Uma oportunidade para quilombolas e não quilombolas de estudar, retomar o aprendizado e se preparar para o ingresso no Ensino Superior é a proposta que ocorre na sede do Quilombo Flores, no bairro Glória, na Capital. O projeto Curso Pré-Vestibular Popular Quilombo Flores está atendendo a comunidade em geral que não possui recursos para pagar pela preparação em cursinhos particulares. Ainda restam 20 vagas para alunos participarem do projeto.
– É um pré-vestibular e pré-Enem, é um cursinho para pessoas que não possuem condições de pagar por cursos e para pessoas que desistiram de estudar. Nesses casos, muitos têm vergonha de ir procurar cursinhos onde a maioria é de jovens e, por isso, se perderem nos conteúdos por não perguntar ou não acompanhar o ritmo dos professores. Esse espaço é para pessoas se sentirem à vontade, tanto jovens quanto adultos. E não é apenas para quilombolas, mas para a comunidade em geral – explica Geneci de Lourdes Flores da Silva, líder quilombola.
A iniciativa é organizada pelo próprio quilombo com o apoio do Núcleo de Estudo em Geografia e Ambiente (NEGA) da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), com o objetivo de atender gratuitamente 25 alunos. As aulas são semanais, todas as quartas-feiras, das 17h30min às 21h, divididas entre as 13 disciplinas abordadas no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) e o Vestibular da UFRGS. O projeto conta com 10 educadores e quatro monitores voluntários.
– O projeto foi pensado a partir da escuta do pedido da Geneci, organizamos a ideia, fizemos o chamamento de professores populares, houve a seleção, depois fizemos o chamamento dos alunos. O nosso grande desafio hoje é que precisamos do apoio financeiro ao projeto para auxiliar professores e alunos com passagens para o deslocamento até aqui – explica a educadora popular, mestre em Educação e doutoranda no NEGA Catarina Machado.
Apoio para permanência dos alunos
A falta de recursos que podem garantir a permanência dos alunos nas aulas presenciais impediu que alguns inscritos, de fato, frequentassem o projeto no território do quilombo. As aulas do projeto começaram em 21 de junho e, mesmo que o total de inscrições tenha alcançado 20 pessoas, apenas cinco alunos conseguem frequentar atualmente. Hoje, a iniciativa tem uma campanha em andamento para receber contribuições espontâneas e também abre espaço para parcerias de empresas.
– Entre as necessidades mais urgentes estão a garantia do lanche e da passagem para os alunos e educadores. Acreditamos que eles conseguiram permanecer. Além disso, precisamos de recursos para a primeira biblioteca aqui, para adquirir livros de leituras obrigatórias, equipamentos para sala de aula, cadeiras, computadores – diz Catarina, e Geneci complementa:
– Essas são algumas dificuldades que impedem as pessoas de vir e permanecer, pois elas têm vontade.
Segundo elas, os interessados no projeto são moradores de diversas regiões de Porto Alegre, distantes do bairro Glória, como Lami, no Extremo-Sul, e Sarandi, na Zona Norte. Além de alunos de fora da Capital, vindos de Viamão.
O sonho do Ensino Superior
Essa vontade, destacada por Geneci, de estudar e de ingressar no Ensino Superior, é expressa por alunos que estavam presentes na aula da última quarta-feira (2). Por indicação de uma amiga, Michele Gaspar Dutra, 34 anos, teve acesso ao link de inscrição do projeto.
– Li sobre o projeto e aproveitei a chance, ainda mais por ser gratuito. Sempre foi um sonho prestar o vestibular e entrar na faculdade, mas devido às coisas da vida, de ter que trabalhar para ajudar a família, depois casei, acabei deixando os estudos de lado. Agora, a prioridade é focar em mim e pensar em uma carreira melhor. Não é vergonhoso trabalhar com limpeza, mas é muito cansativo e não é uma profissão valorizada – explica Michele, moradora do bairro Restinga.
Depois da prova do Enem, ela quer tentar ingressar no curso de Direito.
– É um sonho desde que eu me conheço por gente – diz animada.
Outro aluno que estava entre os primeiros a chegar na sede do quilombo era João Paulo da Silva Morim de Oliveira, 17 anos. Estudante do 3º ano do Ensino Médio, ele busca um complemento no conteúdo para conseguir a sonhada aprovação no vestibular.
– Eu ainda não fiz Enem nem vestibular. Minha mãe me mostrou esse projeto e achei interessante, ainda mais pela oportunidade ser de graça. É muito bom aqui, tem muita matéria que é reforçada. Me inscrevi no Enem e quero fazer Contabilidade – diz o jovem, morador do bairro Partenon.
A aula de quarta-feira foi do professor Rafael Andrade, de Física e de Matemática. Mestrando na UFRGS, ele veio de Recife (PE) para Porto Alegre e, por saudade da sala de aula e do contato com alunos, viu uma oportunidade de lecionar no projeto.
– É a primeira vez que tenho esse contato com quilombos. A experiência está sendo importante para entender e ter uma vivência maior sobre a questão de ser um quilombo, ainda mais por ser urbano, que eu não imaginava antes de conhecer – diz o professor.
Dedicação da família Flores
Porto Alegre tem 11 comunidades quilombolas urbanas. O Quilombo da Família Flores está localizado na Rua Manduca Rodrigues, na Zona Sul, e foi certificado pela Fundação Cultural Palmares em 2017. Atualmente, quatro famílias vivem no território, mas a comunidade quilombola dos Flores é formada por 48 famílias. Com a liderança exercida por Geneci, a comunidade quilombola dos Flores promove atividades culturais, políticas e pedagógicas de viés quilombista, e também de qualificação, como é o cursinho.
Um dos projetos que Geneci integra é o Geração Tigres F.C., que existe desde 2006 com aulas de futebol para crianças, jovens e adultos, além de ações sociais para a comunidade do bairro Glória. No início desde ano, o território do quilombo Flores também recebeu oficinas de dança e percussão possibilitadas por edital público da Secretaria de Cultura do Estado do Rio Grande do Sul.
– Já fiz alguns trabalhos sociais. Hoje, no Geração Tigres, passo para eles o que eu aprendi jogando futebol. Treino 30 crianças – diz Geneci.
A líder quilombola tem três filhos e conta que sempre levou os meninos para os projetos sociais nos quais ela se envolvia. Geneci tem dentro de casa a experiência de como iniciativas sociais e oportunidades impactam a vida de jovens, como foi o caso do seu filho Willian da Silva Meireles, 18 anos. Ele participou do projeto Aprendizagem Profissional Quilombola e, a partir disso, conseguiu encaminhamento para o mercado de trabalho. Ano passado ele passou no vestibular para Análise de Sistemas em uma entidade privada, onde recebe bolsa parcial de 50%.
– Ele foi se especializando na área do estágio. E pela dedicação dele, a empresa resolveu pagar a outra metade da faculdade, além de todos os direitos – explica a mãe, orgulhosa.
COMO PARTICIPAR DO PROJETO
- Interessados em ingressar no projeto como aluno podem preencher o formulário (clique aqui).
- As inscrições ficarão abertas por mais alguns dias.
- Saiba mais nas páginas do Instagram @edupopularquilombola e @quilombodosflores_
APOIE UM ESTUDANTE
- Para contribuir com a garantia de permanência dos alunos nas aulas, com recursos para o transporte e alimentação é possível doar por meio da chave Pix quilombodosflores283@gmail.com (Geneci Flores)