cofres do governo de Barack Obama de US$ 151 milhões (cerca de R$ 476 milhões).
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De radialista a bilionário (com uma fortuna estimada em mais de R$ 1,5 bilhão), a vida de J. Hawilla (seu nome artístico) mudou a partir de sua demissão da Rede Globo, em 1979. Após ser um dos líderes de uma greve de jornalistas, ele acabou afastado da empresa por cem dias. Nesse período, deixou o jornalismo e foi tentar a vida como empresário.
Já era dono de 30 carrocinhas de cachorro-quente e investiu na Traffic (tráfego, em inglês), então uma agência de anúncios em paradas de ônibus. Com muitos contatos no futebol, em 1982, Hawilla começou a construir o seu império.
Ofereceu ao então presidente da CBF, Giulite Coutinho, que a Traffic passasse a ser responsável pela comercialização das placas de publicidade ao redor do gramado de todas as competições organizadas pela entidade. Hawilla buscaria os interessados em anunciar e os clubes teriam o trabalho apenas de receber a sua parcela dos lucros. Ou seja: uma mina de ouro.
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Quem transformou a Traffic em uma empresa grande (e Hawilla em um homem endinheirado) foi a Copa do Brasil. Em 1989, assim que Ricardo Teixeira inicou o seu reinado de 23 anos no comando da CBF, os direitos de comercialização do torneio logo em seu primeiro ano foram todos para a Traffic.
Sete anos depois, foi a vez de Hawilla retribuir à CBF de Teixeira e obter para a entidade o maior contrato de sua história até então: com a Nike, válido por 10 anos, e no valor de US$ 160 milhões. Segundo a investigação do FBI, esse contrato rendeu a Teixeira US$ 15 milhões e a Hawilla, US$ 40 milhões. O contrato com a Nike acabou investigado em uma das tantas CPIs brasileiras, sem resultado relevante ao final.
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A Traffic cresceu e ampliou os seus horizontes. Além de comercializar placas e direitos de transmissão, ela passou a organizar torneios e a intermediar contratos. Em 1999, Hawilla vendeu 49% da sua empresa para o fundo de investimentos norte-americano Hicks, Muse, Tate & Furst - que colocou o pé no mercado brasileiro a partir de uma parceria com o Corinthians.
O primeiro grande negócio da Traffic na organização de torneios foi o Mundial de 2000, no Rio, em parceria com a TV Bandeirantes. Vencido pelo Corinthians. Em 2003, da Traffic Hawilla criou a TV TEM (um acrônimo de Traffic Entertainment and Marketing), uma cadeia de afiliadas da Rede Globo, que cobre metade das cidades do interior paulista. Dois anos depois, com o mercado esportivo brasileiro já em um nível mais alto de profissionalização, J. Hawilla precisou inventar alternativas a seus negócios.
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Foi quando passou a agenciar jogadores - um investimento de retorno rápido e certo. Criou em Porto Feliz, no interior de São Paulo, o Desportivo Brasil, um time com a finalidade de registrar os jogadores do grupo e repassá-los aos grandes clubes.
Em 2007, ele firmou uma parceria com o departamento de futebol do Palmeiras, que levou o clube à conquista do Paulistão do ano seguinte. A empresa de Hawilla agenciou quase uma centena de jogadores. Entre os mais conhecidos, Conca e Hernanes. Em 2010, Hawilla investiu além-mar: comprou o clube Estoril Praia, em Portugal.
Chamado de "dono do futebol brasileiro", Hawilla fez fortuna negociando direitos de transmissão dos torneios da CBF, jogos da Seleção Brasileira, da Copa do Brasil, da Libertadores, da Copa do Mundo, do Mundial de Clubes e intermediando da Nike com a CBF. Em 2013, partiu para os EUA e deixou os negócios no Brasil a cargo dos filhos, Stefano, Renata e Rafael. Três anos antes, porém, mostrou a força de seu império ao dar uma festa para 300 convidados no Hotel Unique, um dos mais requintados da capital paulista.
Na lista, só o alto escalão do futebol nacional: Ricardo Teixeira, José Maria Marin, Pelé, Ronaldo Nazário, Kleber Leite, Andrés Sanchez, o governador paulista Alberto Goldman, presidentes de clubes, apresentadores de TV, além de políticos. Desde a quarta-feira, a partir da publicização da denúncia, J. Hawilla e a sua Traffic perderam um pouco de prestígio no mundo da bola.