Na semana em que o Grêmio completa 120 anos de vida, GZH apresenta uma série de matérias especiais para comemorar a data. O material apresenta várias facetas da trajetória tricolor. Hoje, confira a história de Vitório Gheno, um dos sócios gremistas mais longevos.
Um quadradinho de gramado é espaço suficiente para um craque aplicar um drible desconcertante. O mesmo vale para um artista como Vitorio Gheno. O artista plástico consegue em um espaço pequeno exprimir o que é ser gremista. Aos 99 anos, ele é um dos sócios mais longevos do Grêmio e um dos gremistas que mais vivenciaram os 120 anos de história do clube, completados nesta sexta-feira (15).
Pode ser que a figura dele não seja familiar para o torcedor. Talvez o nome soe estranho. Mas seu trabalho é conhecido por boa parte dos gremistas que frequentam a Arena. Duas de suas obras relacionadas ao clube estão expostas em grandes murais em saguões do estádio. Uma alusiva à Baixada, outra ao Olímpico. Ambos surgiram de aquarelas pintadas por ele.
As peças sintetizam um pouco de suas memórias afetivas em relação ao clube. O gremismo ocupa um naco importante de sua vida. Não são poucas as passagens que ilustram a relação. Na década de 1940, Gheno morou em Buenos Aires para dar prosseguimento aos estudos. Era um tempo em que uma ligação telefônica internacional custava quase o equivalente a um salário de um Luis Suárez. Em que a internet não era nem imaginação. Era preciso ser criativo e ter contatos para saber o que acontecia com o Tricolor. Amigo do dono de uma empresa de turismo do RS, ele viu a oportunidade de se manter conectado.
— De 15 em 15 dias, ele aparecia com uma excursão — relembra. — Ele levava jornais para mim, para eu saber notícias do Grêmio. Eu lia tudo. Era a época do fim da Guerra. Essa história é parte importante da minha vida de torcedor do Grêmio — complementa.
Na década seguinte, recorreu à tática similar. Seu CEP remetia a Paris. Gheno fazia parte de uma legião brasileira que ia todos os dias sorver o café da Mademoiselle Dubois. Além de prover a divina bebiba, era responsável pelo escritório brasileiro da Panair na Cidade Luz. Outros dos recepcionados era o cronista Rubem Braga. Além de socializarem, a turma comparecia para se informar sobre o que acontecia no lado de cá do Atlântico. A companhia aérea trazia jornais nacionais e deixava em seu escritório para os visitantes. A questão era que os periódicos eram, em geral, do centro do país. Assim, o artista tinha de se contentar em doses homeopáticas de informação sobre o clube do coração.
Prestes a completar seu centenário, Gheno vivencia o Grêmio desde seus primeiros passos. De memória intacta, viveu quase toda a história do clube, que era vizinho de sua casa. Acompanhou como poucos as transformações gremistas. Sentou na arquibancada de madeira da Baixada, no cimento do Olímpico e nas cadeiras da Arena. Seus olhos testemunharam as maiores lendas gremistas em ação. De Lara a Marcelo Grohe. De Luiz Luz, o Fantasma da Área, a Kannemann e Geromel. De Gessy a Luan. De Juárez, o Tanque, até Suárez.
Quando criança, por volta dos 6, 7 anos de idade, morava na Rua 24 de Outubro. Em dia de jogo, contornava o Prado Velho e chegava à Baixada para ver o seu time de coração.
— Eu pulava a grade para assistir aos jogos, era muito fácil. Eu era muito menino. Nos dias de jogos do Grêmio, a Baixada lotava. Eu assistia a todos os jogos na Baixada — relembra.
Amizade e quadros do Grêmio
Mesmo que tenha visto milhares vestirem e representarem as cores do Grêmio, poucos mexeram tanto com ele quanto Oswaldo Rolla. Campeão como jogador e técnico, Foguinho, como era conhecido, era alfaiate de profissão. Foi assim que a amizade entre os dois criou laços. O ícone gremista fazia ajustes na roupa de Gheno. Eram altos papos no Largo dos Medeiros, na esquina da Andradas com a Rua da Ladeira.
— Ele gostava de conversar comigo porque, no fundo, era um artista também. Conversamos sobre arte, moda, coisas da vida. Era uma pessoa do mundo. Sabia das coisas. O pessoal também se reunia ali para falar de futebol. O irmão dele, o Rolinha, era o mais louco de todos — destaca.
Os murais de sua autoria localizados na Arena são oriundos de duas aquarelas pintadas por ele. A mutação para imensos mosaicos de vidro foi realizada em um trabalho em conjunto entre a produtora cultural e fotógrafa Nádia Raupp Meucci e uma empresa de São Paulo. As obras de quase 28m² são formadas por milhares de quadradinhos de vidro de 2cm², alguns ainda menores para se ajustarem melhor ao desenho original.
— Ele queria painéis que durassem dezenas, centenas de anos. Por isto, escolheu mosaicos de vidro. O Gheno sempre está pintando uma nova aquarela inédita da Baixada, do Olímpico ou da Arena. São dezenas de gremistas que querem gravuras do Grêmio. Todos os dias, eu recebo mensagens de pessoas que foram ao estádio para ver as obras do Gheno — conta Nádia.
Na segunda-feira (11), a pedido de GZH, Gheno foi ao estádio para posar ao lado de sua arte. A distância entre uma obra e outra, pontos opostos da Arena, foi percorrida com vigor e passos firmes pelo artista. No caminho, ele não escondeu a ansiedade de mostrar outros de seus quadros expostos em áreas internas do estádio. Alguns camarotes são decorados com seus quadros. Na antessala da presidência, há um largo quadro de sua autoria com Eurico Lara fazendo uma ponte.
— O Lara era muito elegante com aquela camisa preta com a qual jogava — ressalta ao apontar para a peça.
Quando os gremistas entram pelos setores Leste ou Oeste da Arena e posam para selfies com os mosaicos como pano de fundo, levam consigo a memória de mais um jogo do Grêmio e um pouco do gremismo de Gheno.