Minha lembrança de Caçapava, um dos grandes personagens da história do futebol gaúcho, é de um papo na generosa sombra de uma árvore. Ele morava em Piripiri, interior do Piauí. Lá, em Piripiri, não existe vento. As folhas das árvores não se movem. Faz, portanto, muito calor. Era verão, e as senhoras usavam sombrinhas para se protegerem do sol inclemente. Se você passasse na praça pela manhã e voltasse no fim da tarde, as mesmas pessoas estariam lá, nos mesmos lugares, na mesma disposição.
Fui até o fim do mundo atrás de Caçapava por dois motivos. Ninguém sabia por onde aquele imperador da defesa andava. E havia uma suspeita de que ele tinha virado pai de santo. Uma história e tanto.
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Piripiri rendeu algumas páginas de jornal com boa fotos. Naquela conversa amena e cheia de histórias deliciosas sobre futebol, não só do Inter de seu grande amigo Falcão, mas também do Corinthians de Sócrates, tive a sensação de estar diante de um homem feliz.
Criado pela avó, sofrido, infância difícil, Caçapava vivia na pobreza, mas não reclamava. Queria uma condição melhor, claro, mas preferia olhar em volta e ver as coisas boas. A vida foi levando-o para cada vez mais longe do Rio Grande do Sul, até encerrar a carreira e engatar uma frustrada tentativa de ser técnico no Piauí.
O futebol gaúcho perdeu um homem bom, simples e de coração grande. Nos encontramos anos depois – a conversa sob a sombra foi em 1997 – nos corredores da Rádio Gaúcha. E, para minha surpresa, ele lembrava da nossa conversa, que fez parte de uma reportagem sobre a vida deste volante que sabia rugir ao ponto de assustar o tigre e ser doce como uma criança grande.
Não era de bom tom comprar briga no campo com aquele volante com fôlego incomum, mas pergunte a Falcão e Carpegiani se eles tinham receio em trocar passes com ele. Figueroa disse que jogaria até os 50 anos com Caçapava à frente dele. Falcão não tem do que se queixar. Foi um escudeiro seu, de certa forma. Caçapava ouvia e acatava as dicas de Falcão, mesmo quando as compreendia do seu jeito. O carrinho no meio de Rivellino na semifinal de 1975, para cortar o elástico, é um exemplo. A frase após o discurso de Sócrates no vestiário, lembrando aos membros da Democracia Corintiana que árbitro algum expulsava antes dos cinco minutos, para espanto geral, também. Sócrates sorriu e lhe deu abraço ao final do jogo, admirado com a raça de seu novo companheiros.
O futebol gaúcho perdeu um grande personagem, um jogador de nível de Seleção, um volante como poucos. Um homem com a riqueza da simplicidade, e como este bem anda em falta nestes tempos de tanta ostentação pobre.
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