Tem uma anedota do Analista de Bagé, famoso personagem do autor (e grande colorado) Luis Fernando Verissimo, que explica: "Precisava estar rodeado de gaúchos, por isso, foi morar no Rio". Pois a Cidade Maravilhosa mais parece uma extensão do Rio Grande do Sul, especialmente entre Copacabana e Leme. Claro que isso se reflete também no futebol. E o Inter encontrou sua parte, que permite o trocadilho óbvio: é um Beira-no-Rio. No caso, dois Beiras-Rios.
E é Beira-Rio mesmo. Não é um barzinho para chegar com família, camiseta de outro time e curtir um almoço ou uma jantinha na boa quando o Inter estiver em campo. Quem for ao Copinha, na rua (atenção para a simbologia) Bolívar, coração de Copacabana, estará lá para sentir o que a TV mostrar. É um lugar para colorados compartilharem o sofrimento, a angústia, a dor e a alegria que o futebol proporciona.
— É um estádio. Pedimos para retirar as cadeiras. Fica todo mundo em pé em volta da TV, para criar o clima — explica Marcelo Peralta, dono da banca de revistas próxima ao bar e considerado uma espécie de organizador informal dos eventos.
Ele estava lá quando tudo começou. Foi entre o final de 2005 e o começo de 2006. Entre a indignação pela perda daquele estranho Brasileirão e a esperança no trabalho que vinha sendo feito, alguns colorados passaram a se juntar para ver os jogos. Não era uma tarefa fácil. Um bar no Rio priorizaria os times locais.
Aos poucos, foram se organizando em redes sociais, juntando gente. Queriam, nas palavras de Peralta, um "pé-sujo" (no Rio, isso não é pejorativo, é uma gíria para se referir a um lugar simples). O Copinha era quase um desenho do que queriam. Conheciam o dono, sabiam que o fundador era um gaúcho, e colorado, e foram conversar. Vieram com a proposta. O bar tinha de se comprometer a passar todos os jogos do Inter. Diz Peralta:
— Se a final do Mundial fosse um Fla-Flu e tivesse um Inter x Novo Hamburgo pela terceira rodada do Gauchão ao mesmo tempo, precisaria transmitir o Colorado. Em troca, garantiríamos público no bar dele. Só não esperávamos que fosse tanto.
Foi em 2008 que o Copinha virou reduto colorado. Uma época gloriosa para o Inter. Era quase automático, bastava ligar a TV e lá estaria uma camisa colorada vencendo. Aquele tanto de vitória motivou centenas de colorados a assistir aos jogos no bar. Toda vez, a rua se enchia, nunca levava menos de 100 torcedores.
Aí apareceu um "problema". O time ganhava, os torcedores comemoravam e o barulho se estendia pela noite. Os vizinhos se incomodavam. E, nos últimos anos, quem precisa se explicar é o gerente Raimundo Nonato.
Cearense até no nome, o administrador do bar torcia para o Fortaleza na infância no sertão nordestino. Mas tinha simpatia pelas cores coloradas. Que aumentou com a convivência com os colorados no Copinha.
— O pessoal me acolheu, é muito receptivo. Hoje posso dizer que sou colorado. E nem é só pelo movimento no bar. Me emociono mesmo, olha como fica meu braço quando falo do time. Teve uma vez que os jogadores vieram aqui, ficamos loucos — diz o gerente, apontando para os pelos arrepiados no antebraço.
Em uma excursão pelo Brasil promovida pelo movimento consular, ex-jogadores do Inter como Índio, Pinga, Fabiano, Hiran, entre outros, rodaram o país para dar um carinho aos colorados espalhados pelo país. A ocasião oficializou o Copinha como bar oficial colorado no Rio. A história é tão rica que virou filme: "Copinha, um sentimento", produzido e dirigido por Carlos Guilherme Vogel, Fábio Erdos e Marcelo Engster. A peça foi premiada no Rio e em Lima, no Peru, e está disponível no YouTube.
Mas nesta quarta-feira, o reduto não será o QG dos 4 mil colorados esperados para o Maracanã. O jogo será transmitido, mas discretamente. Circula um boato que torcedores do Fluminense ameaçaram fazer uma confusão na região. Assim, as forças de segurança e a direção colorada decidiram montar a concentração da torcida no posto 2 da praia do Leme, em frente ao hotel que servirá de concentração para a delegação de Eduardo Coudet. E, curiosamente, ali na frente está o outro Beira-Rio.
O quiosque colorado
Na beira da praia, posto 2 do Leme, quase "fronteira" com Copacabana, o quiosque 37 ostenta uma faixa: "A barraca dos colorados". Cercado de bandeiras do Inter, o local é um clássico da orla carioca, que volta e meia aparece no noticiário, especialmente quando os gaúchos vão decidir as competições no Rio.
O proprietário do local é o gaúcho Nunes Cavalheiro, que trocou o Noroeste gaúcho pelo Sudeste brasileiro há mais de três décadas. Natural de Ijuí, ele se mudou para o Rio e carregou a paixão colorada.
Nunes é o atual cônsul do clube entre os cariocas. Cabe a ele a organização dos eventos e os deslocamentos de torcedores quando os jogos ocorrem na cidade. Será em frente ao seu quiosque que a maioria dos 4 mil colorados esperados no Maracanã estarão durante o dia na quarta-feira.
Também por isso, aproveitou que a tarde ficou nublada e não abriu seu estabelecimento na segunda-feira. Só deixou as bandeiras encravadas.
Mas o quiosque carrega outra coincidência. Ele fica exatamente em frente ao hotel Hilton, local que abrigará a delegação colorada a partir de terça à noite. É prevista uma grande recepção aos atletas. Antes do jogo, outra festa está sendo preparada.
A polícia e a secretaria de trânsito do Rio marcaram para lá a escolta dos torcedores até o Maracanã. Trata-se de um local amplo, com facilidade para manobrar e estacionar ônibus e demais coletivos. Só de colorados que frequentam o Copinha sairão 11 vans. Haverá fogos, sinalizadores, uma espécie de mini-ruas de fogo, uma prévia do que ocorrerá em Porto Alegre na semana que vem.
A ideia é que todos os jogadores se sintam em casa no Rio. Os que tiverem a sorte de pegar um quarto de frente para a praia, inclusive, verão as bandeiras coloradas. Que nem no Beira-Rio. É o Beira-no-Rio.