Pelotas, 17 de julho de 1985.
Pelas ruas da cidade com pouco mais de 200 mil habitantes, uma multidão de camisas vermelhas e pretas anunciava que o Brasil-Pel vivia uma grande fase. No dia seguinte, repetindo o que já ocorrera em 1984, a equipe jogaria contra o Flamengo, por uma fase decisiva do Brasileirão. Havia tensão, expectativa e esperança de vencer os cariocas e chegar à semifinal.
Pelotas, 24 de fevereiro de 2015. Pelas ruas da cidade, agora com mais de 350 mil habitantes, uma multidão de camisas vermelhas e pretas anuncia que o Brasil-Pel vive uma grande fase. Nesta quarta, às 22h, o time enfrentará o Flamengo, pela primeira fase da Copa do Brasil. Há tensão, expectativa e esperança de vencer os cariocas e chegar vivo ao Maracanã.
E essas são as semelhanças destes dois confrontos, porque o resto todo mudou.
Para receber o melhor time do país nos anos 1980, o Brasil-Pel precisou fazer algumas mudanças. Adaptações para a torcida visitante e poucas intervenções estruturais para alocar todos os integrantes de imprensa. Para receber o ainda glamourizado Flamengo, o clube gaúcho está revolucionando a cidade. Todas as ruas do entorno do Estádio Bento Freitas estão interrompidas. Há caminhões de transmissão de imagens digitais para quatro canais de TV, inclusive para fora do país. Aliás, segundo a Associação dos Cronistas Esportivos Gaúchos (ACEG), cerca de 250 profissionais solicitaram credenciamento para acompanhar a partida. O número é três vezes maior do que movimenta a dupla Gre-Nal em uma partida no Interior. Os principais hotéis da cidade estão com lotação esgotada.
Confira a tabela da Copa do Brasil
Afora essas instalações, o estádio passa por acabamentos em obras que visam a garantir segurança e aumentar conforto para atletas e torcedores. Novos refletores foram instalados, o placar eletrônico está sendo retocado, um camarote para dirigentes cariocas é erguido próximo ao setor de torcida visitante, as entradas receberam atenção especial. E até um novo vestiário para o adversário foi construído. Ele passará exatamente embaixo desses camarotes, ao lado da goleira de fundo.
Outra diferença desses 30 anos diz respeito ao público. Ainda que o borderô aponte para 16,5 mil torcedores naquele jogo de 1985, todos os xavantes nascidos até aquele dia garantem que estavam no estádio. Fala-se em mais de 20 mil rubro-negros. Nesta quarta, 11,5 mil lugares estão liberados, sendo 1,5 mil para flamenguistas. Ainda há bilhetes disponíveis, no valor de R$ 100. Para cadeiras, tudo vendido. E mais de 8 mil sócios têm direito a entrar. A fila para regularizar a situação estendia-se pela frente do Bento Freitas. Um deles era Filipe Silva Lacau, 25 anos. O auxiliar administrativo precisava pagar a mensalidade para torcer livremente.
_ Vamos ganhar de 2 a 0 de novo, para repetir a história que meu avô me contou quando eu era pequeno _ disse, resumindo um sentimento na cidade. Trinta anos depois, todos os xavantes querem estar presentes no jogo do século para eles. Mesmo que só caibam 11,5 mil.
A palavra de Bira, o autor do gol de 1985
Bento Freitas, 25 minutos de jogo. Fillol dá um chutão para o ataque. Jorge Batata devolve de cabeça. Acossado, Leandro tenta recuar a bola para o goleiro. Mozer chega para fazer a cobertura e não percebe que o argentino vem saindo do gol desesperado. Os dois se atrapalham e a bola sobra para Bira. O centroavante do Brasil-Pel carrega a bola até 50cm da linha e empurra para dentro, explodindo o estádio. Autor do primeiro gol da histórica vitória xavante de 1985, o então atacante, hoje com 50 anos, distribui autógrafos em frente ao estádio que o consagrou. E atendeu à reportagem:
Nesses últimos dias, faltou te fazer alguma pergunta?
Olha, tenta aí e eu te digo se já respondi (risos).
Bom, 24 horas antes do jogo, como se fosse hoje, o que pensava?
É nova essa! Passamos o dia na Cascata (região colonial de Pelotas), em um café colonial. Comemos cuca, goiabada, queijo, tudo. Era uma loucura. E só falávamos do jogo, só disso. Como íamos marcar, principalmente. Acho que a gente nem pensava em fazer gol, só em não levar.
E na hora?
Na hora, a gente fez uma partida taticamente perfeita. Fisicamente também. Corremos muito mais do que eles. Claro que eles eram muito melhores, não dava nem para comparar. Mas compensamos. Pouca gente lembra, mas passamos um sufoco danado, a bola não saía da nossa área. E achamos o contra-ataque para o segundo gol.
Por que acreditou naquela bola?
Porque eu acreditava em tudo. Vivia uma grande fase. Quando a bola foi recuada, acompanhei para tentar alguma rebatida. Então, eles se atrapalharam. Eram os melhores, talvez até do mundo, mas também erram. E erraram aquela hora.
E por que levou a bola até dentro do gol?
Porque gosto muito de morar em Pelotas. Já imaginou se eu erro dali, sem goleiro? Pensei nisso na hora, vou levar até lá, para garantir. E ainda fiquei com medo de escorregar. Por isso só corri para o gol.
*ZHESPORTES