Insatisfeita com a forma como o sobrinho de 15 anos com Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH) era conduzido em uma escola da rede particular de Porto Alegre, a empresária Maria Regina Araújo decidiu se mobilizar para chamar a atenção contra o problema. Articulou um encontro nesta segunda-feira (18) com a Secretaria Estadual da Educação (Seduc) para entregar cartilhas de alerta e oferecer soluções. Ela também é esposa e irmã de pessoas com TDAH.
Indivíduos com TDAH, reconhecido pela Organização Mundial da Saúde (OMS), caracterizam-se por apresentar grande agitação, impulsividade, dificuldade de prestar atenção ou em terminar tarefas que acabam acarretando prejuízo ao seu dia a dia. Estima-se que 5% da população brasileira estejam nesse grupo. Nas escolas, o TDAH é associado a baixo desempenho, repetência e problemas de comportamento. Estudos sugerem que a condição tem herança genética e está associada ao cérebro, que teria um menor volume.
— Muitas vezes, os professores acham que a criança é preguiçosa ou não tem limites. Mas é preciso ter um atendimento diferenciado, trazendo ela para sentar próximo ao professor, oferecendo mais tempo e outro local para realizar provas, trabalhando a autoestima, porque elas se sentem menos inteligentes — diz Maria Regina.
Não há nenhuma lei específica que aborde a inclusão de pessoas com TDAH — a condição chegou a ser incorporada no texto inicial da Política Nacional de Educação Especial, publicada em 2008, mas foi deixada de lado. O atendimento com salas exclusivas e acompanhamento de perto é garantido apenas para alunos considerados especiais: autismo, altas habilidades (superdotados) ou deficiência (mental ou física).
O cenário é criticado pela advogada especialista em Direito da Educação, Claudia Hakim. Ela diz que há resoluções do Conselho Nacional de Educação (CNE), do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e do Estatuto da Pessoa com Deficiência que abordam a obrigatoriedade de lidar com crianças com transtornos de aprendizagem — guarda-chuva que incluiria o TDAH. O próprio Enem oferece ledor e transcritor para quem tem o transtorno.
— O Brasil não quer abarcar esse aluno na educação especial porque já não dá conta de deficientes, autistas e superdotados. Então, finge-se que não se vê. Mas há jurisprudência para promover alunos que repetiram de ano porque a escola não aplicou tratamento diferenciado — diz a advogada, especialista ainda em neurociências.
A Associação Brasileira de Déficit de Atenção (ABDA) orienta, em cartilha, que as escolas ofereçam apoio pedagógico, realização de provas no início do turno com maior tempo disponível, avaliações na forma oral, que evitem atividades multitarefas e que dividam trabalhos grandes em metas menores. Diz, ainda, que os jovens devem sentar perto de professores, longe de janelas, e receber orientações curtas e diretas.
A Seduc não mapeia o número de crianças com TDAH na rede estadual e confirma que não oferece espaços exclusivos para crianças com o transtorno, mas alega que os estudantes não ficam desassistidos. O aluno suspeito de ter problemas de aprendizagem como TDAH é encaminhado ao Serviço de Orientação Educacional (SOE) da escola, que o direciona a uma Unidade Básica de Saúde para atendimento.
Dentro da instituição de ensino, ele é atendido, sem a necessidade de laudo, no laboratório de aprendizagem, uma sala dirigida por um pedagogo que realiza atividades para quem tem problemas em sala de aula, como evasão, repetência e defasagem de conhecimento, por meio de aulas de reforço no turno inverso. Mas a Seduc não informou o número de escolas estaduais que contam com o espaço.
Já para alunos da educação especial (autistas, superdotados e com deficiência física ou mental), há as salas de recursos especiais, disponíveis em 50% da rede estadual. Nelas, um professor com formação na área é responsável pelas atividades de inclusão e por servir de referência.
Márcia Garcia, assessora pedagógica da educação especial da Seduc, diz que os estudantes com TDAH podem realizar a prova em outra sala de aula, de forma a diminuir os estímulos do ambiente.
— Dentro de cada sala, existe uma diversidade de alunos e cada um tem sua particularidade. O que importa é o professor dar conta de estratégias para que todos aprendam, e não focando em uma necessidade educacional específica. Se o professor diversifica sua maneira de ensinar, certamente, ele atenderá esse público diverso. Não pode ficar restrito a um quadro e um giz — avalia.
Especialista em educação especial, a professora da UFRGS Cláudia Rodrigues de Freitas alerta para o mau uso de remédios — o diagnóstico de TDAH é por conversa, não por exames laboratoriais. Para ela, pais e escola devem prestar atenção à vivência da criança e ao contexto familiar, que podem estar na origem do comportamento hiperativo.
— O risco é perder a criança. Antes de ser medicada, precisa olhar com cuidado para a criança. Vivemos em um mundo rápido e desatento. A escola não é lugar diferente disso. A criança precisa que interrompamos essa aceleração e que olhemos para ela, para a família e para professores — opina.
O QUE DIZ A CARTILHA
São orientações da Associação Brasileira de Déficit de Atenção (ABDA) às escolas:
- Oferecer apoio pedagógico
- Realizar provas no início do turno com maior tempo disponível
- Promover avaliações na forma oral
- Evitar atividades multitarefas
- Dividir trabalhos grandes em metas menores
- Fazer com que alunos nessas condições sentem perto de professores, longe de janelas, e recebam orientações curtas e diretas