Se for aprovada como está, a proposta de reajuste salarial de 9,45% oferecida pelo governo Eduardo Leite ao magistério só chegará integralmente a cerca de um terço dos contracheques dos professores que estão em sala de aula. O projeto de reajuste será levado à votação nesta terça-feira (4) na Assembleia Legislativa.
A maioria dos professores da ativa terá um ganho efetivo menor do que o reajuste oficial. O cálculo do Palácio Piratini mostra que cerca de dois terços dos professores que estão em sala de aula vão obter um reajuste parcial – entre 6% e 9,44%.
O impacto efetivo do reajuste nos contracheques dos professores aparece em uma projeção produzida pelo governo do Estado – e obtida por GZH. Abaixo, é possível ver, em detalhes, os números projetados pelo governo do Estado para professores da ativa e aposentados.
Entre aposentados, cerca de 30% não terão reajuste efetivo
A disparidade entre reajuste oficial e reajuste efetivo é mais aguda entre os professores aposentados. Nesse grupo, 29,86% dos contracheques não perceberão qualquer aumento no salário – mesmo com a aprovação do reajuste pela Assembleia.
A projeção do governo também mostra qual o percentual de professores aposentados que, em sendo aprovado o projeto, colherá a integralidade do reajuste. Este grupo representa cerca de um quinto (20,2%). Os demais professores terão reajustes parciais (veja o gráfico abaixo).
Os números presentes na projeção do governo se referem a “vínculos de professores” (vários servidores têm mais de um vínculo com o Estado). A reportagem considera os percentuais de vínculos como percentuais de professores, por aproximação.
Regra de 2020 “anula” parte do reajuste dos professores
Na última alteração na carreira da categoria, proposta pelo governador Eduardo Leite e aprovada em 2020 pela Assembleia Legislativa, o salário dos professores estaduais foi dividido em duas partes: um valor principal chamado de subsídio e outro valor, em separado, correspondente às vantagens adquiridas pelo servidor ao longo da carreira.
Essa nova parte dos salários dos professores – relativa a vantagens por tempo de serviço – foi chamada de parcela autônoma de irredutibilidade.
Os professores aposentados ou que estão há mais tempo se sentem absolutamente desvalorizados
HELENIR SCHURER
Presidente do Cpers
Com a criação dessa regra, quando há um reajuste para professores, o valor do aumento primeiro é usado para descontar a parcela autônoma de irredutibilidade. Só depois de esvaziada a parcela autônoma é que o valor do reajuste começa a ser adicionado ao contracheque.
Como a parcela autônoma foi constituída com base em vantagens temporais, os professores aposentados e os professores com mais tempo de sala de aula são os mais impactados.
O Cpers – sindicato que representa os professores – chama essa regra de “confisco” e pede que o percentual de reajuste em 2023 seja aplicado integralmente (sem utilizar a parcela autônoma).
— Dos professores da ativa, 70% vão, de alguma forma, pagar parte do (próprio) reajuste. E, dos aposentados, 80%. O que a gente tem discutido é que poderia o governo contemplar estes professores não utilizando a parcela de irredutibilidade, que foi um grande engodo feito com a categoria — critica a presidente da entidade, Helenir Schurer.
Na avaliação do sindicato, o uso da parcela autônoma faz com que, na prática, parte dos professores paguem os próprios reajustes salariais.
— É importante dizer que o governo continua com a política de que os próprios professores pagam o seu reajuste. Isso prejudica de forma significativa os professores que estão no Estado há mais tempo. Os professores aposentados ou que estão há mais tempo se sentem absolutamente desvalorizados — acrescenta a presidente do Cpers.
O secretário-chefe da Casa Civil, Artur Lemos, diz que é possível olhar a proposta do governo como um copo meio cheio ou meio vazio. Lemos valoriza o fato de que a maioria dos professores terá um aumento salarial efetivo de pelo menos 6%.
— É tudo uma questão de ponto de vista: 30% dos vínculos dos inativos não terão reajuste, mas posso olhar que 71% de ativos e inativos ganharão de 6% a 9,44%. E 6% não é um percentual baixo — defende o secretário.
Lei de Responsabilidade Fiscal impede reajuste maior, aponta Piratini
O governo do Estado diz que gostaria de garantir um percentual maior de reajuste aos professores, mas argumenta que isso não é legalmente viável. A vedação de uma proposta melhor se deve, segundo o secretário-chefe da Casa Civil, à Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF).
Lemos aponta que, diante da redução de ICMS dos Estados definida pelo Congresso, houve perda de receitas e o Rio Grande do Sul atingiu o limite prudencial da lei que trata da responsabilidade fiscal. Isso deixaria o Estado, conforme Lemos, na obrigação de conceder aos professores apenas o reajuste que garantisse o pagamento do piso nacional do magistério.
— A gente assumiu em janeiro com a seguinte situação: o Estado perdeu R$ 5,5 bi de sua arrecadação. Com esta queda de arrecadação, atingimos o limite prudencial da Lei de Responsabilidade Fiscal, e isso começa a acionar travas. A primeira trava é que não se pode dar reajustes nem mexer em carreiras. A Lei de Responsabilidade Fiscal excepcionaliza o pagamento do piso — afirma Lemos.
Com esta queda de arrecadação, atingimos o limite prudencial da Lei de Responsabilidade Fiscal, e isso começa a acionar travas. A primeira trava é que não se pode dar reajustes nem mexer em carreiras
ARTUR LEMOS
Secretário-chefe da Casa Civil
O piso nacional da categoria subiu de R$ 3,8 mil em 2022 para R$ 4,4 mil em 2023. No caso do Rio Grande do Sul, a atualização do mínimo pago a um professor depende de um reajuste de 9,45% – índice que será levado à votação na Assembleia.
O secretário-chefe da Casa Civil admite que é frustrante para professores não colherem o reajuste integral ou mesmo ficarem sem aumento efetivo. Contudo, diz que é preciso avaliar todo o cenário e não considerar apenas a situação dos professores que ficarão sem reajuste.
— Sempre haverá frustração. O desafio da gestão pública é olhar primeiro o todo, a floresta. Sempre que a gente olhar o individual, a árvore, a gente vai encontrar insatisfações. É impossível agradar a todos. Agora, dentro deste contexto, a gente só está conseguindo dar o reajuste porque há esta excepcionalização de lei federal que diz “pague-se o piso” — destacou Lemos.
O projeto de lei 139/2023 - que prevê o reajuste - será a primeira matéria a ser votada pelos deputados estaduais, nesta terça. O impacto financeiro estimado é de R$ 430 milhões. Lemos evita adiantar um cenário de vitória em plenário, afirmando apenas que "a base aliada compreendeu que há essas limitações legais".