Como nada supera a valorização de jogadores de sucesso, parte do dinheiro, antes atraído pelo mercado financeiro, imóveis e bolsa de valores, hoje toma o rumo do futebol. Grupos compram quinhões de direitos econômicos em poder de clubes e investidores. Na onda, multinacionais chegam ao país para concorrer com nossos empresários.
Na última semana de outubro, o empresário Jorge Baidek perambulou em carro blindado por Belo Horizonte em companhia de empresários dos Emirados Árabes e do Catar. A maioria vestia terno, mas dois deles chamavam atenção pelas túnicas brancas e kafiás e davam a impressão de ser aquilo que realmente eram: investidores abonados de petrodólares. Estavam no Brasil representando um fundo interessado em imóveis, shoppings, seguros. E em futebol.
Baidek os levou para assistir a Atlético-MG e Flamengo no Estádio Independência, os árabes de túnica sob os olhares intrigados dos torcedores. Naquele dia, o gaúcho já os havia apresentado a empresários mineiros do ramo imobiliário e de ações_ os negócios com o futebol os aproximaram tanto nos últimos 15 anos que os árabes com frequência recorrem à ajuda do amigo brasileiro.
Do Estádio Independência, o grupo saiu disposto a diversificar seus milhões em percentuais de algum craque.
Esse é o negócio do momento.
Comerciantes, industriais, financistas, banqueiros e advogados procuram hoje no futebol um lucro bem maior do que os juros achatados que o mercado financeiro oferece. Isso no mundo inteiro. Quase sempre é vantagem, às vezes é fantástico, outra vezes é frustrante.
_ Quem traz dinheiro de fora pode adquirir 10%, 20% de um jogador. Agora, em quem investir? Então, ele deve procurar alguém de confiança que diz é este, é aquele _ explica Baidek.
No cartão de visita do empresário tem lá a sua foto de zagueirão no Grêmio campeão mundial de 1983. Hoje, de cabelo acaju que disfarça seus 52 anos, usa terno, corrente de ouro com pingente e mesuras de negociante bonachão.
Seu pulo se deu após os últimos cinco anos de bola no Belenenses. Acabou trabalhando com o empresário José Veiga, representante de Figo, João Pinto e de 80% da seleção portuguesa dos anos 1990. Foi a sua grande escola.
Conhecido de agentes europeus e árabes, montou em 2001 sua empresa, a ChampionsDek, em Lisboa. Seu filho, William, é o poliglota que segura a base na Europa. Do escritório de Porto Alegre, os dois se comunicam pelo iPad.
_ Esse pessoal tem horror de aparecer _ adverte o empresário.
Com razão. O futebol expõe demais, os investidores exigem anonimato. A partir da capital gaúcha, o empresário Jorge Machado gerencia uma carteira de investidores de São Paulo. São donos de redes de lojas, industriais e advogados. Participam nos direitos de 19 jogadores do empresário, entre eles 10% do atacante Mamute, do Grêmio, e 30% do lateral e volante Edenilson, do Corinthians. O próprio Machado lhes vendeu sua parte.
_ Repassando percentuais a esse pessoal de fora eu reduzo meus riscos _ justifica Machado.
O risco é real. Quem entra no ramo procura atacantes, de pouca idade, boa estatura e promissores. Mas isso é filé. Pode acabar adquirindo quem está disponível. Se a carreira não deslanchar, se o jogador não for negociado, se houver lesão grave, não há seguro que cubra, não há como reaver o dinheiro.
A vaidade é forte ingrediente do investidor. Ele torce pelo seu jogador e curte intimamente o orgulho de participar tanto quanto aposta em lucros astronômicos. Seja como for, o ideal é comprar na baixa. Se algum comerciante ou industrial tivesse apostado em Leandro Damião em 2009, teria desembolsado módicos R$ 400 mil em quatro vezes. Poderia ter comprado parte dos 70% que cabe ao Inter (30% são do Ibirama, de Santa Catarina). Ou teria embolsado 10% de uma transferência para o futebol japonês, que ofereceu ao jogador salário de US$ 50 mil quando ele ainda penava com R$ 3,5 mil mensais no Inter B. Hoje o clube aguarda proposta acima de 22 milhões de euros (cerca de ). Seu empresário, Vinícius Prates, mantém seis funcionários na sua empresa, a Contratta, envolvidos em contratos de imagem, patrocínios, contato com a 9ine de Ronaldo Nazário, games e parte financeira de Damião _ embora trabalhe com um portfólio de 20 jogadores, entre eles o atacante Maurídes, do Inter.
_ Ser empresário do Damião é ser presidente de uma indústria _ admite Prates, advogado da área desportiva que, aos 31 anos, surfa na onda impulsionada pelo seu cliente.
A tendência é pela compra de pedaços de atletas jovens. É mais barato e é possível diversificar, como na bolsa de valores. Para isso, há no mercado pacotes de cinco ou seis jogadores que dá direito a 5% de cada um. Se um deles estourar, o ganho pode multiplicar o investido. Em outros casos, numa extrema relação de confiança, se o pacote não der retorno em determinado tempo, o clube ou o empresário pode trocar a cesta de jogadores. Neste caso, o investidor enfrenta risco perto do zero.
A complexidade do investimento é cada vez maior. O percentual de um jogador pode ser revendido quantas vezes forem necessárias, desde que o clube dê a anuência do negócio. Afinal, direitos econômicos só existem com direito federativos (apenas os clubes podem inscrever atletas em federações).
Mesmo empresários pequenos estão hoje repassando parte de seus jogadores. O corretor de seguros Roberto Garroni administra as carreiras do volante Everton (Caxias), do lateral Márcio Duarte (Guarani de Camaquã), do zagueiro Nathan (Sapucaiense) e do lateral Guillherme Edinger (Igrejinha) em um escritório na zona norte de Porto Alegre. Envolvido em gastos com chuteiras, passagens para avaliação de seus jogadores e gasolina, Garroni estuda propostas de comerciantes interessados em apostar em seus craques. O dia em que um de seus jogadores estourar, o comerciante também ganha.
_ Desde o final de 2009 estou à procura de um grande negócio _ diz Garroni.
Até a empresária da noite, Carmen Salum, dona do Carmen's Club, já deteve direitos sobre jogadores. Por algum tempo ela manteve empresa de agenciamento de atletas. Foi dona de 30% dos direitos de Misael, Biteco e Matheus, do Grêmio.
- Terminei minha ligação com o futebol. Meu ramo é outro - afirma a empresária.
Multinacionais estão no mercado
O meia Otávio, do Inter, ganhou uma pequena bolada, o bastante para fazer suas aplicações no mercado financeiro, embora tenha somente 17 anos. Há dois meses, seu empresário, Evandro Schmidt, da Time Sport, recebeu proposta de compra de um grupo de investimentos estrangeiro e a repassou ao garoto. Queriam adquirir 30% dos 50% a que o empresário e família de Otávio tinham direito _ os outros 50% pertencem ao Inter. Discutidos os valores com os pais, que moram em João Pessoa, na Paraíba, Otávio e o empresário resolveram repassar 15% do atleta e 15% do agente.
- É meu primeiro dinheiro, vou começar a guardar - promete o meia, com apenas sete atuações pelo time.
Foto: Miro de Souza
Numa outra negociação recente, um grupo europeu aportou no Estado disposto a pagar 1,5 milhão de libras (cerca de R$ 4,8 milhões) por 20% dos direitos de um garoto de 14 anos. O negócio ainda não foi fechado porque emperrou na remessa do dinheiro. Empresas multinacionais de agenciamento de jogadores estão se instalando em Porto Alegre. O empresário Rogério Braun, hoje associado à inglesa Base Soccer (de Felipe Anderson, Bruno Uvini e Gilberto Silva), já trouxe Maxi López e Miralles para o Grêmio, levou Sandro para o Tottenham e mantém garotos nas categorias de base da dupla Gre-Nal. Entre eles, o atacante Lucas Coelho, de 18 anos, do Grêmio, que faz curso de inglês por sugestão do seu empresário, já prevendo uma venda futura. Também a empresa Refast, de agenciamentos, após 12 anos de atividade no Estado, ligou-se à belga Starfactory e hoje mantém mais de cem jogadores.