Em dezembro de 2009, após sagrar-se campeão da Copa Sul-Americana pela LDU (EQU), o técnico Jorge Fossati desembarcou em Porto Alegre com a missão de levar o Inter ao bicampeonato da Libertadores. Quase seis meses depois, antes da Copa do Mundo da África do Sul, o uruguaio estava demitido com o Colorado a quatro jogos da glória.
O Inter seguiu sem Fossati e conseguiu o almejado troféu da Libertadores sob as ordens de Celso Roth. O técnico charrua, por sua vez, passou por outros cinco clubes até chegar ao Al Rayyan, do Catar.
Em entrevista ao LANCE!, Fossati conta como vê o drama de um treinador estrangeiro no Brasil. Depois do comandante celeste, nenhum outro forasteiro conseguiu completar um ano à frente de uma equipe no país. Fluente no português, o uruguaio ainda tece opiniões fortes sobre a Seleção no período "pós 7 a 1" e lamenta a teimosia de nossos professores em se trancarem em uma aldeia, ignorando a globalização do futebol.
No Catar pela terceira vez em 22 anos de carreira como treinador, Fossati também faz uma defesa apaixonada do país como sede da Copa do Mundo de 2022, na contramão de nomes consagrados do futebol, como Zico e o alemão Franz Beckenbauer. Por outro lado, dispara duras críticas contra Fifa pela punição imposta ao atacante Luis Suárez no Mundial de 2014.
- Asquerosa - definiu.
Antes da Copa do Mundo do ano passado, o alemão Paul Breitner veio ao Brasil e disse que estávamos 30 anos atrasados em relação às demais potências. Como o senhor enxerga o futebol brasileiro após os 7 a 1?
Entendo a qualidade do futebol brasileiro em termos de estratégia, tática e trabalho do dia a dia. A Alemanha pode jogar contra a Seleção 50 vezes que não fará sete gols. Aquilo foi um acidente. Mas, com todo respeito, o brasileiro acredita que o mundo acaba em suas fronteiras. Vocês precisam colocar a cabeça para fora da janela e se abrir a novas verdades. Não é possível acreditar que o futebol só tem uma forma de jogar. Parece que o país esqueceu que o mundo é globalizado. Já ouvi treinadores e jornalistas afirmarem que a única maneira possível de armar um time é no 4-4-2. É um absurdo. O técnico da Alemanha não inventou a pólvora e tampouco é dono da verdade absoluta. Mas o brasileiro está ficando para trás. É preciso dar um basta nesta mentalidade.
De que forma o Brasil pode superar a tragédia da última Copa do Mundo?
A primeira atitude é escutar outras verdades. Parar de ser mimado. Parar de dizer "ah, o técnico estrangeiro não vai entender as idiossincrasias do futebol brasileiro". Grandes craques brasileiros se consagraram pelas mãos de treinadores estrangeiros. Lembrem disso. De resto, creio que vocês entendem os problemas internos melhores do que eu.
Se o senhor tivesse a chance de votar, quem seriam os três finalistas da Bola de Ouro?
Não sou a pessoa adequada para esse tipo de lista. Gosto de sentar com calma e pensar vários nomes para cada posição. Sabemos que Messi é extraordinário. Mas como seria o craque do Barcelona sem Mascherano e Busquets no meio de campo? No tênis, esporte individual, o melhor é Djokovic. No futebol, prevalece o coletivo. Creio que não sirvo para votar para o Bola de Ouro...
E o Neymar? Em qual estágio estaria no futebol internacional?
Gosto muito mais do Neymar do Barcelona que o do Santos. É bem mais competitivo. O outro dava show. Tudo bem. É bonito. Mas eu gosto mais do Neymar de hoje, que não é treinado por um brasileiro. É esse Neymar que brigará para estar entre os melhores do mundo. É preciso decidir: querem o show ou voltar a disputar em alto nível? Vocês precisam separar o "jogar bem" do "jogar bonito".
Neste ano, tivemos dois treinadores estrangeiros que não chegaram a completar um ano de trabalho. Osorio (São Paulo) e Aguirre (Inter). No ano passado, o Gareca (Palmeiras) foi demitido. O senhor também já sentiu na pele com o Inter, em 2010. O que acontece? Nos falta paciência?
Respondo com duas perguntas. Quantos clubes iniciaram e terminaram a temporada com o mesmo treinador? Duas. Com boa vontade, três. Entre os demitidos, não havia brasileiros? É mais fácil colocar a carga sobre os estrangeiros. No Brasil, poucas pessoas trabalharam para o clube. Muitas vezes o interesse individual e empresarial falam mais alto. É o que sempre digo: o treinador não vem sozinho. Ele é chamado pela diretoria. Se o treinador não serve, o mesmo vale para o dirigente. Por que, então, quando o técnico vai embora, o cartola não vai junto?
O senhor deixou o Inter na semifinal da Libertadores e mesmo assim foi demitido. Ficou alguma mágoa do clube?
Tenho uma incompreensão, uma dúvida. A diretoria do Inter me pediu para ganhar a Libertadores. Retruquei e disse que é preciso manter um foco em todas as competições, não só na Libertadores. Não dá para entender. Fizemos um bom trabalho e chegamos à semifinal. Tive a oportunidade de trabalhar num grande clube brasileiro e ter o reconhecimento de boa parte da imprensa e da torcida. O Inter está por cima de tudo. Saí com bons resultados, o que é, no mínimo, estranho.
Voltar a trabalhar no Brasil seria uma possibilidade?
Morei quatro anos no Brasil, gosto muito da forma de vida do brasileiro. Dependendo do projeto e do clube, aceitaria. Seria um grande desafio.
A Copa de 2022 tem sido alvo de muitas polêmicas: compra de votos, falta de direitos trabalhistas... O senhor conhece bem o Qatar. As críticas são justas?
A população do Qatar chega a dois milhões de habitantes. É normal contar com mão de obra estrangeira. Nos shoppings e nas ruas, o que não faltam são filas de trabalhadores que enviam dinheiro à família. Posso garantir que nunca vi um operário sendo desrespeitado. Observo um tratamento até melhor do que em nossos países sul-americanos. Se algo fugisse da lógica, eu seria o primeiro a denunciar. Me parece muito mais uma campanha dos Estados Unidos e da Inglaterra contra o Mundial. As acusações apareceram de um dia para o outro. Se sabiam de tantas irregularidades, por qual motivo não se manifestaram antes de definirem a sede da Copa de 2022?
Fossati comanda o Al Rayyan, do Catar.Foto: Divulgação
Outro fato que os críticos da Copa de 2022 indicam é a falta de tradição do Qatar no futebol. A Copa do Mundo poderá ser um marco para revolucionar o futebol do país e colocá-lo num patamar mais alto?
Quem tem essa opinião não conhece bem o futebol daqui. É fácil ver na televisão um jogo com mil pessoas na arquibancada e decretar que não existe paixão pelo esporte. Como era o futebol nos Estados Unidos em 1994? O país tinha alguma tradição? Bons jogadores, como Romarinho e Xavi, estão na liga. Bons treinadores, como Paulo Autuori, passaram por aqui. O nível é bom. A seleção está se formando a partir de várias naturalizações, o que não é ilegal. Se no Uruguai, que é um país pequeno, é difícil montar bons times, imagina aqui. Acho que o Qatar está evoluindo. Claro que não será a Austrália (está na Oceania, mas disputa os torneio asiáticos), o Japão ou a Coreia do Sul. Mas posso afirmar que não será surpresa se o país chegar à Copa do Mundo de 2018 como quinta força do continente. É claro que não disputará título, porém, em 2022, o Qatar vai mais longe do que EUA-94 e África do Sul-2010. O Qatar se esforça ao máximo para evoluir e tem todo o direito de realizar o Mundial.
O escândalo de uma possível compra de votos não mancharia a Copa do Qatar?
Os processos estão nas mãos da Justiça. Se há suspeitas do passado, é preciso investigar também a Copa de 1930, no Uruguai, não?
Como o senhor descreveria o Qatar a um turista que pensa em comprar ingressos para a Copa?
É um país cujas paisagens são ilógicas e mudam a cada dia. Quando volto a um mesmo lugar, num intervalo de apenas um mês, sempre
noto mudanças drásticas. Estamos falando sobre um país de famílias ricas, ainda em construção. Em termos de organização, logística e infraestrutura, a Copa de 2022 será a melhor de todos os tempos.
No ano passado, a Fifa tomou uma decisão política ao tirar Suárez da Copa e suspendê-lo por oito jogos graças à mordida no zagueiro italiano Chiellini?
Por mais que seja o nosso grande ídolo, houve um erro. E não foi a primeira vez. Os especialistas analisaram a jogada. Ok. Suárez burlou o regulamento. Mas a decisão da Fifa de tirá-lo até da concentração foi, politicamente, asquerosa. Só faltou mandar o rapaz para a cadeia. Talvez, a medida foi tomada para dissimular tudo o que estamos assistindo.
O Uruguai chega sem sufoco a 2018 ou segue com o histórico de sofrimento nas repescagens?
A seleção mantém um trabalho de oito anos. Nestas Eliminatórias, o Brasil já não é o melhor disparado, a Argentina ainda não encontrou o melhor futebol, e já vencemos a Colômbia, que é uma das favoritas. Nossas possibilidades são maiores. Ganhar as duas primeiras rodadas foi um grande passo para chegarmos lá. E olha que estávamos sem Suárez e Cavani. Acredito que, desta vez, evitaremos a repescagem.