Terceiro país que mais ganhou na Fórmula-1, o Brasil completa na próxima terça-feira sete anos sem vitória. O Tema da Vitória consagrado por Ayrton Senna não toca há 133 corridas. É a maior seca desde que Emerson Fittipaldi triunfou pela primeira vez, em 1970.
A distância do topo do pódio ainda faz o país, que ganhou oito campeonatos entre 1972 e 1991, amargar 25 anos sem título. Um declínio causado por vários fatores, desde altos custos, patrocínio minguado e uma geração mediana, até a falta de investimento na formação de jovens pilotos.
– Não é sempre que se tem um gênio capaz de ser campeão. O Brasil teve a sorte de ter tido três (Emerson Fittipaldi, Nelson Piquet e Ayrton Senna) sucedendo um ao outro – avalia Fábio Seixas, especialista em automobilismo e chefe da reportagem do SporTV.
Leia mais
"Me falta um carro melhor", afirma Nasr, que busca vaga para 2017
“É o talento que abre portas”, diz Nelson Piquet sobre seca de vitórias
Reportagem especial relembre a trajetória de Ayrton Senna
Repórter especializado em F-1 com mais de 400 GPs in loco desde 1987, Livio Oricchio pondera que o automobilismo está mais técnico e não basta só talento para vencer. O maior peso da equipe no desempenho do carro e a crescente pressão por resultado, analisa, escancaram o quanto a preparação de pilotos é crucial para formar campeões:
– No Brasil, as categorias de base são muito atrasadas em tecnologia. Não tem como sair do kart e pilotar um carro hipertécnico, onde 0,5cm de altura faz diferença brutal. Muitos saem do país sem ter a dimensão do desafio. Às vezes, são dois décimos de segundo por volta, mas que valem até 10 posições no grid – ressalta Oricchio, citando o caso de Pedro Piquet, que venceu 19 em 26 corridas na F-3 Brasil, e sequer foi ao pódio na F-3 europeia.
Seixas diz que falta uma categoria de base forte no país. Para ele, o Brasil deveria seguir o exemplo de organização da Alemanha, que ganhou 163 corridas na F-1 desde 1991.
– Faz tempo que não temos uma categoria de base forte no Brasil. A Confederação Brasileira de Automobilismo (CBA) tinha de organizar competição, não só ficar esperando associações e empresas. É preciso tomar a iniciativa. Não há milagre. Sem mudança, a falta de vitórias está só começando – destaca.
O problema de formação é crônico, avalia Rafael Lopes, produtor de automobilismo da TV Globo e comentarista do site Globoesporte. Ele lembra que a própria ascensão de Emerson, Piquet e Senna não foi impulsionada por uma categoria de base consistente:
– Os três tiveram de ir a Europa. Falta uma política de formação. É preciso um kart mais barato e uma categoria de base na sequência com preço acessível. O automobilismo brasileiro não vai falir, mas hoje não é próspero.
Por outro lado, o presidente da Comissão de Velocidade da CBA, Waldner Bernardo aponta a crise econômica como maior responsável pelo declínio. Frisa que a parceria com empresas é vital para organizar campeonatos pelo alto custo. Diz que a CBA barateou o kart e a F-3, criou a Copa das Federações, incentivou categorias de monopostos como a F-1600 e a F-Inter, além de captar e investir R$ 15 milhões em kart, turismo e F-3 por meio de projetos aprovados pelo Ministério do Esporte durante os últimos seis anos.
– Neste ano, a CBA ofereceu ao campeão brasileiro de kart o custeio da temporada 2017 na F-3 Brasil – explica Bernardo, atribuindo o desempenho inferior de brasileiros na F-3 europeia ao período de adaptação.
Ele ressalta que a entidade tem um projeto junto à Federação Internacional de Automobilismo (FIA) para melhorar o kart, que prevê treinamento aos moldes da escola francesa para aplicação no Brasil. Bernardo ainda promete uma “grande novidade” para 2017 ou 2018, que envolveria uma nova categoria de monoposto, mas diz não poder detalhar porque as negociações estão em andamento.
Enquanto isso, porém, restam iniciativas individuais. E aí, esbarra-se nas altas cifras. Oricchio diz que, na Fórmula-4 da Itália, é preciso 400 mil euros para disputar uma temporada e 2 milhões de euros para lutar pelo título. Na GP3, o valor é de 800 mil euros. Na GP2, chega a 1,5 milhão de euros:
– É diferente de quando o Piquet chegou, em 1977. Havia apoio, mas o valor era infinitamente menor. Hoje, é estratosférico. As categorias não são mais só um carro e um mecânico. O nível de competição cresceu, e é preciso pagar a estrutura para fazer sucesso.
Da pressão pós-Senna às ordens de equipe na Ferrari
Outro fator importante é o lobby. Oricchio ressalta que a falta de um ídolo na F-1 desde a morte de Senna prejudica os brasileiros:
– Até 1991, a Alemanha não tinha destaque. Aí teve um boom, com uma geração influenciada por Michael Schumacher. Se o Brasil tivesse alguém ganhando corridas, certamente haveria mais incentivo e chances.
Seixas concorda e cita a postura de Rubens Barrichello e Felipe Massa, que cederam vitórias aos companheiros de Ferrari, como outro motivo para a fase ruim do Brasil:
– A passagem do Rubinho pela Ferrari fez muito mal aos pilotos brasileiros e torcedores. A gente se acostumou a abrir mão de vencer. Quando o Massa fez o mesmo, a gente não se espantou. Entramos em um conformismo de que entregar é do jogo, mas não é. Foram péssimos exemplos aos mais novos.
Lopes discorda. Lembra que Massa foi vice-campeão em 2008 por apenas um ponto, quando foi ajudado pelo colega de Ferrari, Kimi Raikkonen. Sobre Rubinho, analisa que, por mais que tenha errado, carregava uma enorme pressão após a morte de Senna:
– A falta de resultado frustra o torcedor, mas isso se apagará logo na primeira vitória.