A África, o mundo árabe e o islã estão nas quartas de final da Copa do Mundo pela primeira vez. E, todos, representados por uma única seleção. Após eliminar a poderosa Espanha, na terça (6), o Marrocos virou o time sensação nas ruas de Doha. Afinal, os marroquinos mantêm vivo no Mundial, ao mesmo tempo, o sonho dos africanos, dos muçulmanos e de toda a comunidade árabe no mundo.
— Fizemos história. É muita emoção, foi incrível. Não tenho palavras para definir o que vivemos contra a Espanha. Jogamos com coragem e com o coração. Essa vitória é para o povo do Marrocos, mas também para todos os países muçulmanos, árabes e africanos. Estamos unidos para fazer história — disse, com a voz embargada, o atacante marroquino Sofiane Boufal, após o jogo.
A declaração do jogador vai ao encontro do que foi visto na arquibancada do estádio Cidade da Educação, na terça, e nas ruas de Doha, nesta quarta (7). Além do mar vermelho de camisetas da seleção marroquina, chama atenção a quantidade de bandeiras de diversas nações árabes e muçulmanas da África e da Ásia, como Argélia, Arábia Saudita, Egito, Palestina, Tunísia e, claro, Catar. Afinal, assim como o país-sede da Copa, o Marrocos também tem uma população predominantemente árabe e islâmica.
— Os muçulmanos e os árabes estão sempre unidos. Não importa o que a mídia diz de nós e nem o quão estúpidos são os nossos líderes. Estaremos sempre juntos nesta Copa. Agora, com as cores do Marrocos. Somos um só povo e temos um só sangue — disse o engenheiro palestino Omar Khabeib, 33 anos, a GZH.
Após a partida, em entrevista a GZH, o meia-atacante Abde Ezzazouli agradeceu aos torcedores de todos os países árabes e muçulmanos de fora do Marrocos:
— É uma honra para nós representarmos todos os árabes e muçulmanos do mundo. E ainda os africanos. É a prova de que isso aqui é muito mais do que um jogo de futebol. Estou muito contente e feliz. Estamos muito agradecidos a todos que torceram por nós — disse o atleta.
Para o jogo contra Portugal, no próximo sabado (10), o Marrocos promete contar mais uma vez com ampla maioria no estádio Al-Thumama. Afinal, além do povo catari e dos torcedores de países árabes já eliminados da Copa, os marroquinos vêm recebendo o apoio de milhares de pessoas oriundas de nações que sequer participaram do Mundial, mas que agora se sentem mais marroquinas do que nunca.
— A nossa seleção não se classificou, mas viemos curtir o Mundial e não há como não torcermos para o Marrocos. Somos africanos, árabes, muçulmanos e também vizinhos de Mediterrâneo. Iremos com o Marrocos até o fim — disse o torcedor Achraf Hazzouli, da Argélia, país que possui semelhanças geográficas, étnicas e religiosas com os marroquinos.
A seleção do Marrocos também conta com o apoio da vendedora libanesa Dalal Jamal, 38 anos, que mora em Doha há mais de dez anos.
— A comunidade árabe no Catar é muito unida. Aqui há muitos marroquinos, tunisianos, sauditas... estamos sempre juntos e temos muita empatia entre nós. Nesta Copa, o Marrocos é o único time árabe. Então, irei torcer para eles sempre. Torci também para a Tunísia e para a Arábia Saudita e estava no estádio apoiando o Marrocos contra a Espanha. Meu sonho seria ver uma final entre Marrocos e Brasil — conta.
Hospitalidade
Natural do Marrocos e morador de Doha há 14 anos, o gerente de uma loja de perfumes, Khalid Klaba, 43 anos, não só está empolgado com a campanha da seleção, como convidou a reportagem para tomar um chá marroquino enquanto falava sobre a sua expectativa com a Copa.
— Nunca senti uma emoção parecida na minha vida. Isso nunca havia acontecido em uma Copa. Somos árabes e muçulmanos e é muito legal ter o apoio de tantos irmãos de outros países. Depois do jogo contra a Espanha, havia bandeiras do Marrocos espalhadas pelas ruas e prédios de Doha. Estamos no Catar, mas me sinto como se estivesse no Marrocos. Estamos jogando em casa — celebra o marroquino.
Definições distintas
Apesar de a grande maioria dos árabes no mundo serem muçulmanos, tratam-se de duas definições totalmente distintas. Os árabes são um grupo étnico, formado por seguidores da cultura e da tradição dos povos que habitaram no passado a península arábica e falantes do idioma árabe. Já os muçulmanos são os praticantes do islamismo, religião fundada pelo profeta Maomé no século VII. O Irã, o Afeganistão e a Indonésia, por exemplo, são alguns dos países muçulmanos que não são árabes.
Na Copa 2022, no entanto, existe uma semelhança inédita que une árabes e muçulmanos: a torcida pelo Marrocos. E o apoio da comunidade árabe, muçulmana e africana será, aliás, o principal trunfo dos marroquinos para fazer história novamente no sábado (10), contra Portugal. E, quem sabe, almejar algo a mais no Mundial.
— É preciso acreditar. Por que não podemos ganhar a Copa do Mundo? — sonha o técnico marroquino Vahid Regragui.