Lá se foram 26 jogos e nove dias da Copa do Mundo de 2018. Ainda há muita coisa pela frente, com os duelos realmente decisivos por vir, mas o primeiro terço do Mundial da Rússia deixou claro que a competição deste ano não será marcada pelas revoluções táticas ou pela consolidação de grandes mudanças no cenário do futebol internacional.
Bem pelo contrário: se tomarmos por conta o que foi visto dentro de campo até agora, esta é uma Copa de velhas novidades. Os grandes destaques dos primeiros dias não foram os craques – com uma gloriosa exceção – ou as inovações dos treinadores, mas, sim, aquelas coisas das quais costumamos reclamar (quando são feitas contra os nossos times), como a profusão de gols em lances de bola parada, a volta gloriosa dos camisas 9 – ou será que eles sempre estiveram por aí? – e as retrancas sem nenhum pudor que têm funcionado na hora de parar os ataques.
O que há de novo mesmo é o ponto mais polêmico da Copa – justamente algo que deveria ter vindo para acabar com as polêmicas: o árbitro de vídeo. Seja nos casos em que seu uso foi evidente, seja nos episódios em que se reclamou muito que o auxílio não foi utilizado, jogadores, público (e imprensa...) ainda sofrem para entender direito como, afinal, funciona o tal do recurso.
Cada dia que passa deixa mais próximo o fim do Mundial, e por isso é melhor aproveitar o que teremos pela frente. Pela amostra inicial, os legados da Copa da Rússia deverão ser...
Nada de novidades táticas
Se a Copa de 2010 foi a consagração do tiki-taka espanhol, baseado no trabalho de Pep Guardiola no Barcelona, e o Mundial do Brasil foi marcado pelos placares recheados na primeira fase, a Rússia tem visto jogos com pouco refino tático. O trabalho feito nos últimos anos – principalmente como resposta à troca incessante de passes que marcou os títulos da Espanha e do Barcelona na virada da década – chegou ao torneio de 2018 consolidado como alternativa para os times que preferem entregar a bola aos rivais e especular nos contra-ataques. Por isso, as seleções que se dispõem a propor o jogo têm sofrido bastante para superar os “ônibus estacionados” na frente das áreas adversárias. Tanto que a média de gols, por enquanto, é a segunda mais baixa da história dos Mundiais: apenas 58 foram marcados nos 26 jogos, média de 2,23 por partida.
- O 4-2-3-1 foi utilizado por 15 das 32 seleções da Copa na primeira rodada
– Não tem nenhuma surpresa que não tenha acontecido em outras copas. Quanto mais o pessoal se preocupar com a parte tática, menos espaço vai existir, e teremos menos jogadores de qualidade no futebol mundial. Isso é uma tendência global – diz o técnico Vanderlei Luxemburgo, que destacou como novidades as retrancas bem feitas por seleções como a Islândia, contra a Argentina, e o Irã, diante da Espanha. – Isso, sim, foi diferente, com os 10 homens na linha da área.
É tudo na bola parada
Não há como negar: nesta Copa, o caminho mais curto para o gol vem da bola parada. Pode ser em escanteios, cruzamentos para a área em cobranças de falta ou até mesmo as faltas diretas. São diversas receitas para um mesmo fim, e elas têm funcionado. Foram 28 gols surgidos de lances em que, na teoria, seria mais fácil se resguardar – e que depois motivam todo o tipo de lamentação dos jogadores e técnicos vítimas desse tipo de jogada. Algo que, para Mauro Cezar Pereira, faz parte do cenário atual do futebol mundial.
- Foram 28 gols de bola parada, 48% dos gols marcados até aqui
– O gol de bola parada acontece no mundo inteiro, em todos os campeonatos. Nas seleções, que têm um nível técnico menor do que os grandes clubes europeus, é ainda mais normal. São times menos entrosados, então é evidente que eles vão usar esse tipo de jogada. Isso deve mudar à medida em que as seleções vão se aprimorando, nas fases quentes – afirma Mauro Cezar.
Os homens-gol
Se os centroavantes viraram algo raro no futebol brasileiro, na Europa a função vai bem, obrigado. Os primeiros dias de Copa mostraram a importância de ter um camisa 9 decisivo – mesmo que bem diferente do velho atacante “aipim”, que mal e mal saía da área para buscar jogo. Os grandes nomes até aqui foram decisivos na hora de balançar as redes, mas também tiveram participações importantes na hora de criar os melhores lances. Como foi o caso de Cristiano Ronaldo, artilheiro da Copa com quatro gols – marcou todos os gols de Portugal nas duas primeiras rodadas –, ou então de Harry Kane, Romelu Lukaku e Diego Costa, responsáveis diretos por vitórias essenciais de Inglaterra, Bélgica e Espanha.
– Existe uma confusão muito grande na hora de definir esses jogadores. Todos eles também saem de lado, pegam a bola, fazem a tabela. Não se pode caracterizá-los só como centroavantes. São atacantes mais de movimentação – destaca Luxemburgo.
Para Mauro Cezar Pereira, o início de Mundial apenas demonstrou, mais uma vez, uma tendência que foi vista por diversas vezes nos últimos anos na Liga dos Campeões e nos principais campeonatos nacionais da Europa.
– O futebol europeu nunca deixou de ter os centroavantes. Se for pegar os grandes times dos últimos 10 anos, tivemos Filippo Inzaghi, Ibrahimovic... Esse personagem sumiu do futebol brasileiro. Mas a função é importante, os camisas 9 têm decidido.
Árbitro de vídeo ajuda na disciplina...
Depois de anos de debate e testes, a Fifa adotou o árbitro de vídeo como grande novidade na Rússia. Até aqui, o recurso tem sido bastante utilizado. Mesmo que com resultados por vezes polêmicos – principalmente nas vezes em que os juízes decidiram não usar o auxílio –, a medida serviu para evitar erros que, em outros anos, passariam batidos pelo trio que comanda os jogos do campo. E tem se refletido no quesito disciplinar: houve apenas uma expulsão até agora, do colombiano Sánchez, em um lance de mão na bola. O resultado tem sido positivo, afirma o árbitro Leandro Vuaden.
– Eu vejo isso com bons olhos. Tudo que vem pra somar, para ajudar, sempre vou bater palmas.
- A média é de apenas 3 cartões amarelos por jogo
E aumenta o número de pênaltis
O alto número de pênaltis chamou a atenção desde os primeiros dias. Foram 12 marcados até agora, com nove somente na primeira rodada, com 16 jogos. Em 2014, esse número só foi atingido após 25 partidas. Uma medida que, para Leandro Vuaden, deve-se muito à adoção do árbitro de vídeo.
– É curioso isso: os cartões vermelhos foram minimizados, mas nos pênaltis o pessoal continua chegando à moda “miguelão”. A gente sabe que ninguém vai aliviar dentro da área. Os pênaltis que foram marcados pelo árbitro de vídeo são bem isso: lances de jogo difíceis de marcar no ato, pelo juiz, mas depois vemos que, sim, houve a falta.
É circunstância de jogo, e o AV está lá para isso. Quanto mais acerto, melhor – elogia o árbitro gaúcho.
- 12 pênaltis já foram marcados nesta Copa
Mauro Cezar Pereira, no entanto, ressalta que por muitas vezes estão sendo dados pênaltis que, na sua opinião, não seriam passíveis de marcação – apenas um lance, de Neymar contra a Costa Rica, na última sexta-feira, foi revertido pelos assistentes de vídeo em relação ao que o árbitro apitou no campo.
– O cara marca o pênalti e espera pelo AV. Eles se protegem marcando o pênalti – afirma.
As primeiras críticas a Tite
Unanimidade entre torcida e crítica antes da Copa, Tite logo percebeu que a Copa do Mundo é um animal totalmente diferente. A má atuação na estreia brasileira, no empate em 1 a 1 com a Suíça, fez com que o treinador fosse questionado com força pela primeira vez desde que assumiu o cargo, e a dificuldade para vencer a Costa Rica não mudou a situação.
– O Tite era praticamente um “encantador de serpentes” antes dos jogos, pois ninguém criticava nada. E aí, quando chegou na Copa, a situação mudou. Foi evidente e ridícula a situação do pós-jogo do Brasil na estreia, com todo o foco na suposta falta cometida no gol suíço, em um lance ridículo porque o Miranda não marcou certo. Foi um lance de jogo, um empurrão que faz parte do jogo. O Miranda que deveria ser cobrado, e os treinamentos do Tite também, pois houve um erro claro naquele lance. Isso que tem de ser discutido – disse o jornalista Mauro Cezar Pereira antes do jogo desta sexta-feira.
Preparador físico do Brasil na conquista do penta, em 2002, na comissão técnica em quatro Copas, Paulo Paixão conhece bem o trabalho necessário para resolver os problemas que a Seleção mostrou nos seus dois jogos. E afirma a necessidade de entender, também, o momento de cada jogador.
– Tenho convicção de que, se você cuidar da parte muscular, equilibrar com trabalhos funcionais, sai na frente dos outros. E aí vai da excelência técnica. O pessoal está muito preocupado com o Neymar. Se ele passar dessa fase complicada, de retorno de lesão, só vai subir, pois sua excelência é superior.
O que há com a América do Sul?
Em 2014, com a Copa do Mundo no Brasil, cinco das seis seleções sul-americanas avançaram de fase, três chegaram às quartas de final, o Brasil caiu (daquele jeito) nas semifinais e a Argentina foi finalista. Na Rússia, a situação é outra: apenas o Uruguai já está classificado às oitavas. Além dos celestes, só o Brasil também venceu. O Peru já está eliminado, a Argentina vive um drama após o fiasco contra a Croácia e a Colômbia joga a vida neste final de semana. Mesmo assim, para Mauro Cezar Pereira, o rendimento foi melhor do que os resultados até agora.
– Vejo isso como algo muito circunstancial. A Argentina jogou para ganhar na estreia, perdeu um pênalti e enfrentou a maior retranca da Copa contra a Islândia. O Peru perdeu um pênalti contra a Dinamarca, e as duas podiam ter vencido esses jogos. Foram resultados circunstanciais, e isso pode mudar ao longo da Copa.