— Esse é mais argentino do que todos os argentinos que eu conheço — foi assim que Alfredo Navarro, dono de um restaurante portenho em Porto Alegre, indicou Fabio Grehs para falar com a reportagem de GZH.
O superlativo foi recebido com desdém pelo repórter, mas em poucos segundos de conversa o pouco-caso virou pó. Morador da Argentina desde 2012, Grehs, de 38 anos, teve um rompante às vésperas da Copa do Mundo do Brasil.
Comprou passagem, embarcou e, de dentro do avião, avisou que se demitia para vir a Porto Alegre. Tudo para acompanhar os jogos na Capital, principalmente aquele Argentina e Nigéria, no Beira-Rio.
Na Copa América de 2019, pegou um ônibus em Buenos Aires. Assistiu à vitória do time de Messi sobre o Catar na Arena, e logo depois iniciou a viagem de retorno, percorrendo uma maratona por 90 minutos de satisfação. Estão, não foi possível pedir desligamento do trabalho.
— Nasci fora da fronteira, em Porto Alegre, mas me sinto um argentino — explica o gerente de recepção de um hotel em Bariloche.
Pode parecer um caso isolado, mas o fenômeno tem se proliferado. A quantidade de brasileiros que apoiam a Argentina tem ganhado adeptos. O bar El Farol, reduto argentino na capital gaúcha, recebe uma inchada cada vez maior a cada jogo da Albiceleste na Copa do Mundo. As razões para trocar o verde amarelo pelo azul e branco são variadas.
Goycochea
No caso de Grehs, o início da relação com o país vizinho conta com dois eventos separados por cinco anos. Entre as primeiras lembranças futebolísticas dele estão flashes da Copa de 1990, aquela em que Goycochea defendeu quatro pênaltis aos hermanos.
Em 1995, o goleiro foi contratado pelo Inter. Em uma prosaica ida ao shopping, ele viu o novo jogador do clube de coração comprando sapatos em uma loja. Por insistência do pai, o ainda brasileiro de coração foi ao encontro do ídolo.
— Ele foi tri gente boa. Saí da loja e disse para o meu pai que ia passar a torcer pela Argentina. Na hora, o meu pai disse “nãaaaaaaaaaaaaaaaaoo” — conta às gargalhadas.
Sustentar a decisão foi tão complexo quanto chegar a uma final de Copa. No colégio, as provocações eram constantes. Sorte que os jogos entre os colegas tinham colorados de um lado e gremistas do outro. Se fosse entre torcedores de Brasil e Argentina, Grehs formaria o time de um guri só.
Entre as provocações estavam os questionamentos de por que ele não ia morar do outro lado da fronteira. Em 2012, após diversas viagens e da formação de uma rede de amizades foi morar do lado de lá. Desde então, a cada jogo do time de Messi ouve o convite.
— "Vamos lá sofrer?" É assim que eles (argentinos) me convidavam. Nascimos para sufrir, como dizemos aqui. Esse ano, cada jogo foi uma final, cada jogo um sentimento diferente.
Paixão que chegou dos livros
O caminho para deixar o coração vestir outras cores pode ser improvável. Caso de Matheus Martins. Fã de literatura, o engenheiro de 26 anos encontrou sua paixão nos livros de terror quando tinha 17. Ao devorar a série de publicações envolvendo Hannibal Lecter (lá vem spoiler), Buenos Aires tocou a sua alma. Os finais de "O Silêncio dos Inocentes" são distintos no papel e nas telas. No original, o personagem principal e Clarice Starling fogem para Buenos Aires e são flagrados em frente ao Teatro Colón, na capital argentina.
A partir dali, o leitor inveterado deglutiu todo o tipo de conteúdo relacionado à Argentina. A história construída em uma das margens do Rio do Prata o encantou. A cada página, novas descobertas. A paixão se esparramou para o futebol.
— A Argentina é um dos poucos países que colocou um ditador na cadeia. Rafael Videla e Leopoldo Galtieri morreram na cadeia. Além disso, descobri coisas fantásticas sobre o país. Também acho que seria mais interessante os povos latinos-americanos serem mais unidos do que ter rivalidades bobas — argumenta.
Em 2018, matou a vontade de conhecer Buenos Aires. Admirando as belezas da Calle Florida, chamou sua atenção um objeto dourado reluzente. Era uma réplica da Copa do Mundo. Na verdade, é um cofre. Embora em um primeiro olhar esteja oco, o espaço que era para guardar moedas e cédulas carrega a esperança de o Mundial ser reconquistado após 36 anos.
Todo dia de jogo, Martins veste sua camisa da Argentina, se enrola na bandeira do país que adotou como seu e pega o troféu, seu novo amuleto, e vai para o bar confraternizar com aqueles que pulsam pela mesma paixão.
— Não esperava que a Argentina chegasse até a final. Torcer para a Argentina, para mim, é um evento. Me divirto. Fiz amizades — relata.
Lionel Scaloni, técnico da Argentina, disse que gostaria de contar com o apoio de brasileiros na final contra a França, no domingo (18). Talvez, a maioria não satisfaça o seu desejo, mas o apoio de Gres e Martins vale por muitos.