A classificação do Flamengo estava mais do que encaminhada com a goleada aplicada na Argentina, mas a nova vitória sobre o Vélez, no Maracanã, tratou de oficializar uma nova final brasileira na maior competição continental. Pelo terceiro ano seguido, apenas clubes do país irão decidir o torneio. Essa é a primeira vez na história que a Libertadores tem por três anos seguidos apenas equipes de um mesmo país na decisão.
O domínio brasileiro começou duas temporadas após a única final realizada por dois clubes do mesmo país não brasileiros. Em 2018, River Plate e Boca Juniors fizeram o clássico argentino na decisão que acabou disputada em Madri em razão de um ataque ao ônibus do Boca na chegada ao Monumental de Nuñez.
O baixo número de decisões de clubes do mesmo país em mais de 60 anos de Libertadores se explica por diferentes regulamentos que forçavam confrontos nacionais antes da decisão. Primeiramente, até 1965, o torneio era disputado com apenas um representante por país. Cada confederação passou a ter direito a duas vagas em 1966, mas até 1987 as fases semifinais eram disputadas em grupos, e as equipes do mesmo país eram levadas para as mesmas chaves.
Em 1988, a mudança para mata-matas a partir das oitavas de final veio acompanhada de uma regra que obrigava enfrentamentos entre times do mesmo país antes da semifinal.
De 1960 a 1999, o máximo de times que um país poderia ter na competição era de três (duas vagas fixas e um terceiro acontecia pelo campeão ter classificação para a edição seguinte). Quando a Libertadores sofreu uma ampliação, passando a ter 32 participantes em 2000, a Conmebol acabou com a regra que forçava enfrentamentos antecipados nos mata-matas. Demorou até 2005 para ocorrer a primeira decisão entre brasileiros, quando São Paulo e Athletico-PR fizeram a final. Isso se repetiu em 2006 com o Tricolor Paulista novamente presente tendo o Inter como adversário.
Depois disso, a Conmebol mudou o seu regulamento e passou a forçar enfrentamentos de equipes do mesmo país nas semifinais, o que ficou impossível de ser mantido a partir de 2017, quando a Libertadores sofreu novo inchaço para um total de 47 participantes, e Brasil e Argentina passaram a ter, respectivamente, sete e seis vagas fixas no torneio. Para os demais países, a divisão é de quatro cada. Títulos da Libertadores e da Sul-Americana ainda rendem vagas extras, tornando a possibilidade de até nove brasileiros participarem do torneio — o que ocorreu na edição deste ano — ou oito argentinos.
Curiosamente, esse novo regulamento entrou em vigor logo após a edição de 2016 ter tido uma final entre Atlético Nacional-COL e Independiente del Valle-EQU, a única vez nos últimos 30 anos que uma decisão da Libertadores não contou com, pelo menos, um representante de Brasil ou Argentina.
Domínio técnico impulsionado pela economia
Um estudo publicado pela Pluri Consultoria, chamado “Gigantes das Américas”, em 2019, mostrou o tamanho da diferença econômica dos clubes brasileiros e argentinos para o restante do continente. Dos 20 primeiros da lista de maiores receitas, o chileno Colo-Colo foi o único integrante que fugiu de Brasil e Argentina.
Essa diferença aparece no campo. Desde a ampliação das vagas, em 2017, apenas clubes do Brasil e da Argentina foram finalistas. Nestes seis anos, o Barcelona de Guayquil, em 2017 e 2021, foi o único de fora dos dois países a chegar até a semifinal. A final daquele ano foi entre o argentino Lanús e o brasileiro Grêmio, que sagrou-se campeão.
Em 2018, o ano da decisão argentina, Boca Juniors e River Plate passaram por Palmeiras e Grêmio, respectivamente, mas semifinais. Em 2019, o River foi o último argentino a disputar uma decisão, sendo derrotado pelo Flamengo.
A crise econômica que se agravou na Argentina desde a pandemia, principalmente, foi determinante para essa vantagem brasileira, ainda que os argentinos estejam à frente dos demais países. Os resultados recentes da Libertadores demonstram esses blocos entre os níveis do times. Neste ano, as oitavas de final mostraram 12 dos 16 participantes como representantes de Brasil ou Argentina. Apenas clubes dos países chegaram às quartas de final.
No afunilamento da competição, os brasileiros têm levado a melhor. Neste ano, a eliminação do Estudiantes sobre o Fortaleza nas oitavas de final foi o único triunfo dos “hermanos” em mata-matas contra brasileiros. Na edição de 2021, os times do Brasil levaram a melhor em todos os duelos.
Um claro exemplo pode ser entendido em relação ao Boca Juniors. O tradicional clube de Buenos Aires teve até 2020 apenas três derrotas em 20 duelos de mata-matas contra brasileiros ao longo da história da Libertadores. Nas últimas três edições, esse número foi dobrado com as eliminações para Santos, Atlético-MG e Corinthians em sequência.
Aqui (na Argentina), em brincadeira, define-se a Copa Libertadores como Copa Brasil por essa situação com o domínio brasileiro nas finais, o que reflete a diferença econômica.
SERGIO MAFFEI
repórter do Diário Olé
— Aqui (na Argentina), em brincadeira, define-se a Copa Libertadores como Copa Brasil por essa situação com o domínio brasileiro nas finais, o que reflete a diferença econômica. Por exemplo, o Boca tentou contratar o chileno Vidal como um sonho. Ele foi para o Flamengo e hoje é reserva, assim como o Everton (Cebolinha), isso mostra bem a diferença. O que para os argentinos hoje é um sonho, para o Flamengo é uma alternativa. É muito difícil competir assim — afirma o repórter do Diário Olé Sergio Maffei.
Claro que não apenas a diferença econômica influencia no resultado. O Boca Juniors poderia ter eliminado o Corinthians caso o centroavante Darío Benedetto, principal contratação do clube, não tivesse perdido dois pênaltis no duelo decisivo. Outro argentino de maior investimento, o River Plate foi eliminado pelo Vélez Sarsfield em um duelo doméstico.
Sergio Maffei ressalta que Estudiantes e Vélez, os dois argentinos de melhor campanha nesta Libertadores, foram além das expectativas.
— Foi valorizado o Estudiantes ter competido com o Athletico-PR, que trouxe o Fernandinho do Manchester City. O Estudiantes esteve perto de passar, a série se definiu no último minuto, mas não alcançou. O Vélez chegou até a semifinal passando por confrontos argentinos, mas depois não pôde competir com o Flamengo, levando um 6 a 2 no agregado — completa.
A final entre Flamengo e Athletico-PR será disputada em 29 de outubro, em Guayaquil, no Equador. Pelo terceiro ano seguido, o resto do continente vai apenas ver a definição de qual brasileiro irá levantar a taça.