Futuros alunos dos novos cursos de Medicina da Rede Ulbra de Educação no Estado poderão ter dificuldades além das aulas. Isso porque existe a possibilidade de a permissão do funcionamento da graduação ser revogada na Justiça. A autorização que possibilitou a oferta de vagas foi garantida por conta de uma liminar, uma decisão judicial provisória. Especialistas consultados por GZH dizem que isso causa insegurança jurídica para o aluno e prejuízo em caso de suspensão do curso.
A Ulbra homologou 285 inscrições no processo seletivo com 480 vagas para Porto Alegre, Gravataí e São Jerônimo. O critério de seleção dos candidatos é a nota do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). A divulgação dos classificados está prevista para esta sexta-feira (12), com início das aulas para o dia 22 deste mês.
Em abril deste ano, terminou a moratória imposta em 2018 que deveria ter congelado a abertura de novos cursos de Medicina no país. O argumento de que era preciso frear o aumento de escolas médicas "sem qualidade adequada" e discutir critérios para autorização de vagas.
No entanto, na prática, mais de seis mil novas vagas foram abertas no período por meio de ações judiciais, segundo o Conselho Federal de Medicina (CFM), que é contra o avanço da oferta sem que critérios "mais rígidos" sejam adotados. O modo como a autorização tem sido concedida pelas instituições de ensino não é definitivo, explica Gabriel Joner, advogado e mestre em direito público.
— O juiz profere uma sentença decidindo o caso depois de garantir o direito ao contraditório para as partes, de fazer a coleta das provas, depois do trâmite judicial. Mas existem situações em que as partes pedem que o juiz profira uma decisão já no início do processo, que é a liminar: ela permite que a parte possa usufruir o direito que teria apenas com a sentença (ao fim do processo).
A liminar, portanto, não é uma decisão permanente, e sim entendida como uma tutela provisória no Código de Processo Civil: assim, ela vigora até a sentença ao final do procedimento, acrescenta Joner:
Ela pode ser modificada pelo próprio juiz que proferiu a decisão, que pode até revogá-la
GABRIEL JONER
Advogado e mestre em direito público
— Ela pode ser modificada pelo próprio juiz que proferiu a decisão, que pode até revogá-la. A parte prejudicada pela liminar também pode ingressar com um recurso para que o tribunal analise e verifique se é o caso de revogá-la ou não. É claro que, para proferir uma decisão liminar, o juiz precisa estar amparado em argumentos, precisa se convencer da plausibilidade do direito alegado pela parte.
O Conselho Federal de Medicina defende que a abertura de novas graduações médicas estejam condicionadas aos seguintes critérios: a oferta de cinco leitos públicos de internação hospitalar para cada aluno no município sede do curso; acompanhamento de cada equipe de Estratégia de Saúde da Família (ESF) por no máximo três alunos de graduação no município sede do curso; e a presença de hospital de ensino com mais de cem leitos exclusivos para o curso no município sede do curso.
No início de abril, o governo federal também autorizou a abertura de novos cursos médicos mediante chamamento público e condicionou a autorização a regiões em que faltam profissionais. Os chamamentos públicos, no entanto, ainda não foram publicados.
Seria melhor não entrar (no curso), porque não se sabe por quanto tempo a liminar vai vigorar.
ALYNNE NAYARA NUNES
Advogada especialista em direito educacional
— O aluno vai ser prejudicado se a liminar cair, pois o curso não teria mais razão de existir. Aí o aluno não vai ter mais vaga, porque a vaga só vai existir se o curso existir. Um aluno que fez três anos de faculdade pode perder tudo. Existem possibilidades jurídicas de questionar isso, inclusive pedir ao MEC que ele seja remanejado para outra instituição de ensino, mas seria uma novidade do ponto de vista jurídico — afirma Alynne Nayara Ferreira Nunes, mestre em direito e advogada especialista em direito educacional.
Por conta do alto investimento do aluno e a possibilidade de que o curso seja suspenso, a advogada sugere cautela na hora de ingressar em faculdades que funcionam por meio de decisões provisórias.
— Seria melhor não entrar (no curso), porque não se sabe por quanto tempo a liminar vai vigorar. E aí fica uma situação muito frágil para o aluno: pode ser que no meio do caminho caia a liminar e seja difícil ele ir para outra instituição. É uma situação que é melhor se evitar — completa.
Wambert Di Lorenzo, diretor do Procon Porto Alegre, também concorda que há riscos a quem se matricular no curso por conta da decisão provisória.
— Uma liminar é um instrumento precário. Não há segurança jurídica porque nenhuma outra instituição tem a obrigação de receber esses alunos. Sendo um instrumento precário, quando a liminar cair, pode ser que a instituição não tenha autorização para ofertar o curso — pontua.
Uma liminar é um instrumento precário. Não há segurança jurídica porque nenhuma outra instituição tem a obrigação de receber esses alunos
WAMBERT DI LORENZO
Diretor do Procon Porto Alegre
Os cursos ofertados no RS vão oferecer três disciplinas teóricas. Por isso, o valor inicial do curso será abaixo da média para as mensalidades de graduação na área: R$3.700,44. A parte financeira poderá ser outro empecilho aos estudantes caso a decisão seja revogada e a Ulbra não possa mais ofertar o curso, diz o diretor do Procon Porto Alegre:
— A única possibilidade jurídica para um aluno, no caso de o curso não ser aberto, ou essa liminar ser cassada lá no mérito, é uma reparação judicial por danos materiais ou morais, porque a instituição ofertou vagas mesmo de forma precária. Mas, para isso, é preciso judicializar para ter pelo menos a restituição das prestações das mensalidades pagas.
Em entrevista a GZH, o advogado Felipe Merino, presidente da Associação de Ex-empregados Credores da Ulbra, diz que a instituição abriu um processo junto ao Ministério da Educação (MEC) pela ampliação das vagas, mas a pasta não analisou o pedido no prazo estipulado.
— E aí a Ulbra entrou judicialmente exigindo que o MEC decidisse sobre a possibilidade de ampliação dessas vagas. O juiz determinou um novo prazo para que o ministério decidisse, mas ele não cumpriu e ficou inerte. A Ulbra então pediu uma liminar para ofertar os cursos de imediato em função da inércia e ganhou — explica.
A decisão que autorizou a oferta das novas vagas foi expedida pela Justiça Federal no Distrito Federal em 30 de março.
O que diz a Rede Ulbra de Educação
A reportagem fez questionamentos à Rede Ulbra de Educação sobre um eventual cenário de revogação da liminar: o que ocorreria com o valor já pago pelos alunos? Os estudantes seriam remanejados para outras instituições de ensino?
Por meio de nota, a instituição de ensino voltou a afirmar que “os novos cursos foram devidamente autorizados pela Justiça Federal, em estrita obediência a todos os trâmites legais e regulatórios para o seu funcionamento. Diante desta autorização judicial e dos trâmites já realizados junto ao próprio Ministério da Educação, a Rede Ulbra tem a plena convicção da legalidade de seus novos cursos.”
A instituição também assegura que o processo administrativo para abertura das faculdades já tramita no Ministério da Educação e está em fase final de análise. Sobre a eventual cassação da liminar, a Ulbra afirma que “se houver algum revés, os alunos matriculados não terão nenhum tipo de prejuízo. Todo o aluno que estiver matriculado em um dos cursos terá plenas condições de concluir sua graduação”.
Leia a nota na íntegra
"As novas faculdades de Medicina da Rede Ulbra de Educação são resultado de um cuidadoso planejamento, de estudos e de investimentos que estão sendo desenvolvidos desde 2022 mediante processo regulatório junto ao Ministério da Educação. Os novos cursos foram devidamente autorizados pela Justiça Federal, em estrita obediência a todos os trâmites legais e regulatórios para o seu funcionamento.
Diante desta autorização judicial e dos trâmites já realizados junto ao próprio Ministério da Educação, a Rede Ulbra tem a plena convicção da legalidade de seus novos cursos. O processo administrativo para abertura das faculdades, que já tramita no Ministério da Educação, está em fase final de análise. Sobre a medida cautelar, se houver algum revés, os alunos matriculados não terão nenhum tipo de prejuízo. Todo o aluno que estiver matriculado em um dos cursos terá plenas condições de concluir sua graduação.
Vale destacar que os alunos estarão matriculados em cursos que integram uma rede de ensino com tradição de mais de 50 anos na área educacional, presente em 17 estados da União, com mais de 2.700 colaboradores diretos e mais de 350 mil egressos, entre eles 2.300 médicos formados no curso de Medicina que a Ulbra já mantém há três décadas no Rio Grande do Sul."