Recém-indicado e já sob ataque, o futuro coordenador do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), Murilo Resende Ferreira, foi defendido neste sábado (5) em um tuíte de Jair Bolsonaro. O presidente da República registrou que o economista vai focar na "medição da formação acadêmica e não somente (n)o quanto ele (o aluno) foi doutrinado em salas de aula" — "seus estudos deixam claro a priorização do ensino ignorando a atual promoção da 'lacração'".
Em vídeo transmitido em novembro, logo depois de ser eleito, Bolsonaro atacou as questões do último Enem e disse que, sob sua gestão, o governo vai interferir na prova:
— Podem ter certeza e ficar tranquilos. Não vai ter questão desta forma ano que vem, porque nós vamos tomar conhecimento da prova antes. Não vai ter isso daí.
Encarregado de comandar essa empreitada, Resende é um economista e blogueiro de 36 anos que idolatra o filósofo Olavo de Carvalho e milita nos extremos da direita conservadora, como muitos dos novos integrantes do governo. No final da semana passada, quando veio a público que ele seria o novo diretor de avaliação da Educação Básica do Instituto de Estudos e Pesquisa Educacionais (Inep), seu blog e suas redes sociais começaram a ser escrutinados, trazendo à tona afirmações controversas. Na tarde deste domingo, as páginas de Resende na internet e nas redes sociais estavam fechadas ou apagadas.
Um dos episódios lembrados nos últimos dias foi a participação do economista em uma audiência sobre "Doutrinação Político-Partidária no Sistema de Ensino", realizada em 2016 pelo Ministério Público Federal. Na ocasião, Resende disse que professores brasileiros são desqualificados e manipuladores, que tentam roubar o poder da família praticando a ideologia de gênero e que pregam aborto, incesto e pedofilia:
— Precisa de uma reforma absurda, completa, para limpar toda essa contaminação ideológica até o ponto em que os professores voltem a se preocupar com a sala de aula, e não só com filosofia da educação, ficar discutindo Paulo Freire e a criança do futuro que será um jovem socialista.
Resende teria sido expulso do MBL
Originário de Goiás, onde leciona, Resende fez cursos online de Olavo de Carvalho e integrou o Movimento Brasil Livre (MBL), de caráter conservador. No fim de semana, Renan Santos, um dos fundadores e coordenadores nacionais do movimento, afirmou no Twitter que Resende foi expulso do MBL, por ser um "maluco completo", um "lunático, conspiratório, fora da realidade".
No sábado, o deputado federal Eduardo Bolsonaro, filho do presidente da República, usou as redes sociais para se pronunciar. Afirmou que, com Resende, o Enem vai ser diferente. "Atenção professores: seu aluno que inicia agora o 1º ano do Ensino Médio não precisa saber sobre feminismo, linguagens outras que não a língua portuguesa ou História conforme a esquerda, pois o vestibular dele será em 2021 ainda sob a égide de pessoas da estirpe de Murilo Resende".
Eduardo referia-se a algumas das questões do último Enem que foram alvo dos ataques de Bolsonaro, como uma pergunta sobre dialetos que apresentava como exemplo um dialeto da comunidade LGBT+. Em entrevista antes de assumir o cargo, o ministro da Educação, Ricardo Vélez Rodríguez, já antecipou que dará aval para a consulta prévia das provas do Enem pelo presidente.
— Se o presidente se interessar, ninguém vai impedir. Ótimo que o presidente se interesse pela qualidade das nossas provas.
Para que isso aconteça, Bolsonaro terá que mudar normas administrativas que regem o Enem. E, se quiser evitar eventuais questionamentos judiciais, deverá fazer até mesmo ajustes na legislação. A intenção presidencial provocou reação de educadores, para quem há risco para a credibilidade técnica e o sigilo do Enem.
O Enem até agora
Até 2018, a elaboração das provas era um processo que primava por sigilo e segurança:
— O Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) é realizado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep), subordinado ao Ministério da Educação.
— O Inep publica editais de chamada pública para selecionar professores universitários que contribuirão para a elaboração das questões, depois de passar por um processo de capacitação.
— As questões devem obedecer a parâmetros determinados pelo Inep e precisam ter o aval de um revisor-técnico e de especialistas da área de conhecimento.
— As questões são elaboradas no Inep, no Ambiente Físico Integrado Seguro, espaço de segurança máxima. A área só pode ser acessada após uma série de autorizações e um procedimento de segurança. O acesso é restrito a poucos servidores do Inep e aos colaboradores, e eles só entram na área após atravessar um escâner corporal e várias portas duplas. O acesso é feito por identificação biométrica.
— O Inep testa as questões com estudantes do Ensino Médio, que não sabem estar respondendo a perguntas que podem acabar no Enem, para verificar o grau de dificuldade e a probabilidade de acerto. Parte das questões é descartada nessa etapa. As questões que atenderem a todos os critérios ficam disponíveis para a montagem de provas futuras. As demais são descartadas ou encaminhadas para melhorias.
— Credenciadas nas etapas anteriores, as questões passam a integrar o Banco Nacional de Itens, que tem cerca de 10 mil perguntas
— Meses antes do exame, especialistas do Inep e professores, depois de passar pelos procedimentos de segurança, acessam o BNI e selecionam as questões que vão figurar nas provas.
— Depois de preparada a prova, um servidor do Inep leva o HD com as questões até a gráfica, enquanto outro leva a senha que permite acesso ao HD. Eles viajam separadamente.
— Os funcionários da gráfica são monitorados durante a impressão e têm limitações sobre os locais por onde podem circular, conforme a sua função no processo.
— Depois de lacradas, as provas são armazenadas em estruturas do Exército. O transporte é acompanhado de escolta policial. Até a aplicação, os exames ficam sob vigilância militar.