Proposta pela Universidade Federal de Pelotas (UFPel), a criação de uma modalidade do curso de Medicina específica para assentados da reforma agrária tem gerado críticas de entidades médicas. Nesta sexta-feira (7), reitores de instituições públicas de Ensino Superior divulgaram uma moção de apoio à iniciativa, na qual reforçam a garantia constitucional da autonomia universitária.
A nota (leia na íntegra no final da matéria) de solidariedade foi publicada após imbróglio envolvendo o diretor do Sindicato Médico do Rio Grande do Sul (Simers) no Interior, Luiz Alberto Grossi. Em entrevista ao Diário Popular, o representante disse que “essas pessoas que vêm do campo, vêm não muito qualificadas para fazer Medicina”, o que desqualificaria a profissão, e que, “não demora, os índios vão querer também fazer”. O posicionamento gerou reação legislativa – a deputada estadual Laura Sito (PT) disse, na quarta-feira (5), que oficiaria a entidade sobre o assunto.
Em resposta, ainda na quarta-feira, o sindicato publicou nota (leia na íntegra no final da matéria) afirmando que “não compactua com a interpretação dada à fala recente” de Grossi, e que, desde o início desse debate, tem se posicionado contrário a “qualquer flexibilização de critérios do processo seletivo para ingressar em cursos de Medicina” e à expansão de vagas nessas graduações “sem a garantia de pressupostos básicos de qualidade para a formação dos alunos”, e defendendo que já há mecanismos que flexibilizam o ingresso de estudantes a essas faculdades. O Simers também pontuou ser “veementemente contra qualquer forma de discriminação a qualquer grupo ou estrato da sociedade” e que, justamente por isso, é contrário à proposta da UFPel.
Em meio à polêmica, a nota de apoio à instituição pelotense é assinada por quase todas as universidades e institutos públicos do RS – UFPel, Universidade Federal do Pampa (Unipampa), Universidade Federal do Rio Grande (Furg), Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA), Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), Universidade Estadual do Estado do Rio Grande do Sul (Uergs) e Institutos Federais do Rio Grande do Sul (IFRS), Farroupilha (IFFar) e Sul-riograndense (IFSul). A exceção são a Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e a Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS), esta última que tem campi em três municípios gaúchos.
No texto, os gestores manifestaram que a UFPel, ao propor a formação de médicos entre integrantes das famílias assentadas, “contribui de forma significativa para a redução das disparidades no acesso à educação e para a representatividade dos profissionais de saúde em regiões rurais, onde a carência de médicos é uma realidade”.
O grupo também destacou que a autonomia universitária é garantida pela Constituição Federal e que, por isso, podem propor cursos de acordo com sua avaliação de impacto social e necessidades da sociedade.
Proposta de curso
A UFPel estuda ampliar a oferta de cursos de graduação para pessoas cadastradas pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) ou beneficiárias de projetos de assentamentos. No dia 23 de junho, representantes da instituição de ensino reuniram-se com lideranças do Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra (MST) para falar sobre a criação de turmas especiais de Medicina para essa população.
Se implementada, esta seria a primeira formação de médicos exclusiva para assentados em todo o Brasil. Não há, contudo, prazo para que a abertura da turma especial ocorra – a discussão ainda é inicial e depende de avaliação da Faculdade de Medicina, Psicologia e Terapia Ocupacional (Famed), que abrigaria a modalidade.
Confira abaixo a nota dos reitores de instituições públicas de Ensino Superior na íntegra:
As reitoras e reitores que integram o Fórum das Instituições Públicas de Ensino Superior do Estado do Rio Grande do Sul manifestam, por meio desta, seu apoio à Universidade Federal de Pelotas (UFPel) pela iniciativa de discutir a implantação de uma turma especial de Medicina destinada para a população assentada do Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária (Pronera). A UFPel, ao propor a formação de médicos e médicas entre os integrantes das famílias assentadas, contribui de forma significativa para a redução das disparidades no acesso à educação e para a representatividade dos profissionais de saúde em regiões rurais, onde a carência de médicos é uma realidade. As ações afirmativas são instrumentos importantes para a redução de desigualdades, com resultados concretos observados em nosso país.
A autonomia universitária é garantida pela Constituição Federal, e as universidades e institutos federais podem propor cursos de acordo com sua avaliação de impacto social e necessidades da sociedade, que são sempre avaliados rigorosamente, conforme as diretrizes curriculares estabelecidas pelo Ministério da Educação.
Diante disso, expressamos nosso apoio à UFPel e sua autonomia, especialmente em um tema tão relevante e que fortalece o compromisso com uma educação pública inclusiva e a construção de uma sociedade mais justa e igualitária.
Confira abaixo a nota do Simers na íntegra:
O Sindicato Médico do Rio Grande do Sul (Simers) reforça que não compactua com a interpretação dada à fala recente de Diretor da instituição, no que se refere à intenção de a Universidade Federal de Pelotas (UFPel) criar turma específica para assentados no curso de Medicina.
Desde o início desse debate, nossa posição esteve centrada em três pontos:
1. Somos contra qualquer flexibilização de critérios do processo seletivo para ingressar em cursos de Medicina, independente do grupo ou setor beneficiado com essas alterações. Há grave risco de redução da qualidade de formação técnica dos alunos, pelo rebaixamento da exigência desses critérios, havendo manifestação pública de que o vestibular passaria a se dar exclusivamente por meio de prova de redação, o que não ocorre hoje para nenhum outro candidato.
2. Somos contra a expansão de vagas em cursos de Medicina, sem a garantia de pressupostos básicos de qualidade para a formação dos alunos, como infraestrutura física qualificada e corretamente dimensionada, recursos humanos em docência, campos de prática com número suficiente de leitos e oferta de outros serviços imprescindíveis a essa trajetória formativa.
3. Já existem mecanismos que flexibilizam o ingresso de estudantes às faculdades de Medicina, assim como programas sociais para atenção à Saúde em áreas de vulnerabilidade social.
Somos veementemente contra qualquer forma de discriminação a qualquer grupo ou estrato da sociedade. E é também por isso que somos contrários a essa medida. Formação de profissionais de saúde e assistência à população são assunto sério. Esperamos que todas as entidades e instituições relacionadas ao tema possam exercitar um debate civilizado, em que a prioridade seja clara, por um ensino qualificado e por políticas que viabilizem a oferta de profissionais bem formados, técnica e humanisticamente, à população que mais precisa.