Parece contraditório, mas não é. Quanto mais discreto ficou o penteado de Neymar, mais ele apareceu nesta Copa do Mundo. Por isso, contra o México, nesta segunda-feira (2), às 11h (horário de Brasília), em Samara, o corte rente do nosso camisa 10, sem nenhum fio descolorido e tendo como única bossa um desenho de linhas retas na nuca, pode, sim, ser conectado com sua evolução em campo. Pode, também, alimentar a nossa esperança de que ele mantenha a curva ascendente aqui na Rússia e nos encaminhe às quartas de final.
O capitão Thiago Silva se agarra a outra coincidência como motivo para Neymar desmontar os mexicanos e nos levar adiante. Na noite de sábado (30), ele desembarcou em Samara com a notícia de que Mbappé e Cavani haviam feito dois gols cada e decidido a favor de França e Uruguai a passagem para as quartas. Ou seja, dois do trio de ouro do ataque do PSG haviam aniquilado seus rivais. No quarto do Lotte Hotel, o QG brasileiro em Samara, ele suspirou:
— Falta só o Neymar, nosso terceiro atacante no PSG, desencantar de vez e fazer dois gols também.
Na entrevista coletiva deste domingo (1°), na ampla sala de conferências da Arena Samara, um estádio de arquitetura arrojada, que remete ao polo aeroespacial da cidade, Thiago ainda elencou mais sinal vindo do PSG:
— O Di María foi eliminado, mas jogou um bolão pela Argentina.
Há outros elementos com os quais podemos conjecturar e prever uma noite russa de Neymar. Cristiano Ronaldo e Messi já se foram. Restou apenas ele da categoria de extraterrestres do futebol. Uma razão a mais para retomar a estrada que leva ao The Best, o prêmio de melhor do mundo da Fifa. Os próprios companheiros de Seleção o veem como um integrante desse clube exclusivo, hoje restrito a dois inquilinos, Messi e CR7.
— O Neymar é de outro mundo, pode mudar um jogo a qualquer momento. Aliás, Messi, Cristiano Ronaldo e Neymar são de outro planeta — descreveu Casemiro.
O volante fala com conhecimento de causa. É companheiro de Cristiano Ronaldo no Real Madrid, rival frequente de Messi no Barcelona e divide treinos, jogos e convivência na Rússia com Neymar. Convivência, aliás, que ficou ainda melhor nos últimos dias. O camisa 10 mudou da água para o vinho depois da vitória sobre a Costa Rica. O cenho franzido e os ombros baixos sumiram nos treinos. O gol e o choro ao final da partida parecem ter-lhe tirado toneladas das costas. A visita da namorada, a atriz Bruna Marquezine, também teve sua parcela nesta virada de humor. Assim como a companhia do filho Davi Lucca, na sexta-feira (29).
Na volta da folga, foi possível ver um Neymar dando gargalhadas nos treinos, se divertindo com os petelecos na orelha de Philippe Coutinho como punição da roda de bobinho. Ele próprio, o craque do time, também acabou castigado. Mas nada parecia abalar a sua leveza de alma.
Para completar, veio a sua melhor atuação na Copa, contra a Sérvia. Ali, se viu a versão mais próxima do Neymar que o mundo conhece. Os números mostram sua evolução. Se contra a Suíça deu 10 dribles e acertou cinco, no jogo seguinte foi coletivo. Tentou quatro e venceu o marcador em três. Contra a Sérvia, foram 14, com nove vitórias. A Seleção deu 14 chutes, e metade deles saiu dos pés do seu camisa 10. Aliás, ele é quem mais chutou a gol nesta Copa, ao lado de Cristiano Ronaldo.
— Neymar jogou muito, jogou demais. Eu falei para ele. O Neymar sabe, e nós sabemos, o preço que pagou para chegar aqui e retomar esse nível — disse Tite, em tom grave, acentuando cada oração de sua frase.
Os elogios do técnico seguiram, com o olhar fixo para a plateia de jornalistas na sala de conferências da Arena Samara:
— Ele retomou o nível máximo dele, jogou muito, de forma parecida com a dos momentos em que estava na plenitude. Mas estou falando de agora, jogou demais, muito, na parte técnica, e cumpriu função tática, baixou para marcar, teve o lance pessoa... Nesta segunda não sei, mas, agora, já retomou o alto nível.
Tite se entusiasmou, como se vê, ao falar de Neymar. Tanto que pediu ao preparador físico Fábio Mahseredjian que complementasse com os índices dos analistas de desempenho e do monitoramento pelos equipamentos ultramodernos da preparação física.
— Foi havendo evolução. Dizíamos que precisaria de cinco ou seis jogos. Hoje, está perto da plenitude. Aonde pode chegar? Não sei — disse Fábio, com um sorriso de satisfação no rosto.
Tite esconde e tergiversa, mas é fato também que Neymar teve uma mudança de comportamento. O jogo individual da estreia e os chiliques contra a Costa Rica sumiram no terceiro jogo. Viu um Neymar mais centrado no jogo e inserido no coletivo. Questionado se teve conversa reservada com seu craque, o treinador deu resposta enigmática:
— É interno, não vou te falar. Quando jogador, não gostava que isso vazasse.
A questão é que Neymar mudou. O que também muda de cenário o horizonte da Seleção na Copa. Tanto que Tite encarou com naturalidade a ausência de Marcelo, o nosso Neymar da lateral esquerda. Filipe Luís será o titular contra o México. Imagine essa situação contra a Suíça ou mesmo contra a Costa Rica, quando uma névoa ainda pairava sobre a Seleção?
Agora, tudo parece diferente. Assim como o cabelo de Neymar. Que mudou para melhor. A exemplo do seu futebol. Os mexicanos que aguardem o que virá para eles aqui em Samara, onde tem-se a sensação de que há um sol para cada um e a realidade de um camisa 10 pronto para brilhar.