Rotina, planejamento e persistência são algumas das dicas que três estudantes gaúchas que alcançaram a pontuação mais alta do RS na Redação do Enem 2020 compartilham com quem deseja repetir o feito. De acordo com o Ministério da Educação (MEC), 28 candidatos tiraram nota mil na Redação do Exame Nacional do Ensino Médio 2020, a pontuação máxima. Contudo, nenhuma das provas gabaritadas veio do Rio Grande do Sul.
Por aqui, a pontuação mais alta foi 980, número que está estampado nos boletins de Rafaela, Julia e Anna. Da citação de filmes e séries à prática semanal da escrita, as jovens contaram a GZH o que fizeram para se preparar e como encararam o tema da redação: "O estigma associado às doenças mentais na sociedade brasileira".
Rotina e persistência
Uma ou duas redações por semana, sempre à noite, foram alguns dos ingredientes da receita de sucesso de Rafaela Mallmann Saalfeld para alcançar a nota 980. Vestibulanda em tempos de pandemia, a jovem de 19 anos enviava seus textos para a correção dos professores do curso pré-vestibular Mottola, de Porto Alegre, pelo computador, mas a produção original era à caneta.
— Eu sempre fazia o rascunho à mão e passava a limpo para o computador, já que tinha medo de perder o hábito de escrever e de não conseguir medir o tamanho da letra. Eu às vezes ultrapassava o número de linhas que se pode usar, mas na hora de digitar e passar a limpo, conseguia condensar o texto e ver quais eram os argumentos mais importantes — conta a estudante.
Encontre um horário na sua semana que é para fazer redação e não largue de mão
RAFAELA SAALFELD
Estudante
O resultado que Rafaela garantiu nessa edição da prova era esperado, já que a jovem vem de uma trajetória de tentativas e experiências no exame. Em 2018, quando a temática da Redação foi "Manipulação do comportamento do usuário pelo controle de dados na internet", pontuou 920. Na edição seguinte, com um texto relacionado ao cinema, teve a mesma nota. No Enem 2020, acredita que a temática da saúde mental, por ser mais próxima do seu cotidiano, contribuiu para o resultado melhor.
— Eu amei o tema deste ano, já que doenças mentais é algo que temos discutido muito na pandemia. Quando vi, já sabia exatamente que iria citar John Rawls, que fala de direitos iguais para pessoas diferentes. As citações são um trabalho a ser feito ao longo do ano, percebendo em outras matérias, como sociologia e filosofia, discussões que já existiam no passado e também existem agora. Sempre tem alguma maneira de assimilar outras matérias à redação — afirma Rafaela.
Caloura de Medicina na Pontifícia Universidade Católica do RS (PUCRS) neste semestre, o plano de Rafaela é também tentar vaga na Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA) e na Universidade Federal do RS (UFRGS). A grande dica da aspirante a médica aos futuros candidatos do Enem é a criação de uma rotina e a busca pela persistência na produção de textos periodicamente.
— Encontre um horário na sua semana que é para fazer redação e não largue de mão. A tendência é começar o ano extremamente motivado e depois saturar, ir cansando. Em 2020, aprendi que a rotina é melhor coisa, ajuda a ter ritmo o ano inteiro e não te deixa tão cansado. Também é importante praticar e ter autocrítica para aprender com os erros, notar falhas recorrentes — aconselha a jovem.
Em Osório, uma redação salva pelo "caderninho de citações"
Por causa das aulas online que estão ocorrendo em pré-vestibulares durante a pandemia, Julia Oscar Destro, moradora de Osório, no Litoral Norte, pôde acompanhar as disciplinas de um cursinho pré-vestibular de Porto Alegre, o Gabarito. A dinâmica funcionou: sem as conversas com colegas, que em geral eram motivo de distração, a garota de 19 anos conseguiu focar nos estudos e na produção de 35 redações ao longo de 2020. Também contou com o apoio dos plantões de redação, nos quais trocava ideias com professores, e com a leitura cuidadosa do pai para identificar o que precisava aperfeiçoar para pontuar alto no Enem.
— Não é preciso ter veia literária ou ser escritor para fazer uma boa redação. O importante é estudar, treinar e, na medida do possível, ter acompanhamento profissional. Outra dica importante é fazer algum planejamento prévio, que no meu caso foi um caderno de citações, que me salvou na redação — afirma Julia.
O material que Julia chama de "caderninho de citações" foi construído por ela ao longo do ano passado e não contém apenas os dizeres de grandes pensadores. As páginas foram cobertas por referências a situações de filmes, séries, músicas, além de conteúdos de outras disciplinas, como fatos históricos que poderiam servir para ilustrar a redação.
Não é preciso ter veia literária ou ser escritor para fazer uma boa redação
JULIA OSCAR DESTRO
Estudante
— Eu listei vários temas de redação possíveis e rabisquei no caderninho pelo menos dois exemplos de citações que eu usaria para cada um deles. Foi o que aconteceu com a prova deste ano: eu já tinha pensado em doenças mentais e já tinha duas citações, uma de Aristóteles e uma da série Atypical, que também me fizeram lembrar de argumentos que eu poderia usar em torno delas — conta a estudante.
Para encarar o tema do estigma relacionado às doenças mentais no Brasil, ela escreveu sobre igualdade de tratamento entre as pessoas, defendeu a consulta a profissionais especialistas em saúde mental e citou o seriado norte-americano da Netflix, cujo protagonista foi diagnosticado dentro do espectro do autismo.
— A série retrata como é difícil para a sociedade ao redor do protagonista compreender a situação dele, e mostra a diferença que faz o apoio de amigos e família para combater o preconceito com a pessoa autista — explica Julia.
O objetivo de todo o esforço preparatório é para conseguir uma vaga em Biomedicina, para a qual está concorrendo pelo Sistema de Seleção Unificada (Sisu) e que planeja disputar no vestibular da UFRGS. Enquanto o futuro não se define, Julia intercala os estudos no pré-vestibular com a prática de balé, durante quatro horas e meia por semana, que chama de seu "momento sabático" .
Um degrau de cada vez
"Vale mais a pena fazer uma redação por semana com qualidade do que três sem qualidade", assegura a gaúcha natural de Erechim Anna Carolina Grotto. Moradora de Porto Alegre, a jovem de 18 anos garantiu a pontuação alta buscando aperfeiçoar sua argumentação ao longo do ano passado.
— De nada adianta ter mil argumentos e não conseguir costurá-los em um texto coeso. Também recomendo buscar conselho nos plantões e tirar dúvidas sobre o texto. É preciso subir um degrau de cada vez, consertar pequenos erros para ir construindo uma escada. E tem que fazer isso desde o início do ano, na última hora já não dá mais tempo para arrumar — afirma Anna.
Ao longo de 2020, Anna cursou o terceiro ano do Ensino Médio no período da manhã e fez o cursinho pré-vestibular à tarde. Um dos passatempos para se desconectar das pressões do período de vestibulanda são séries e filmes. É fã de Grey's Anatomy e de filmes de animação, e foi justamente uma produção da Disney que a ajudou a pontuar tão bem na Redação.
Sempre gostei muito de filmes e séries, por isso, passei a colocá-los nas minhas redações
ANNA CAROLINA GROTTO
Estudante
— Eu tinha dificuldade em colocar meu repertório no texto, mas sempre gostei muito de filmes e séries, por isso, passei a colocá-los nas minhas redações. Lendo os textos motivadores da prova do Enem, me veio o gancho de fazer uma relação com o filme Divertida Mente. Na introdução, falei de como os personagens das emoções disputam, no filme, a mesa de controle no cérebro da humana, causando transtornos como a depressão — explica Anna.
Em 2021, enquanto tenta uma vaga em Medicina por meio do Sisu, continua a estudar para o vestibular.
— Acho que terei que estudar mais um ano, pois as notas para entrar nas universidades estão bem altas. Mas fiquei feliz com minha média, pois meu objetivo era ver crescimento. Aumentei em quase cem pontos em comparação com a nota da edição anterior do Enem — afirma a jovem.