No final de novembro, tive a honra de ser o enviado especial da Rádio Gaúcha a Montevidéu, para cobrir a classificação do Uruguai para a Copa do Mundo 2014. A Celeste iria jogar contra a Jordânia, no dia 20, e confirmar a última vaga que faltava no Mundial do Brasil. No entanto, o que marcou a cobertura foi a visita que fiz a Alcides Edgardo Ghiggia, uma das maiores lendas do futebol mundial.
O jogo entre Uruguai e Jordânia estava marcado para uma quarta-feira. Desembarquei na tarde de terça, dia 19, em Montevidéu. A primeira coisa que fiz ao passar pela alfândega no Aeroporto de Carrasco foi telefonar para o celular de Ghiggia. Eu já havia conversado duas vezes antes com ele e com sua esposa, Beatriz, solicitando uma entrevista exclusiva e presencial, na sua casa ou no lugar que ele indicasse. O ídolo uruguaio estava um pouco resistente à ideia, mas pediu que eu ligasse quando chegasse ao Uruguai, que aí ele daria a resposta.
“ Aqueles mais de 60 mil uruguaios viram Ghiggia no gramado e vibraram com o gol, algo que não puderam fazer em 1950"
Eu estava ansioso. Na véspera da seleção uruguaia carimbar o seu passaporte para a Copa no Brasil, seria espetacular entrevistar pessoalmente o craque que marcou o gol do título do Uruguai no único Mundial em solo brasileiro, no famoso Maracanazzo de 1950.¿
Sei que muitos brasileiros sofreram com aquilo. Antes de embarcar para Montevidéu, minha mãe disse que se meu falecido avô Nélson visse eu tão emocionando para falar com o Ghiggia, ele ficaria aborrecido. Afinal, o meu avô era fanático por futebol e tinha 38 anos quando o Brasil perdeu aquela Copa que parecia ganha. Respeito a dor que ele e muitos brasileiros sentiram com os gols de Ghiggia e Schiaffino no Maracanã, mas acho que meu avô compreenderia que a frustração ficou no passado e a vitória uruguaia entrou para a história do futebol. Perdão, vovô Nélson, mas eu não poderia ir ao Uruguai sem falar com o Ghiggia.
Enfim, cheguei a Montevidéu, peguei o telefonei e disquei o número de Alcides Ghiggia. Me identifiquei novamente e reforcei o pedido de uma entrevista e uma conversa presencial com ele. O ídolo uruguaio foi muito gentil e me deixou emocionado quando confirmou a entrevista e disse: “Venga por la Ruta 5 y tome el camino de la derecha hasta llegar a Las Piedras, ciudad em que vivo. Mi casa está cerca de las vías del tren en la calle... ". A entrevista estava agendada.
Saí às 19h de Montevidéu. O caminho pela Ruta 5 foi divertido. O taxista uruguaio namorava uma brasileira de Livramento e ele passou o trajeto inteiro cantando com sotaque espanhol algumas músicas brasileiras (que foram sucesso já faz um tempo, mas tudo bem). Enfim chegamos à cidade de Las Piedras, 30km de Montevidéu. Pedi para ele me deixar a uma quadra de distância. Queria chegar a pé até a casa do Ghiggia. Comecei a andar procurando o número que ele tinha me dado.
Interessante como a vida cria alguns estereótipos. Eu esperava encontrar uma mansão, com seguranças e uma guarita à prova de balas. Que nada. A casa do Ghiggia é super simples. Entretanto, não deixa de ser um local agradável, confortável e acolhedor. O portão estava aberto, entrei pelo quintal e toquei duas vezez em uma porta de madeira. Eis que atende um dos maiores ídolos da história futebol mundial.
Ghiggia andava com o auxílio de uma muleta, resquício de um acidente de trânsito que sofreu em 2012, mas se recupera muito bem. Ele me recebeu junto com a sua esposa, Beatriz, e a sua sobrinha, Lúcia. O que mais chamou atenção foi a humildade, a bondade e a simplicidade daquela família. O homem que deu ao Uruguai o bicampeonato mundial e uma das maiores alegrias ao esporte daquele país conversava comigo de igual para igual! Ele, aos 86 anos, firme e forte. Eu, aos 25, emocionado. Um encontro que ficará na minha memória para sempre.
Tirei fotos e dei a ele um presente da Rádio Gaúcha, uma camisa do Brasil com o número 14 na frente e o número 50 atrás, com o nome dele acima. Era uma analogia às duas Copas em solo brasileiro, a que o Uruguai venceu e a que ocorrerá ano que vem.
Depois, conversei com Ghiggia sobre a Copa de 50, o gol em cima de Barbosa, a seleção uruguaia atual e muitos outros temas que vale a pena conferir na entrevista. Neste caso, além da imagem, um áudio vale mais que mil palavras. Entre a entrevista e o bate-papo informal, fiquei uns 45 minutos na casa do Ghiggia, a duração de um tempo de uma partida de futebol. Diga-se de passagem, uma partida em que me senti vitorioso, por ter conhecido o Ghiggia e ter proporcionado aos nossos ouvintes e ao nosso público um retrato do que foi a Copa de 50 para os uruguaios e do que é Alcides Ghiggia para o mundo do futebol.
No dia seguinte, o Uruguai empatou por 0 a 0 com a Jordânia. Antes do jogo, Ghiggia foi homenageado no centro do campo. O telão do estádio Centenário reproduziu o gol da vitória em 50. Na Rádio Gaúcha, o locutor Rodrigo Perez, da rádio uruguaia Oriental, narrou o gol a meu convite, ilustrando a emoção que os uruguaios sentiram. Aqueles mais de 60 mil uruguaios viram Ghiggia no gramado e vibraram com o gol, algo que não puderam fazer em 1950. Aquele momento certamente ficará na retina de todos que estiveram no estádio para sempre. Isso, para aqueles uruguaios. Pois, na minha memória, vai ficar o encontro especial que tive com Alcides Ghiggia.
Entrevista de Alcides Ghiggia ao repórter Rodrigo Oliveira
Ouça a narração do gol de Ghiggia na final da Copa do Mundo de 1950
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