Quadro e giz já não são suficientes para representar a rotina de um professor. O desafio de ensinar exige dos educadores atualização constante para se adaptar às necessidades dos alunos. E elas são diversas em cada escola e em cada etapa de ensino, como se pode perceber a partir de três histórias que contamos neste Dia do Professor.
A professora Simone da Luz foi estudar braile para poder alfabetizar uma aluna cega. O professor Mário Fabretti tirou os alunos da sala para ensinar biologia no pátio da escola. A orientadora educacional Gina Marques foi atrás dos alunos que estavam faltando aula para saber os motivos que levam os estudantes a abandonarem a escola. Em cada contexto, um desafio diferente. Em comum, a dedicação de educadores que não desanimam, apesar das dificuldades do dia a dia no magistério.
Novo alfabeto após uma década de magistério
Formada em Psicologia com mestrado em inclusão social, a professora Simone da Luz trabalha com inclusão de alunos com deficiência há mais de uma década, mas o ano letivo de 2019 apresentou uma realidade desconhecida à educadora. Milena Amaral, nove anos, é deficiente visual e precisava ser alfabetizada para acompanhar as aulas no 3º ano da Escola Jorge Ewaldo Koch, em Novo Hamburgo, no Vale do Sinos.
— Como alfabetizar uma criança cega sem conhecer braile? Tive de aprender para poder ensinar — conta a professora.
Há uma formação em atendimento educacional especializado exigida para trabalhar nas salas de recursos, onde alunos com necessidades especiais recebem atenção específica em complemento às aulas regulares. Mesmo com essa formação, é difícil o profissional estar preparado para todas as situações, pois há muitas variações: deficiência auditiva, visual, motora, intelectual, autismo, síndrome de Down, entre outras.
Simone concluiu o magistério em nível médio em 1988, em Sapiranga, depois, fez técnico em processamento de dados e cursou Psicologia, mas acabou voltando a lecionar em 2006, quando se mudou para Nova Hamburgo. Apesar de manter a atividade no consultório, é no magistério que ela encontra realização. Tanto que se motiva a criar os próprios recursos para aplicar na sala multifuncional.
Para ajudar Milena a aprender as letras, Simone comprou vários jogos de "resta um" e ficou só com as pecinhas. Em pranchas de madeira, perfurou com uma furadeira os espaços para formar o alfabeto em braile. O reglete, instrumento de punção usado por deficientes visuais para escrever em autorrelevo, tem quadrinhos muito pequenos, por isso Simone buscou uma alternativa. Com as peças de madeira do "resta um", Milena podia sentir melhor os espaços para aprender a formar as letras. Começou pelas vogais, depois, as consoantes do nome dela, e assim foi evoluindo.
Esse tipo de trabalho é a recompensa do professor, porque conseguimos fazer a diferença não só para a Milena, mas toda a comunidade está sendo transformada de alguma forma.
SIMONE DA LUZ
Professora da Escola Jorge Ewaldo Koch, em Novo Hamburgo
Superada a primeira etapa, a professora partiu para um segundo desafio: adaptar o restante da escola para integrar a nova estudante. Ela convocou os colegas de Milena a fazerem cartazes em braile com material durável para identificar os espaços. Então, Gabrielle Mugnol apareceu com uma placa em alumínio perfurada pelo avô, Ricardo. Agora, ele está produzindo, voluntariamente, diversas placas em braile para ajudar Milena a circular pelos corredores com mais independência.
— Esse tipo de trabalho é a recompensa do professor, porque conseguimos fazer a diferença não só para a Milena, mas toda a comunidade está sendo transformada de alguma forma — diz a professora.
Lições de biologia explorando o ambiente
Especialista em agroecologia, o biólogo Mário Fabretti transformou seus métodos de ensino quando se tornou pai. Professor da rede estadual, pediu exoneração do funcionalismo público para se dedicar a uma pedagogia diferente há sete anos, quando Pedro Henrique nasceu.
— Senti a necessidade de mudar a maneira de trabalhar, mais pé no chão, plantando, mexendo na terra, não tão fechado em sala de aula — conta.
Em instituições como a Escola de Educação Infantil Amor de Amora, na zona sul de Porto Alegre, que segue a Pedagogia Waldorf, Mário encontrou espaço para proporcionar lições de biologia a partir da exploração da natureza. Em uma oportunidade, levou alunos do quarto ano para uma excursão pelo litoral gaúcho para falar sobre os biomas passeando por mangues e dunas. Mas as expedições diárias pelo pátio da escola também reservam conhecimentos preciosos: turmas de 4º e 5º ano fizeram um catálogo das plantas que encontraram no jardim, descrevendo as espécies e sua fisiologia. Organizado em forma de livro, o catálogo agora está disponível na biblioteca para outros estudantes consultarem.
O carinho dos alunos é o que mais motiva, a gente deixa uma marca.
MÁRIO FABRETTI
Professor da Escola de Educação Infantil Amor de Amora, na zona sul de Porto Alegre
— Em vez de pegar um trabalho pronto, eles constroem conhecimento a partir da experiência. É uma relação diferente, eles se tornam protagonistas, e isso muda a hierarquia entre professor e aluno — diz.
O resultado vai além da aula de biologia e impacta na rotina da escola: os próprios alunos fizeram a proposta de construir uma estufa para o cultivo de hortaliças. Outra intervenção proposta pelos estudantes foi criar uma central de triagem do lixo.
— O carinho dos alunos é o que mais motiva, a gente deixa uma marca — diz o professor.
O desafio de manter os adolescentes na escola
Orientadora educacional em uma das maiores escolas públicas de Porto Alegre — o Colégio Estadual Julio de Castilhos, o Julinho —, Gina Marques convive com o desafio diário de evitar que os adolescentes abandonem os estudos. A evasão escolar no Ensino Médio é assunto de Estado, mas a professora não ficou indiferente a essa realidade. O Rio Grande do Sul está abaixo da meta do Plano Nacional de Educação (PNE), que é ter 85% dos jovens de 15 a 17 anos matriculados nessa fase em 2024 — seria preciso matricular 93 mil estudantes por ano para alcançar esse patamar, estima o governo gaúcho.
Ao analisar os boletins de frequência das turmas de 2º e 3º ano do Ensino Médio do Julinho, Gina identificou os que estavam com muitas ausências e partiu em busca dos alunos. Contatou pessoalmente 129 estudantes para compreender os motivos do afastamento.
— Fazer esse contato é parte do trabalho de orientação educacional, o problema é que muitas escolas hoje não têm esse profissional, e ele é um suporte fundamental para os educadores que estão em sala de aula — diz a professora.
Amo o que faço, sei que meu trabalho pode fazer diferença para muita gente.
GINA MARQUES
Professora do Julinho, na Capital
Desde a década de 1980 no magistério, Gina trabalhou com ensino nas séries iniciais durante boa parte da carreira, mas está desde os anos 2000 em cargos de supervisão e orientação. No Julinho, é orientadora desde 2009. O que chama atenção da professora atualmente é a incidência de adolescentes que relatam depressão e síndrome do pânico, mas o principal empecilho relatado pelos alunos ausentes para manter a frequência em aula foi o preço da passagem de ônibus.
— Se nossos alunos não conseguem chegar até a escola, a ação do professor fica limitada. Por isso, é um pouco triste pensar na realidade dessa profissão hoje em dia — desabafa a orientadora, que logo emenda:
— Amo o que faço, sei que meu trabalho pode fazer diferença para muita gente.