Entramos em fevereiro e já temos dois treinadores de grandes clubes sendo fritados pela torcida e por parte da imprensa no Brasil: André Jardine, do São Paulo, e Odair Hellmann, do Inter. Em menos de um mês de trabalho, após 30 dias de férias, já se espera que eles caiam dos seus cargos.
Isso porque o brasileiro tem uma relação imediatista com o futebol — que reflete bastante como encaramos os processos socioculturais do nosso país (tema para um outro texto) — e geralmente não se interessa muito com trabalhos a longo prazo. O que realmente importa são os resultados, vencer a qualquer custo. Ainda mais se os rivais locais estão vencendo e, seu time, não.
Essa falta de paciência gera uma pressão enorme sobre quem realiza o trabalho. Não que treinadores tenham salvaguarda para não serem criticados, mas é necessário que se julgue com embasamento, entendendo contextos, ferramentas e processos. Criticar apenas com "não tá jogando nada" ou com base em resultados contra times inexpressivos nos estaduais é um tanto fora da realidade de quem faz o esporte.
Ainda mais quando se começa um trabalho de pré-temporada, com muitos atletas novos no grupo, com a saída de jogadores, com todos fisicamente abaixo e com a necessidade de reformular estratégias e, até mesmo, o modelo de jogo. Enfim, não existe milagre no futebol. Tudo leva tempo e trabalho.
Imprensa x Jardine
Percebo muitos colegas da imprensa paulista criticando de forma sistemática o trabalho de André Jardine no São Paulo. Repito: tudo bem em criticar, é obrigação do jornalista ter o olhar crítico. A questão é o embasamento: as razões geralmente são de cunho passional, um olhar mais "de torcedor" do que de jornalista. E sabe-se que imparcialidade precisa ser da natureza desse trabalho.
Destruir diariamente o trabalho de um treinador que teve um passado sensacional nas categorias de base do tricolor paulista e tem pouquíssimo tempo no time principal não é o melhor cenário para o desenvolvimento de ideias e de estratégias. Depois os mesmos jornalistas reclamam do baixo nível do futebol brasileiro. Mas como ter mais qualidade queimando treinadores desse jeito?
Odair já mostrou competência
Foi um ano surpreendente para muitos, mas não para este comentarista. Fui um dos poucos que cravou uma boa temporada do Colorado caso Odair fosse mantido no cargo. E a direção do Inter fez o correto e conseguiu colocar o clube de volta em uma Libertadores.
É bom lembrar que Odair Hellmann conseguiu: recuperar o futebol de Víctor Cuesta, que estava muito abaixo da média (bom lembrar que a maioria dos gols sofridos no Gauchão e a eliminação pro Vitória na Copa do Brasil vieram em falhas dele); firmar jogadores da base, como Iago, Charles e Juan Alano; ajudar Nico López a desenvolver o bom futebol que se esperava dele; devolver a Leandro Damião o protagonismo que ele já havia perdido.
Além disso, teve a diplomacia e a competência para tirar D'Alessandro do time titular e construir o melhor momento do time em 2018 sem o craque argentino. E isso não gerou nenhuma rachadura no grupo e nem perda de poder ou liderança.
Campeonato estadual é um lugar para os times grandes experimentarem. Precisa mudar o modelo de jogo? Essa é a hora de testar. E de errar bastante. Não vencer o estadual não pode ser motivo de entrave de um processo de longo prazo. O Inter não precisa estar voando agora, e sim no dia 6 de março, quando estreia na Libertadores.
São dois jovens e talentosos profissionais da direção técnica, que ainda terão muitas derrotas e vitórias nas suas carreiras. E, claro, vão criar cicatrizes, e a pele ficará mais grossa a cada jogo, a cada campeonato.
O importante é saber que há competência em ambos e que tanto a torcida colorada quanto a do tricolor paulista estão com bons treinadores em suas casamatas, rodeados de excelentes profissionais nas comissões técnicas. Só falta paciência para o futuro ser brilhante.