Quem vive as agruras de pelear para não ser rebaixado, como o Grêmio, precisa se apegar a qualquer situação que dê um pingo de fé na salvação. A esperança pode atender pelo nome da matemática ou se apoiar em épicos do passado. Os números mostram que o cenário gremista é delicado, mas exemplos de Brasileirões anteriores indicam que ainda é possível seguir na elite do futebol nacional.
Clubes que viveram situação similar à do Grêmio conseguiram escapar da Série B no passado. Desde 2006, quando o Campeonato Brasileiro passou a ter 20 clubes e quatro rebaixados no formato de pontos corridos, em três oportunidades o penúltimo colocado na 31ª rodada terminou o torneio fora do Z-4. O primeiro a fazer a façanha foi o Avaí, em 2010. Faltando sete rodadas para o fim, o clube catarinense tinha quatro pontos de defasagem para o porteiro da zona de queda.
Três anos depois, foi a vez de o Criciúma repetir a proeza. O Tigre também estava a quatro pontos de sair da parte mais inglória da tabela. O último a se salvar nessas condições foi o Vitória, em 2017. A briga, porém, era mais parelha, e os baianos estavam separados do alívio por um ponto. Mas as circunstâncias que melhor iluminam o panorama gremista estão relacionados aos lanternas de edições anteriores.
Em 2003, o próprio Grêmio alcançou a proeza. Depois da saída de Tite, o time foi ladeira abaixo até a chegada do técnico Adilson Batista, conseguindo nos últimos jogos os pontos necessários para não cair.
— As dificuldades de 2003 eram maiores, em função de dinheiro, pagamento, sem bicho, qualidade (dos jogadores), um monte de coisas. Hoje, o Grêmio está estruturado — conta um esperanço Adilson.
O outro exemplo vem do Rio de Janeiro. Em 2009, o Fluminense tinha, de acordo com os matemáticos, 99% de chance de jogar a Segunda Divisão no ano seguinte. Em um sprint de tirar o fôlego, a permanência foi alcançada.
— O principal é entender a estruturação do clube. Fazer uma boa leitura do que pode ser feito para unir forças e desenvolver um trabalho de excelência, porque não pode mais errar. Tem de minimizar erros. Melhorar a confiança é um trabalho contínuo, de repetição — explica Ricardo Berna, goleiro daquele time.
A seguir, GZH conta em detalhes como Grêmio e Fluminense transformaram o desempenho em alívio.
Grêmio 2003
Naquele ano, o Grêmio vivenciava uma situação difícil — mas, em termos de números, um pouco menos complicada do que a atual. Nas últimas 13 partidas, venceu sete vezes, empatou três e perdeu três. O aproveitamento de 61,5% nesses jogos fez com que o time de Adilson Batista terminasse na 20ª colocação, com um ponto de vantagem para o Fortaleza, o primeiro rebaixado — na época, o campeonato tinha 24 clubes e somente dois caíam de divisão.
A angústia foi longa. Tite começou no comando naquele Brasileirão, mas logo saiu de cena. A direção apostou primeiro em Darío Pereyra. Sem sucesso, Nestor Simionato foi a segunda cartada. Cada um ficou somente oito jogos. Então, Adilson foi contratado.
— Eu tinha enfrentado o Grêmio com o Paraná, era para ter enfiado uns oito. Foi 3 a 0, fora o baile. O time estava desarrumado. Foi muito trabalho, muito esforço da direção e dos jogadores — relembra o treinador.
Simionato caiu ao levar 4 a 1 do Vitória, no Barradão, na 27ª rodada. O Grêmio era o lanterna. Somava 23 pontos e estava a quatro de sair do Z-2. A primeira vitória com Adilson veio apenas na sétima partida, 3 a 1 no Figueirense. Dois jogos depois, triunfo sobre o Inter, 1 a 0, gol de Christian.
Era a 36ª rodada. Os três pontos amenizaram a situação, mas foram insuficientes para deixar a lanterna. A desvantagem para o Fluminense, o 22º colocado, era de cinco pontos. Dois jogos depois, a vitória sobre o Juventude por 2 a 1 melhorou o panorama. A diferença para o último clube fora da zona de rebaixamento havia caído para três pontos.
No caminho, o treinador realizou mudanças significativas no time, assim como Vagner Mancini efetuou para enfrentar o Fluminense. A principal delas foi colocar o goleiro Danrlei, que havia falhado na eliminação na Libertadores ainda com Tite, no banco e promover Eduardo Martini como titular.
— Estávamos vindo de derrota e derrota, de erros e erros. Uma hora, tem de dar uma chacoalhada. Fiz a aposta no Martini e deu certo. Futebol é momento. O Martini foi importante — justifica o capitão América.
Na sequência, o time foi derrotado por Flamengo, Paraná e Cruzeiro. A salvação voltou a ficar a seis pontos de distância. A situação começou a mudar com os triunfos sobre Paysandu (2 a 0) e Vasco (um emocionante 4 a 3). O saldo do par de vitórias foi reduzir a diferença para dois pontos. O alvo passou a ser o Fortaleza.
Nova vitória, sobre o Criciúma (2 a 0), levou o time a respirar fora das últimas duas posições, embora o Grêmio somasse os mesmos 46 pontos de Bahia e Ponte Preta, os novos habitantes do Z-2. A duas rodadas do fim o time saía das últimas posições.
— É um momento incômodo. Dia a dia vai castigando. Esse ano a dificuldade é a permanência na zona (por tanto tempo), esse é o peso maior. O atleta não consegue ter normalidade dentro da sua vida. Se priva de sair, o treinamento é sempre nervoso. As conversas (no vestiário) não são descontraídas. Afeta a família, quem vive na volta — revela Gavião, volante gremista em 2003.
Na rodada 45, o Grêmio empatou em 2 a 2 com o Santos, na Vila Belmiro. O resultado manteve o Tricolor como o primeiro time fora do Z-2, mesma pontuação da Ponte Preta, que tinha duas vitórias a menos, e um a mais do que o Bahia.
No último dia do campeonato, o Grêmio escapou da degola com um 3 a 0 sobre o Corinthians, gols de George Lucas, Bruno e Ânderson Lima. A Ponte, de Abel Braga, venceu o Fortaleza por 2 a 0, rebaixando os cearenses. O Bahia seguiu em último ao levar 7 a 0 do campeão Cruzeiro.
O torneio também contou com uma grande arrancada do Goiás no segundo turno. Sob o comando de Cuca, os goianos deixaram a lanterna e terminaram a competição no nono lugar.
Fluminense 2009
Mesmo com 99% de chances de ser rebaixado, segundo os matemáticos, o Fluminense conseguiu evitar mais uma queda em 2009. A arrancada para escapar da Segunda Divisão rendeu o apelido de "Time de Guerreiros" aos integrantes daquela equipe. A salvação foi conquistada na última rodada, no 1 a 1 com o Coritiba, no Couto Pereira. Além de salvar os cariocas, o resultado jogou os paranaenses para a Série B, o que ocasionou briga e invasão de campo por parte da torcida. Mas até chegar em condições de depender somente de si, os comandados de Cuca precisaram suar muito.
O treinador voltou às Laranjeiras após resultados ruins colhidos por Carlos Alberto Parreira, Vinícius Eutrópio e Renato Portaluppi. O atual técnico do Flamengo caiu ao perder por 2 a 0 para o Santos, na 22ª rodada. O Flu era o lanterna, com oito pontos a menos em relação ao Santo André, último clube fora do Z-4 — o Brasileirão já tinha 20 clubes, com quatro clubes caindo de divisão. Embora, no geral, a troca de treinador seja criticada, algumas vezes a reversão de expectativa passa por essa medida.
— A mudança da liderança foi um ponto que influenciou bastante porque, quando você troca o comando, é uma oportunidade de quem não vinha jogando renovar as esperanças e colocar em prática algo diferente. Rapidamente, o Cuca enquadrou a metodologia dele. Confiou no que fazia — relata Ricardo Berna, titular do gol no Flu naquele ano.
Cuca estreou com dois empates (Náutico e Botafogo) e, em seguida, sofreu uma derrota por 5 a 1 para o Grêmio. Apesar da sequência negativa, a diferença entre a queda e salvação se manteve em oito pontos. A primeira vitória com o treinador veio somente na rodada 26, um renhido 3 a 2 sobre o Avaí, no Rio de Janeiro. Mas, na sequência, o Fla-Flu foi rubro-negro.
Depois, novo tropeço no empate com o Corinthians. Após 28 rodadas, a desvantagem era de nove pontos para o Botafogo, último fora do Z-4. Nas três partidas seguintes, o Flu colheu cinco pontos. O Santos André, 16º colocado, estava cinco pontos à frente. Então, a reação começou de verdade. Os cariocas colecionaram vitórias sobre Atlético-MG, Cruzeiro, Palmeiras, Athletico-PR. A lanterna ficou na mão do Sport. Primeiro habitante da zona de rebaixamento, o Fluminense estava a dois pontos de distância de seguir na elite.
A partida contra o Cruzeiro, após estar perdendo por 2 a 0, é considerada a pedra fundamental da reação.
— Sabíamos que tínhamos que remar muito. O jogo contra o Cruzeiro estava praticamente perdido e conseguimos um placar que entrou para a história — relembra Berna, atualmente técnico do sub-20 do São José-SP.
Apesar das quatro vitórias seguidas, o trabalho ainda não estava concluído. Na antepenúltima rodada, Cuca viu seus jogadores aplicarem 3 a 0 no Sport. Mas o Botafogo bateu o São Paulo e a diferença seguiu estacionada em dois pontos. No penúltimo jogo, nova goleada, agora 4 a 0 no Vitória. Se na ponta de cima o Flamengo assumia a liderança, na de baixo, o Fluminense deixava o Z-4, colocava o Botafogo na zona de rebaixamento e ainda deixava o Coritiba posicionado entre eles.
Dependendo somente de si, 0 1 a 1 no Couto Pereira foi o suficiente para o Fluminense não cair. Com 45 pontos, o Coritiba retornou à Segunda Divisão com a maior pontuação de um clube rebaixado no Brasileirão de pontos corridos com 20 clubes.
Os caminhos do Grêmio em 2003 e do Fluminense foram conturbados, mas os dois mostraram que, enquanto há chance matemática, há esperança. São exemplos a serem seguidos pelo Grêmio de Mancini.