Certa feita, o imperador Marco Aurélio foi acometido de uma ideia que julgou genial para derrotar os ferozes germanos, que teimavam em não se submeter à pax romana: mandou buscar leões da África e açulou-os sobre as hostes bárbaras acampadas perto da atual Viena. O imperador tinha a convicção de que os germanos, nunca tendo visto um leão, debandariam em desespero ante a arremetida das feras. De fato, num tempo sem National Geographic e Discovery Channel, os germanos nunca tinham visto leões. Foi por isso que, pensando tratarem-se de "estranhos cães amarelos", mataram todos a flechadas e pauladas.
Esse foi apenas um dos incontáveis embates que romanos e germanos travaram desde a alvorada da civilização ocidental. Há relatos do primeiro encontro entre os dois velhos inimigos. Uma legião romana patrulhava uma gelada floresta da Europa Central, quando um bando de germanos irrompeu da escuridão, urrando e mostrando dentes e armas. Ao verem aqueles gigantes de longos cabelos loiros brandindo maças e rosnando como animais, os romanos giraram nas sandálias e desataram a correr. Mas, depois, acostumados com os ataques selvagens dos bárbaros, os disciplinados romanos os derrotaram sistematicamente e os incorporaram ao império.
No século 5, porém, Roma estava decadente e Alarico, rei dos godos, decidiu tomá-la de vez. Investiu contra a Cidade Eterna e pilhou-a durante três dias. Para que a paz fosse restituída, o conquistador pediu, TODO ouro, TODA a prata, TODOS os bens e TODOS os escravos que pertencessem aos cidadãos. Escandalizados, os senadores romanos perguntaram:
- Se essas, ó rei, são vossas exigências, o que pretendei deixar-nos?
E Alarico, magnânimo, respondeu:
- Vossas vidas.
Parecia o fim do conflito entre os dois rivais, mas eles continuaram se enfrentando pela poeira dos séculos, num duelo sem fim.
E agora de novo.
As poderosas e multicampeãs seleções da Alemanha e da Itália se enfrentarão naquilo que é mais do que um clássico do futebol mundial: é um choque atávico de culturas do qual só um sobreviverá. Quem serão os vencedores? Os germanos, que jamais desistem e atacam sempre, ou os romanos, que jamais desistem e defendem sempre? Quem foi melhor: Beckenbauer ou Baresi? Paolo Rossi ou Gerd Müller? Dino Zoff ou Sepp Maier?
Quem é mais virtuoso: Verdi ou Beethoven?
O que você prefere: macarronada ou spaetzle? Filé à parmegiana ou rahmschnitzel? Cerveja ou vinho?
Volkswagen ou Fiat?
Goethe ou Dante?
Da Vinci ou Dürer?
Kant e Schopenhauer ou Gramsci e Giordano Bruno?
Claudia Cardinale ou Romy Schneider? Sophia Loren ou Marlene Dietrich? Monica Bellucci ou Antje Traue? Carla Bruni ou Claudia Schiffer?
Afinal, você gosta mais de loiras de olhos azuis ou de morenas de olhos verdes? Vai mais a Bento ou a Gramado? Se pudesse estar na Europa agora, estaria em Roma ou Berlim? Visitaria a Ilha dos Museus ou o Vaticano?
Quem foi o mais ridículo: Hitler e seu bigodinho ou Mussolini e seu beicinho?
Você se chama Bündchen, Kuerten, Wagener, Sopher, Becker, Sperb, Mallman, Ritter, Brand, Schmitz, Staeder, Arns, Ludwig, Johannpeter, Jung, Ostermann, Schunemann? Ou Pozzi, Luchesi, Fedrizzi, Bartelli, Andreatta, Adamatti, Rosso, Barelli, Bellini, Dal Ponte, Toniolo, Meneghetti, Agostini, Ferronatto, Baldochi, Busatto, Pugina?
Quem, enfim, você quer que vença hoje à tarde, pelas semifinais da Eurocopa, no Estádio Nacional de Varsóvia: a jovem, veloz e poderosa Alemanha, do técnico Joachim Löw, um time do novo tempo, miscigenado por um Khedira, um Özil e um Podolski, tendo um goleador com nome de ator brasileiro? Ou a dura, concentrada e competitiva Itália do técnico Cesare Prandelli, do negro Balotelli e dos astros Buffon e Pirlo, onde os goleadores não marcaram mais de uma vez?
Não perca um lance de mais um combate dessa guerra eterna. A partir das 15h45min, pela RBS TV.
Tabu:
Em jogos de Copa do Mundo ou de Euro, a Itália nunca perdeu para a Alemanha. Em Mundiais, foram dois empates (0 a 0 em 1962 e em 1978) e três vitórias decisivas: 3 a 1 na final de 1982, 4 a 3 nas semifinais de 1970 e 2 a 0 nas semifinais de 2006. Na Euro, houve dois empates, ambos pela primeira fase: 1 a 1 em 1988 e 0 a 0 em 1996.