— Eu gostaria que tivéssemos chegado ontem na escola, apertado um botão e dito: pronto, pode começar. Mas não. É uma construção, é lento, é trabalhoso.
A frase da diretora Cristiane Modena, da Escola Estadual Alexandre Zattera, em Caxias do Sul, resume o sentimento dos professores à frente dos cinco colégios gaúchos contemplados no Programa Nacional das Escolas Cívico-Militares. Apesar de o anúncio de que o modelo seria colocado em prática no início do ano letivo de 2020, pouca coisa saiu do papel, e os diretores convivem com a incerteza sobre a data exata do início das mudanças.
Os cinco colégios inseridos no programa estão em Alvorada, Alegrete, Bagé, Caxias do Sul e Uruguaiana. Para a maior parte deles, permanece a falta de respostas concretas sobre uniformes, número de militares disponíveis e repasse de valores, itens básicos para que o modelo seja completamente implementado.
— O marco atual é de como a escola se encontra, o diagnóstico. O marco desejado é o que a escola tem que atingir para ter o padrão cívico-militar. A partir disso, (a escola) vai elaborar o seu marco estratégico, ou seja, como atingir o desejado, quais serão os caminhos, o que precisa ser feito — explica o diretor de Políticas para as Escolas Cívico-Militares do Ministério da Educação (MEC), coronel Aroldo Cursino.
A previsão do MEC é de que o modelo só esteja completamente implementado nas escolas gaúchas no fim do primeiro semestre de 2020. As etapas devem ser cumpridas aos poucos.
Os militares, que vão atuar como monitores, devem trabalhar da porta da sala de aula para fora, diretamente no pátio da escola — sem interferir na área pedagógica. A sugestão do MEC é que eles tenham uma hora semanal com os alunos para trabalhar no Projeto Valores, abordando as dimensões intelectual, física, afetiva, social, ética, moral e simbólica.
— Na questão simbólica, vão trabalhar com a questão de cantar o hino, hastear a bandeira, valores do nacionalismo, patriotismo e civismo. A dimensão ética e moral é quando trabalharem cobrando disciplina, responsabilidade, chegada no horário, respeito ao colega da escola, sem bullying. O nosso aluno precisa ter referências dentro da escola. O professor, diretor e monitor serão exemplos de adultos que cultuam valores, pessoas honestas, corretas, que não vão lhe ofertar drogas nem cometer assédio — complementa Cursino.
Reforço na segurança em Alvorada
A Escola Estadual de Ensino Médio Carlos Drummond de Andrade, em Alvorada, é a única da região metropolitana contemplada no programa. Apesar de os militares e uniformes novos ainda não estarem na escola, a direção já solicita aos pais que haja maior cuidado com o uniforme antigo e com a aparência — alguns alunos, inclusive, anteciparam o corte de cabelo.
A funcionária pública Flávia Duarte, 49 anos, decidiu retirar os filhos da rede particular e colocá-los na Carlos Drummond em 2020. Ela aprova a adoção de regras e uma exigência mais rigída em alguns aspectos:
— Eu estava temerosa no início por ser uma escola pública, mas conheci o projeto e gostei. Achei interessantes os limites impostos e as mudanças que vão acontecer. Por enquanto, o que notei foram as regras com a roupa e aparência. A minha filha está sempre de cabelo preso — relata a mãe de Pedro, 16 anos, e Isadora, 10.
Todos os períodos já receberam um acréscimo de 15 minutos no tempo, totalizando uma hora a mais por dia. Para a direção, a presença dos militares também vai auxiliar na segurança da escola, além de ajudar a resolver a indisciplina:
— Tivemos muitos problemas de assaltos no passado, e este é um dos motivos pelos quais fomos escolhidos. O problema de disciplina diminuiu um pouco, mas ainda ocorre. Essas pessoas vão nos ajudar com as duas coisas. A escola vai mudar da água para o vinho — aposta a diretora Silvana Pawlowski.
Entre professores, algumas questões ainda causam dúvidas. Uma delas é a influência que os monitores terão sobre as aulas:
— Eles devem atuar fora da sala de aula, mas algumas questões permanecem como incógnita. Espero que minha independência como professor permaneça. Nós achavámos que o ano letivo iria iniciar neste modelo, mas isso não aconteceu — conta Antônio César Santos Fonseca, professor de História e presidente do Conselho Escolar.
Resolução de conflitos em Caxias do Sul
Localizada em uma área de vulnerabilidade social, a Escola Estadual Alexandre Zattera, em Caxias do Sul, vê no modelo cívico-militar uma possibilidade de resolução de brigas e conflitos. Brigas entre alunos e desrespeito a professores são comuns na escola.
— Temos muitos problemas disciplinares, desde questões leves até situações mais complicadas. Desrespeito com os professores e entre alunos, brigas entre estudantes... A gente tem pouco pessoal para resolver isso tudo, e acreditamos que esses militares são pessoas a mais para resolver as situações de conflitos dentro da escola. Assim o ambiente escolar fica mais favorável — espera a diretora Cristiane Modena.
A escola foi uma das primeiras anunciadas como integrante do programa. Apesar de ainda não haver detalhes confirmados sobre número de militares disponíveis e prazo para a chegada de recursos, a expectativa da direção é grande — os pais são recebidos frequentemente com dúvidas sobre o assunto.
Na Fronteira Oeste, matrículas aumentaram
A Escola Municipal de Ensino Fundamental Elvira Ceratti, em Uruguaiana, é a única gaúcha que terá os militares bancados pelo governo federal, sem repasse de recursos. Neste caso, a manutenção do prédio e a compra de uniformes continua a cargo da prefeitura da cidade.
— Não temos certeza do que vai acontecer. Tivemos uma formação para saber o básico, como era o programa. Mas continuamos na mesma situação, porque o município sempre manteve a escola. A única diferença é que vamos receber o programa com seu regimento, monitores, e é isso — diz a diretora Laura Collazzo da Silva.
Localizada no complexo escolar do Centro de Atenção Integral à Criança (CAIC), a escola viu seu número de matrículas aumentar nos últimos meses. Na prática, no entanto, nada foi iniciado: os alunos seguem com o mesmo uniforme municipal, sem a presença dos militares nas dependências do colégio. A única mudança foi um melhor comportamento dos alunos e participação dos responsáveis em reuniões.
— Os pais, principalmente, estão com uma expectativa bem grande. Não sei do quê. A escola sempre teve regras, uniformes. Mas tudo que vem para somar é bom — acredita Laura.
Também na Fronteira Oeste, o Instituto Estadual Osvaldo Aranha, em Alegrete, vive um momento semelhante. Apesar de o novo modelo ainda não ter sido colocado em prática, houve maior procura pela escola — principalmente por causa dos pais da comunidade, que aprovaram a mudança. Para o diretor, a chegada dos militares também deve resolver um problema de falta de pessoal, que hoje gira em torno de 10 a 15 profissionais de diferentes áreas.
— A mudança verdadeiramente não (começou). Pela formação que tivemos, essa transformação vai ser progressiva, lenta, sem atropelos. Até para se cativar, conquistar todo mundo — explica o diretor Ernesto Rodrigues Viana.
Bagé se adiantou
Em Bagé, duas instituições de ensino funcionam no modelo desde o segundo semestre do ano passado: as escolas São Pedro e Dr. João Severiano da Fonseca. A antecipação foi feita pela própria prefeitura.
A escola São Pedro, onde já trabalham seis militares (das Forças Armadas, Brigada Militar e Bombeiros), foi inserida no programa federal. Na prática, pouca coisa deve mudar, já que o dia a dia da escola já é adaptado ao modelo. A diferença é que a escola terá acesso a verba para aplicação na infraestrutura, além de novos uniformes.
A filosofia cívico-militar é aplicada para os alunos do sexto ao nono ano do Ensino Fundamental. A aprovação da comunidade causou um efeito inesperado: a procura por matrículas no quinto ano, para que as crianças iniciassem no programa desde o início. Em 2020, uma nova turma precisou ser aberta para esta faixa etária.
— O que muda é basicamente o comportamento e a rotina. Respeito, organização, cobrança, responsabilidade, uniformização, civismo. Nos adiantamos e isso foi muito positivo, porque já estamos com a experiência que as outras escolas, inseridas este ano no programa, não têm — explica o diretor Gustavo Souza Rossi.
Os alunos são cobrados rigidamente para que cumpram horário de entrada e saída das aulas, de maneira organizada. O respeito ao professor também é exigido, assim como bater à porta para entrar. Além disso, os estudantes cantam o hino e hasteiam a bandeira nacional frequentemente, além de serem cobrados pela aparência e higiene.
— Praticamente não tivemos rejeição da comunidade. Eles vão entendendo que não vamos punir, sacrificar ninguém.
Coronavírus pode atrasar cronograma
A Secretaria Estadual de Educação (Seduc) trabalha com a mesma data do MEC para o fim da implantação do modelo: fim do primeiro semestre de 2020. No entanto, o surgimento do coronavírus pode acabar afetando o cronograma — todas as escolas estaduais terão aulas suspensas a partir desta quinta-feira (19). O receio é que os militares não possam ir para as escolas no período previsto, entre abril e maio.
— Como são profissionais da reserva, possivelmente sejam de grupo de risco, com mais de 60 anos. Temos que aguardar o decorrer de como vai ficar toda essa questão do coronavírus, que é um evento excepcional — explica o diretor geral da Seduc, Paulo Magalhães.
Por enquanto, não há orientação nenhuma para suspensão de prazos, já que a parte burocrática é feita fora das escolas. A seleção de reservistas da BM ou Bombeiros segue até o dia 21 para colégios estaduais.
O Estado trabalha com uma proporção de 100 a 120 alunos por monitor. O MEC, no entanto, orienta que um único militar fique responsável por cerca de 60 estudantes. Além dos monitores, oficiais de gestão escolar e de gestão educacional auxiliarão no processo.
A Seduc segue encaminhando os pedidos das escolas em relação a infraestrutura – até agora, no entanto, nenhum repasse foi feito pelo governo federal. Com exceção do colégio de Uruguaiana, todos receberão o valor de até R$ 1 milhão por ano. A verba deve ser usada para obras, materiais e demais necessidades da escola, além da compra dos uniformes. A vestimenta dos alunos ainda está sendo definida, mas deve incluir um abrigo e um conjunto de gala, com camisa para os meninos e saia e sapato para as meninas.
O MEC prevê implantar 216 colégios dentro do programa em todo o país até 2023, sendo 54 por ano.
Escolas contempladas
Alvorada
Instituição: Escola Estadual de Ensino Médio Carlos Drummond de Andrade
Número de alunos: Cerca de 780
Faixa etária para o modelo: Sexo ano do Ensino Fundamental até o terceiro ano do Ensino Médio
Modalidade: O MEC repassa até R$ 1 milhão para a compra de uniformes e aplicação na infraestrutura. O governo estadual envia os militares reservistas.
Alegrete
Instituição: Instituto Estadual Osvaldo Aranha
Número de alunos: Cerca de 1000
Faixa etária para o modelo: Sexto ano do Ensino Fundamental até o terceiro ano do Ensino Médio
Modalidade: O MEC repassa até R$ 1 milhão para a compra de uniformes e aplicação na infraestrutura. O governo estadual envia os militares reservistas.
Bagé
Instituição: Escola Municipal Cívico-Militar de Ensino Fundamental São Pedro
Número de alunos: Cerca de 750
Faixa etária para o modelo: Sexto ao nono ano do Ensino Fundamental
Modalidade: O MEC repassa até R$ 1 milhão para a compra de uniformes e aplicação na infraestrutura. A prefeitura fez a contratação dos militares, que atuam na escola desde o segundo semestre de 2019.
Caxias do Sul
Instituição: Escola Estadual de Ensino Médio Alexandre Zattera
Número de alunos: Cerca de 1000
Faixa etária para o modelo: Sexto ano do Ensino Fundamental até o terceiro ano do Ensino Médio
Modalidade: O MEC repassa até R$ 1 milhão para a compra de uniformes e aplicação na infraestrutura. O governo estadual envia os militares reservistas.
Uruguaiana
Instituição: Escola Municipal de Ensino Fundamental Elvira Ceratti localizada no complexo escolar do CAIC (Centro de Atenção Integral à Criança)
Número de alunos: Cerca de 550
Faixa etária para o modelo: Sexto ao nono ano do Ensino Fundamental
Modalidade: O Ministério da Defesa paga os militares reservistas. A prefeitura se responsabiliza pela compra de uniformes e manutenção da escola, com obras de infraestrutura.