A reformulação do Grêmio com a contratação de 11 jogadores não supriu todas as carências do elenco na visão do técnico Renato Portaluppi. Após o empate do time reserva com o São Luiz, no sábado (18), o treinador voltou a reforçar o pedido pela contratação de Michael.
A procura é por um atacante que possa desequilibrar no drible para encontrar soluções diante de adversários fechados. A dificuldade na negociação com o Al Hilal, da Arábia Saudita, porém, pode forçar o treinador a encontrar soluções dentro do atual grupo.
Além da punição da Fifa com o "transfer ban", que impede o Al Hilal de contratar neste momento uma reposição em caso de saída de Michael, o valor pedido trava o negócio com o Grêmio. O clube saudita deseja 8 milhões de euros (R$ 44 milhões) para liberá-lo.
Em janeiro, o Palmeiras teve negada oferta de 5 milhões de euros (R$ 27,6 milhões) por Michael. Esses números inviabilizariam a contratação pelo Grêmio, que apenas nos meio-campistas Franco Cristaldo, Felipe Carballo e Pepê investiu perto de US$ 10 milhões (R$ 51 milhões) neste começo de 2023.
Como Ferreira — considerado por Renato o único jogador "quebra linhas" do plantel — tem um histórico de problemas físicos e foi desfalque nas últimas três rodadas do Gauchão, o treinador gremista precisa encontrar soluções para furar marcações mais fechadas sem esse tipo de atleta. Há, no futebol sul-americano, exemplos recentes de equipes que tiveram sucesso jogando sem esse atacante de lado de campo com a característica de drible.
O Flamengo campeão da Libertadores e da Copa do Brasil no ano passado atuou sem esse tipo de jogador. A equipe montada por Dorival Jr. jogou na reta final dos dois títulos com meio-campo em losango formado por João Gomes, Thiago Maia, Everton Ribeiro e Arrascaeta, com Gabigol e Pedro na frente.
Na atual temporada, o Atlético-MG, líder do Mineiro, e o Corinthians, primeiro colocado em seu grupo no Paulistão, são equipes grandes do futebol brasileiro atuando muitas vezes no sistema 4-4-2 (com variações no desenho) sem esse atacante definido como extrema.
O River Plate, de tanto sucesso na Era Marcelo Gallardo e campeão da América em duas oportunidades, em 2015 e 2018, também não atuava com extrema. O treinador argentino tinha preferência por acumular jogadores pelo centro do campo e explorar as subidas dos laterais para as ações pelo flanco. O colunista tático do Diário Olé, Vicente Muglia, explica como era o funcionamento desse River.
— O River tinha de positivo a capacidade para jogar com um conceito que pedia sempre Gallardo: precisão e velocidade. Isso significa jogar muito rápido, que a bola vá rápido, mas que haja também mobilidade dos jogadores. No espaço reduzido, jogar sempre a um ou dois toques para mover a defesa rival e encontrar os espaços para penetrar. O River tocava muito rápido a bola, era um time vertical e não era estático. Essa dinâmica fazia gerar os espaços. Além disso, tinha o apoio constante dos laterais como surpresa. Os laterais não se posicionavam no ataque fixando marcadores, mas vindo de trás — relembra Muglia.
Esse "quebrar linhas" citado por Renato Portaluppi tem no jogador de drible uma possibilidade de desequilibrar o adversário. O coordenador do Curso de Especialização em Futebol da Universidade Federal de Viçosa, Israel Teoldo, ressalta que há outras formas de se obter essa vantagem sobre os defensores.
— Quando equipes parelhas se enfrentam, é preciso buscar um ponto de desequilíbrio. No futebol moderno acontece, normalmente, com o extrema. Sem esse jogador, é preciso encontrar outros desequilíbrios no rival. Às vezes uma jogada em profundidade, o jogador que tem o passe quebra linha, aquele passe em profundidade. A questão é que o drible é mais rápido. O drible é estratégia de desequilíbrio feita no espaço menor. Em alguns momentos nem quebra a marcação, mas fixa um segundo marcador e gera espaço para um companheiro no centro. Já no passe é preciso criar um espaço para ele entrar, por isso é mais difícil — analisa Teoldo, que ressalta que um gramado em boas condições é fundamental para esse jogo que depende do passe mais rápido para gerar desequilíbrios:
— Para fazer um tipo de variação se precisa das condições estruturais. Os Estaduais normalmente têm esse tipo de problema (de gramado). Às vezes, as condições ambientais e estruturais limitam a forma como o treinador pode encontrar as soluções. São problemas sistêmicos do futebol brasileiro que desembocam no treinador.
Sobre o Flamengo vencedor do ano passado com Dorival Jr., o comentarista da Fla TV, Bruno Pet, ressalta a rapidez de raciocínio dos jogadores para explorar um jogo pela faixa central do campo. Ele aponta que, com o elenco parecido, Renato optou por usar mais os flancos para tentar desequilibrar os adversários.
— O Flamengo tem jogadores de capacidade técnica e de velocidade de raciocínio muito altas. Costumamos atrelar intensidade à velocidade, mas, no time do Flamengo, Arrascaeta, Everton Ribeiro e Gabigol têm intensidade na maneira como pensam as ações. O jogo era muito intenso no corredor central, onde costuma ser povoado e para jogar ali é preciso ter jogador com muita qualidade técnica para atuar pressionado. O Flamengo do Renato era um time de muito mais trocação, de transição, de ter Bruno Henrique ou Michael na velocidade. Era um time que acelerava mais do que tentava trabalhar por dentro de forma paciente. Isso é da característica de cada treinador — aponta.