Quando a bola voltar a rolar na Série Ouro Feminina, neste domingo (8), o gol da Celemaster será protegido por uma velha conhecida das quadras do Rio Grande do Sul. Nascida a mais de seis mil quilômetros do Estado, a venezuelana Marinel Arguinzones, de 32 anos, já é gaúcha se depender do seu coração — e dos torcedores.
Uma das âncoras da equipe de Uruguaiana, atual campeã do torneio de futsal, a goleira que ganhou a alcunha de Muchacha por essas bandas pensava em desistir do esporte antes de desembarcar no RS. Mas vir para cá, ela reflete agora, “era para ser”.
— Às vezes a gente passa por muitas situações. Não só no esporte, mas na vida em geral. E do Peru (onde estava jogando antes de vir para o Brasil), eu sai decepcionada com muitas coisas — recorda a Zero Hora. — Estar aqui no Brasil, em Uruguaiana, tem me ajudado muito, tanto profissional quanto pessoalmente. A vontade, agora, às vezes eu mexo com as gurias, é jogar mais uns cinco anos.
Para chegar aqui, no entanto, não foi fácil. Tudo começou de forma inocente, com uma mensagem de "feliz ano novo" para Alexandre Chizzotti Politzer, preparador de goleiras da seleção brasileira de futsal feminino.
— Foi uma coisa muy louca. Eu estava jogando futsal no Peru e voltei para a Venezuela. Estava pensando em não jogar mais. Tinha 28 anos e pensava em retomar minha profissão, como professora de Educação Física — relembra.
Durante a conversa com Alexandre, contudo, papo vem, papo vai, e ele acabou perguntando se Marinel já tinha um novo time:
— Eu respondi que não e ele: "deixa comigo, que um amigo está precisando de goleira". O amigo era o André.
Uma odisseia até Uruguaiana
André Malfussi, treinador da Celemaster, conta que foram dois motivos que o levaram a confiar, cegamente, na indicação de Alexandre e contratar Marinel sem nunca tê-la visto jogar.
— Ele me falou que ela era uma grande goleira. Que já havia jogado competições pela seleção da Venezuela, como Copa América e Sul-Americana — conta. Mas isso não foi tudo. — Eu também queria ajudá-la como pessoa, porque o país dela sempre esteve em "guerra". Então a gente fez isso prontamente, trouxe ela para cá. O que a gente não sabia é que ela iria se tornar uma referência aqui, como ela se tornou.
Se a contratação foi fácil, o caminho até o Rio Grande do Sul não foi. Isto porque as conversas no ano novo ocorreram justamente na virada de 2019 para 2020. Enquanto Marinel se preparava para deixar seu país sem pressa, a ameaça do coronavírus começou a ganhar peso em todo o mundo.
— Era para eu vir no final de março. Quando começou a questão da pandemia, contudo, eu falei para minha mãe e para o André: "Olha, eu preciso sair daqui agora". Era muito para ser, para eu jogar aqui em Uruguaiana. Porque eu cheguei umas dez da noite na fronteira do Brasil com a Venezuela. Tinha uma questão de esperar ou não, mas eu decidi atravessar às 11h. A fronteira fechou à meia-noite e não abriu mais até 2022.
Depois disso, com voos cancelados por todos os lados, ela demorou mais duas semanas para chegar à sede da Celemaster. Mas valeu a pena, segundo a goleira, que por aqui redescobriu o amor pelas quadras.
— A gente cria o carinho, o apreço pela cidade, pelas pessoas que estão aqui — destaca.
Nasce a "muchacha"
Não precisaram de muitos dias em Uruguaiana antes que Marinel ganhasse um novo apelido: Muchacha.
— No início a comunicação era bem difícil, hoje em dia essa venezuelana é mais brasileira que muita gente — afirma a fotógrafa da Celemaster e irmã de André, Fernanda Malfussi. — A Muchacha é uma pessoa querida por todos, tem uma simplicidade e uma humildade sem igual, muito prestativa, sempre disposta a ajudar e agradar quem está na sua volta.
E o talento no gol (e fora dele!) também ajudou a imigrante a rapidamente cair na graça dos uruguaianenses.
— A torcida é encantada com ela por suas defesas e gols que marca, então vendo tudo isso, ela se tornou alguém muito importante para nós da equipe e todos que acompanham a Celemaster — explica Juliana Machado, que está há 11 temporadas no clube.
Junto à ala, Marinel é uma das veteranas do grupo, que está em meio a um processo de renovação neste ano. Yasmin Oliveira Sampaio, que também atua como goleira na Celemaster, conta como o papel de líder, neste contexto, caiu bem na Muchacha:
— O papel dela no time sempre foi de liderança, mas com a saída da Marina, que era uma referência, acabou que ela se tornou a atleta mais experiente do time e com certeza a liderança cresceu ainda mais — afirma. — Todo dia eu aprendo e cresço com ela, então ter uma goleira de seleção, experiente, do nosso lado, ajuda muito no nosso crescimento.
Gaúcha no coração
Nascida em Cúa, município com pouco mais de 100 mil habitantes, a goleira se sente em casa no RS e já aprendeu a tomar chimarrão todas as manhãs.
— Me sinto muita gaúcha, tomo mate direto — conta entre risadas. — Me identifiquei muito com Uruguaiana, porque na Venezuela eu sou de uma cidade assim, do interior. É uma cidade bem tranquila, eu gosto da tranquilidade.
Em uma cena que chamou a atenção na final da Copa RS deste ano, Fernanda Malfussi registrou Marinel até emocionada com o hino rio-grandense. A imagem foi repercutida pela Federação Gaúcha de Futsal, que destacou: "A FGFS se orgulha de ter uma atleta, pessoa, cidadã desse gabarito iluminando nossas quadras e sentindo toda a emoção de uma final ouvindo o hino do nosso Estado".
A Série Ouro Feminina tem início neste domingo (8), com jogo entre as Leoas e a Celemaster, no Ginásio Unideau, em Getúlio Vargas, às 10h45min. Na sequência, às 14h, Ideau Feminy e Benfica se enfrentam no mesmo local.
O único recado de Marinel para quem deseja acompanhá-la a partir de agora é que apoiem mais ao futsal — principalmente o feminino — e mostrem para uma nova geração como é bom entrar em quadra.