A esperança de gols de um Inter que precisa, fora de casa, contra o Grêmio, reverter a derrota no jogo de ida da final do Gauchão disse a seguinte frase a um treinador:
— Professor, eu quero ser segundo volante.
Era 2015, o técnico em questão era Toninho Andrade, do Madureira. Recém-chegado ao clube carioca, o comandante ouviu as explicações do jogador e respondeu:
— Um cara com a tua inteligência e teu estilo ofensivo não pode ficar preso. Preciso que avance, entre na área, participe. Você tem liberdade total no campo.
Começava naquele time — que foi muito bem no campeonato estadual, por sinal — a mudança que fez a carreira de Thiago Galhardo decolar. Escalado como segundo atacante ou meia avançado, ele se encontrou definitivamente mais perto da trave adversária. Foram cinco gols naquele Carioca e mais algumas quantas assistências.
Era uma reviravolta em uma trajetória que havia começado promissora no Bangu, depois transferido ao Botafogo. Recuado, não teve sucesso e rodou por América-RN, Remo e Boa até chegar ao Madureira. Convencido a atuar mais à frente, Galhardo deu sequência em Coritiba, RB Brasil, Ponte Preta, Albirex-JAP, Vasco e Ceará.
Quando chegou ao Inter, já vinha de Fortaleza como atacante. Ou, no mínimo, como o mais ofensivo dos meio-campistas. Foi Eduardo Coudet quem lhe avançou ainda mais. O treinador argentino preferia escalar uma dupla de ataque, e Galhardo havia casado muito bem com Guerrero. Quando o peruano se lesionou, coube ao uruguaio Abel Hernández ser o companheiro, e os gols seguiram saindo. Galhardo fez o primeiro e o último de 2020. O ano foi tão especial que rendeu a ele uma convocação à Seleção para disputar as Eliminatórias da Copa.
— Meu pai brinca que eu era centroavante e ninguém sabia. Passei nos testes de base como zagueiro e, quando cheguei no Botafogo, Caio Júnior me colocou como camisa 10. No Coritiba, joguei aberto, e voltei a ser um meia centralizado com Maurício Barbieri no RB Brasil. Nunca fui um jogador de entrar na área, de fazer gols de cabeça. No Japão, trabalhei com um treinador que me ajudou muito nisso, o Vagner Lopes. Ele me colocou mais à frente porque eu era o mais alto do time — contou Galhardo ao SporTV.
O fato de não ter sido criado como centroavante pesou quando Coudet foi embora e Abel Braga desembarcou. O Inter mudou o jeito de jogar: saiu a dupla de ataque e entrou um centroavante mais isolado, que precisava brigar contra zagueiros e volantes adversários. Não era bem a de Galhardo. Entre lesões e má fase, ele perdeu espaço para Yuri Alberto, que é mais centroavante-centroavante mesmo.
Meu pai brinca que eu era centroavante e ninguém sabia
THIAGO GALHARDO
Atacante do Inter
Troca para março de 2021. Já sem Abel e agora com Miguel Ángel Ramírez, Galhardo voltou a recuperar espaço. Como, se o espanhol também não monta seu time com uma dupla na frente? Simples: no modelo atual, o centroavante não pode ser alguém parado na área, esperando bola. Precisa ter mobilidade, sair para tabelar, aparecer. E o Galhardo de 2020 voltou à cena. É o goleador colorado na temporada — e autor do gol do Gre-Nal do jogo de ida, o que abriu o placar, antes da virada tricolor.
Autor do único gol colorado na casa gremista desde 2018, Galhardo alimenta as esperanças coloradas por uma virada na Arena, estádio em que só venceu uma vez — e já se vão sete anos. Para ser campeão no tempo normal, o Inter precisa ganhar por dois ou mais gols de diferença. Se vencer por um, leva aos pênaltis.
História praticamente igual em 1988
Uma figura histórica do Inter, também autor de gols em Gre-Nal, identifica-se com essa história. Em 1988, o clube também havia buscado em um mercado paralelo um meia ofensivo com faro de gols — que se transformou em centroavante.
Nilson tinha sido o destaque do Paulistão jogando pelo XV de Jaú. Cansado de ser quebra-galho do time, pediu ao técnico José Poy que fosse fixado na meia. Preferia ficar no banco do que ficar girando de posição em posição.
— Ele aceitou e fiz 14 gols jogando como meia. Foram muitos de cabeça, porque a gente combinava de o pessoal cruzar na altura da marca do pênalti, onde eu me posicionava — conta o centroavante que fez os dois gols do Inter no Gre-Nal do Século.
Quando chegou em Porto Alegre, avisou que queria ser meia. Trabalhou nessa posição e estava pronto para estrear contra o Coritiba na função. Mas o técnico Chiquinho foi demitido depois do treino. Abel chegou no dia seguinte.
Na estreia, o treinador acompanhou o primeiro tempo, em que o Coritiba saiu ganhando. No intervalo, avisou a Nilson: precisaria dele como centroavante.
— "Pô, mas eu quero ser meia", pensei. Mas daí vi que era o Inter, clube grande, oportunidade. Não dá para ficar escolhendo. Entrei, fiz o gol e nunca mais deixei de ser.
Com essa experiência, Nilson vê semelhanças entre seu jogo e o de Galhardo:
— Não somos aqueles centroavantes paradões, que ficam esperando bola. Fazemos pivô e nos posicionamos, mas sabemos sair, fazer uma tabela, ajudar a construir. Galhardo tem feito isso muito bem, aparece bastante. E faz gols, né? Toda semana tem gol dele. Fico feliz que tenha se encontrado.
O Inter precisará da mística de Nilson para o clássico.