
São 90 minutos apenas, talvez cem com os acréscimos. Não passa disso. É pouco tempo. Mas suficiente para decretar o destino da Seleção Brasileira na Copa da Rússia. Basta uma vitória contra os gigantes da Sérvia, a partir das 15h, no Spartak Stadium, em Moscou, para avançar às oitavas de final. Na verdade, um empate nos garante a passagem. Em um assento de segunda classe, é verdade, mas já basta.
Uma derrota, porém, empurra-nos para o despenhadeiro da eliminação. Vamos combinar que seria uma crueldade para uma Seleção que chegou aqui cercada de apoio popular e confiança inéditos voltar para casa com a pior campanha desde 1966.
Seria uma crueldade ainda maior com Adenor Leonardo Bachi, o gringo de São Braz que fez o singelo apelido Tite ganhar tamanho de nome e sobrenome no futebol mundial. Mas o futebol é assim, frio e prático em seus 90 minutos. Por isso, na noite russa desta quarta-feira, Tite encontra a sua maior encruzilhada como técnico. Uma eliminação precoce carimbaria um trabalho de excelência. Ele sabe disso, claro. Por isso, estava ansioso para falar na entrevista coletiva. Para convencer a todos de que estava tranquilo, queria tomar controle da situação. E vou lhes dizer, ele tomou. Sentado na terceira fila da confortável sala de conferências do Spartak Stadium, vi Tite dominar como se ainda estivesse no Caxias, em 2000, a entrevista oficial da Fifa numa Copa do Mundo.
Só que Tite é sincero, transparente, verdadeiro. Ele mesmo revelou sua ansiedade. A repórter italiana Francesca Benvenuti, do canal de TV Mediaset, perguntou-lhe sobre a chance de o Brasil escolher fugir da Alemanha. Ele sorriu e brincou com ela, dizendo um "ciao" (adeus em italiano). Respirou fundo e veio com a resposta. No meio dela, a admissão da tensão antes da decisão:
— Não podemos pensar nisso (na Alemanha), não estamos pensando, posso assegurar. Essas campanhas podem… Estou procurando palavras para que a coisa possa transcorrer tranquilamente, mas eu não estou tranquilo. A expectativa é muito alta. O adversário que vier será bom. Desde que a gente mereça passar.
Essa foi a única confissão em 31 minutos e 10 segundos de entrevista. As primeiras cinco perguntas foram para o zagueiro Miranda, o capitão contra a Sérvia. Só que Tite estava tão ansioso que interveio na entrevista do jogador. Um repórter perguntou a Miranda sobre o rodízio da braçadeira e se o fato de ser agora o capitão não o exclui de assumir o posto em uma possível final. Ele deu uma resposta magnânima, valorizou o grupo. Tite interrompeu:
— Viram por que ele foi escolhido para ser o capitão agora?
Outro repórter questionou Miranda sobre a bola aérea dos sérvios, e o problema crônico dos brasileiros nos cruzamentos para sua área. Lembrou que o único gol sofrido na Rússia foi de cabeça. Tite, com um sorrisinho, antecipou-se:
— Gol com falta que é falta não vale.
Miranda respondeu a mais uma pergunta, com frases sem sal e sem açúcar com foi toda a sua entrevista, e saiu. Antes, deu um abraço em Tite. A partir daí, o assessor da Fifa empertigado no terno cinza usado pelos funcionários da entidade, abriu a coletiva do técnico. E ele tomou conta da sala. Ninguém ficou sem resposta. Tite queria falar, colocar para fora sua tensão e, principalmente, mostrar que não estava tenso. Usava como argumento de convencimento a confiança no trabalho desenvolvido em dois anos e uma semana à frente da Seleção.
A pergunta sobre a eliminação veio: e se a Sérvia for outro Tolima (que o eliminou na pré-Libertadores em 2011) na vida de Tite? A resposta veio como tentativa de desidratar o tema:
— Pode acontecer, todas as situações são possíveis. Agora, todo o aprendizado do passado é, sim, uma diferença. Aquilo que não tinha contra o Tolima, hoje tenho de forte, o conhecimento recíproco do time. Podemos cair? Podemos, é da vida.
Mas há um peso psicológico grande neste jogo. Isso ganha matizes ainda mais gritantes diante do choro de Neymar ao final da vitória sobre a Costa Rica. Também do choro de 2014 de Thiago Silva. Há consenso entre os jornalistas que cobrem os treinos em Sochi de que temos uma equipe instável. Tite percebeu essa conclusão geral. E saiu em defesa do grupo usando um exemplo que o humaniza:
— No primeiro jogo contra o Equador (estreia de Tite na Seleção), eu chorei, cara. Liguei para a minha mulher e chorei de alegria, de satisfação, de orgulho, de alívio pelo momento de tanta pressão que estávamos para fazer um grande jogo. Tenho cuidado de associar situações. Razão e emoção têm de estar equilibradas. Há o momento do gelo, da lucidez, de manter o padrão de jogo e fazer um gol aos 91 minutos, como contra a Costa Rica – ressalvou.
Tite seguiu eloquente. Queria falar. Tanto que quebrou o protocolo da Fifa. O assessor, aquele empertigado em terno cinza, encerrou a coletiva. Um repórter pediu um "chorinho", ou seja, mais uma pergunta. Ele o atendeu. E atendeu mais um, olhando para o assessor e pedindo consentimento, como se precisasse. Antes de sair para comandar o último treino para a decisão desta quarta-feira, ele ainda resumiu tudo o que significam esses 90 minutos contra a Sérvia:
— A pressão é muito grande. Temos consciência do que representa o jogo. Se perdermos, é a pior campanha. Mas, se vencermos, fortalece uma ideia de futebol, de quem não abriu mão de suas convicções.
Tudo se resolve nesta noite russa. São 90 minutos — ou não mais do que cem. Eles definirão o futuro da Seleção e, também, de forma impiedosa, poderão tatuar com o fracasso o único técnico que foi consenso no comando dela. Nesta quarta-feira (26), encontra uma encruzilhada. E tomara que ela, a Seleção, pegue o caminho das oitavas.