Trajando os novos óculos, Gabrielle Morales da Rosa, 13 anos, aguardava junto de um público de cerca de 50 pessoas que o aparelho lhe dissesse alguma coisa. A primeira mensagem veio:
— Há três pessoas em frente.
Entre elas, estava o prefeito de Porto Alegre. Sebastião Melo, que, então, se aproximou mais um pouco da menina. Os óculos reagiram:
— O prefeito Sebastião Melo está na sua frente.
A identificação de pessoas é um dos recursos existentes no OrCam MyEye, óculos de inteligência e visão artificial adquiridos pela Secretaria Municipal de Educação (Smed) para 10 professores e 46 alunos da rede de ensino da Capital, entre eles, Gabrielle. O ato de entrega ocorreu nesta quarta-feira (26), no Paço Municipal. A tecnologia israelense cria uma espécie de “agenda” interna com o rosto de até 150 pessoas, que, quando estiverem em frente ao aparelho, terão sua identificação comunicada ao usuário.
Na prática, o que o equipamento faz é, através de uma câmera acoplada à armação dos óculos, fotografar imagens, escaneá-las e identificá-las. Além de rostos, o aparelho também faz o reconhecimento e a leitura de textos em inglês, português ou espanhol, códigos de barra, produtos, as horas, cédulas de dinheiro e cores.
O investimento da prefeitura foi de pouco mais de R$ 1 milhão para a compra de 60 aparelhos – cerca de R$ 17,3 mil por unidade. O valor é similar ao anunciado no site do Orcam MyEye. Outras redes de ensino, como as municipais de São Paulo e São José dos Campos e as estaduais de Goiás e da Bahia, já adquiriram os mesmos óculos, que, segundo o prefeito de Porto Alegre, são únicos no mundo.
— Quando você faz eventos de inovação na cidade e incentiva a inovação, essa inovação só faz sentido se melhora a vida de uma cidade, a vida das pessoas. É emocionante o que nós estamos assistindo aqui. Mudou a vida dessas pessoas a partir de hoje. Imagina poder sentar numa sala de aula e enxergar o seu colega, reconhecer a sua mãe, o seu pai. Essa é a inteligência artificial que deve ser aplaudida — destaca Melo.
André Vicente da Silva, professor da rede municipal, é cego e recebeu simbolicamente os óculos durante o ato no Paço Municipal. O docente destacou algumas das características do equipamento.
A gente também merece poder ler um livro
GABRIELLE MORALES DA ROSA
Aluna da rede de ensino da Capital
— Essa ferramenta traz mais autonomia, porque o estudante pode ler o que não está em braile, e acessibilidade e praticidade, já que é acoplada nos óculos e não depende de segurá-la na mão. Para nós, professores, também facilita no reconhecimento, quando o aluno está falando — cita o professor.
Gabrielle estava encantada com os recursos existentes nos óculos. Na terça-feira (25), recebeu o aparelho e começou a experimentá-lo com livros.
— Foi incrível! O troço lê mesmo. Ele lê, pausa, despausa, volta a linha, avança a linha. Meu Deus, eu tô apavorada até agora — relata a adolescente.
Para a estudante, o equipamento ajudará em seus estudos, o que entende ser justo.
— Antes de a gente ser deficiente visual, antes de ser cega, nós somos pessoas. A gente também merece poder ler um livro. Merece ter um livro em braile e, se não tiver como ter ele em braile, poder ter outros recursos para ler — observa a menina, que defende, também, outros investimentos, como a colocação de piso tátil dentro das escolas.
Gabrielle também gostou muito do recurso de reconhecimento facial dos óculos, que lhe darão mais autonomia.
— A gente quer cumprimentar as pessoas e não precisar que elas venham até a gente, e também é bom saber quem está lá, né? Quem está ao nosso lado, na nossa frente — descreve a adolescente.
Tecnologia permite outras possibilidades
Conforme a secretária municipal de Educação, Sônia Rosa, antes de adquirir os aparelhos, foram mapeados quantos professores e alunos tinham baixa visão ou eram cegos na rede municipal. A compra contemplou todos.
— Não só no contexto escolar, mas essa tecnologia israelense permite outras possibilidades fora da escola. Isso dá mais autonomia e independência para esses alunos — pontua Sônia.
Em um primeiro momento, no qual está sendo feito o treinamento da ferramenta, os óculos serão usados apenas no contexto da escola. Depois, o aparelho poderá ser usado pelo estudante e o professor em seu dia a dia.
Além da aquisição dos óculos, a Smed trabalha em outras ações de acessibilidade, que vão desde recursos pedagógicos até a infraestrutura das instituições de ensino.
— Já temos avançado em algumas escolas, mas há muito o que fazer. A Secretaria de Obras vem desenhando os projetos de forma acessível para as nossas escolas — assegura a secretária.