Nossa equipe não teve tempo, nesta viagem, para fazer esta trilha de oito horas por baixo do cânion Itaimbezinho. Mas o repórter de GaúchaZH Humberto Trezzi encarou esta aventura e conta como foi a seguir
Você e eu conhecemos muitas pessoas que já visitaram os cânions entre São Francisco de Paula e Cambará do Sul, pelo alto. Estivemos várias vezes nesses mesmos locais. Enfrentamos estradas esburacadas, cravejadas de rochas, capazes de rasgar pneus e estragar a suspensão de carros comuns. Um passeio com pitadas de aventura.
Que tal agora incrementar essa aventura com grandes doses de esforço físico, cansaço, suor, água gelada, trilhas na mata e equilíbrio entre rochas grandes e pequenas? Montanhismo na veia, só que para principiantes. Vamos nessa?
A região é a mesma, os Aparados da Serra. A diferença é que, em vez de ir até os cânions de automóvel, pela parte de cima, o neo-aventureiro chega aos desfiladeiros por baixo, ao nível do mar. Melhor do que isso: percorre eles POR DENTRO.
Sem meias palavras, é muito melhor do que apenas observar a paisagem de cima. Uma coisa é ver, outra é sentir-se parte dos cânions, penetrar neles, fazer uma imersão na natureza selvagem.
São duas as portas de entrada para um passeio pelo interior dos cânions, ambas por Santa Catarina. A mais utilizada e melhor estruturada é pela cidade de Praia Grande, a poucos quilômetros da divisa com o Rio Grande do Sul. Ela está encravada no sopé da Serra do Mar, a cerca de 25 quilômetros da BR-101, próximo a Torres (RS). Os dois passeios possíveis, a partir desta cidade, são aos cânions Itaimbezinho e Malacara. O primeiro é um passeio de sete horas e meia, bastante difícil. O segundo leva três horas e tem dificuldade média. A outra possibilidade é ir até a cidade de Jacinto Machado (SC) e ingressar dentro do cânion Fortaleza (também divisa catarinense-gaúcha).
Eu e minha mulher, Angélica, topamos o desafio e fizemos um dos trajetos mais difíceis, o que leva ao Itaimbezinho. Praia Grande tem toda uma estrutura para esse tipo de aventura. São dezenas de pousadas, cada uma conectada a empresas com guias. Atenção: não é permitido ingressar nos cânions por dentro sem guia. É exigência do ICM-Bio (órgão governamental que administra os parques federais).
Uma exigência razoável, diga-se de passagem. Sem guia seria muito difícil, para não dizer impossível, que alguém conseguisse percorrer a profusão de trilhas na Mata Atlântica, morro abaixo e morro acima, e também as passagens dentro do Rio do Boi (o que percorre o interior do Itaimbezinho).
São quatro horas pela mata dentro do Parque dos Aparados, em trilhas no morro pela quais o forasteiro conhece belezas _ orquídeas, bromélias, frutas nativas _ e também resquícios de população que outrora viveu ali. As outras quatro horas são literalmente dentro do Rio do Boi, cujo nome se deve a uma situação sinistra: com a neblina dentro do cânion, que costuma ocorrer quase todos os dias, o gado se perdia nas alturas dos campos de cima da serra e caía penhasco abaixo, dentro do desfiladeiro. Isso quando ainda havia gado no parque.
É passeio para quem não tem medo de água gelada. No trajeto os turistas atravessam 20 vezes o Rio do Boi (sim, você leu certo, 20 vezes!). Fazem isso de mãos dadas, para evitar que as corredeiras ou o limo das pedras gerem tombos e carreguem o vivente correnteza abaixo.
Idosos e adolescentes menores de 15 anos dificilmente são incluídos nos grupos guiados. Isso porque a travessia não é brincadeira, exige um pouco de preparo. No dia em que percorremos a trilha, uma senhora de 65 anos teve de ser carregada em maca, morro acima, porque não conseguia mais caminhar. Foi um transtorno que demandou até ambulância e atraso no passeio.
Assustado? Não fique. A paisagem é deslumbrante. O silêncio, calmante. A água, translúcida. A mata, espetacular. Cachoeiras diversas junto aos paredões do cânion propiciam, ao turista, banhos inesquecíveis. E, no fim de tudo, uma grande história para contar aos amigos. Precisa mais?
Algumas dicas
- Em primeiro lugar, obedecer conselhos do guia. Caso contrário, esta trilha oferece grandes perigos. Horários devem ser cumpridos em função da neblina e do rio, que levantam com rapidez incrível. Os passos devem ser guiados para evitar perder-se, quedas de grandes alturas e ferimentos.
- Estar em forma para o exercício. Com muito alongamento antes e depois da caminhada. Caso contrário, será difícil caminhar no dia seguinte.
- É imprescindível levar calçados confortáveis e, ao mesmo tempo, resistentes. Tênis é a pedida, desde que a cola do solado aguente (o meu não aguentou e tive de amarrar o calçado aos pés). Outras opções são botinas de montanhismo e papetes fechados (calçados de borracha usados por mergulhadores).
- A roupa também deve ser funcional. No verão, camiseta leve, que ajude a transpiração. Shorts e perneiras (essas, fornecidas pelos guias, evitam torções, cortes provocados pelas pedras e impedem mordedura de cobras). No inverno, caso o sujeito tenha coragem de enfrentar águas geladas, um blusão e calças cargo. Além de chapéu, claro.
- Protetor solar, mesmo que o sol fique grande parte do dia obstaculizado pelos paredões.
- Repelente de mosquitos. O passeio na mata é torturante para quem não usa.
- Uma mochila com garrafinhas de água e um lanche leve (frutas, barras de cereais, sanduíche. Passoquinha é uma boa ideia que uma companheira nossa ofereceu. Energizante.).
- Máquina fotográfica ou, no mínimo, celular (que não funciona para ligar, só para fotografar, já que não há qualquer sinal telefônico dentro do despenhadeiro).