Natural de São Paulo, a psicóloga especialista em carreiras Sofia Esteves, 56 anos, acredita que mulheres líderes em organizações têm um desafio para além de suas funções: educar o ambiente em que atuam contra o machismo. É uma opinião que precisa ser levada em conta – afinal, ela é fundadora e presidente do conselho do Grupo Cia de Talentos, império de recursos humanos responsável por recrutar funcionários das maiores empresas da América Latina, além de professora de MBA em RH na Fundação Getulio Vargas (FGV).
— A mulher tem que romper essa mentalidade preconcebida. Há um trabalho a fazer de conquista de espaço. Tem que saber lidar não de um jeito ofensivo, mas que, com naturalidade, mude o status quo de muitos anos — defende.
Sofia, ao lado de Andiara Petterle, vice-presidente de Produto e Operações do Grupo RBS, e Laura Barros, responsável pela inovação global da marca de azeites Gallo, estarão presentes no festival Path, focado em inovação e em criatividade, que ocorrerá neste fim de semana no bairro Pinheiros, em São Paulo.
O evento trará mais de 400 horas de palestras e workshops em temas bastante variados – entre eles, música, comportamento, tecnologia, comunicação, urbanismo, cannabis, literatura, cultura maker, design, feminismo, movimentos negro e LGBTQ+ e arte.
Sofia, Andiara e Laura irão conferir a palestra Os Desafios das Novas Lideranças Femininas – O Que Já Mudou e o Que Precisamos Fazer Mudar? neste sábado (19), às 13h45min, na Casa RBS de Comunicação.
Nesta entrevista concedida a GaúchaZH por telefone na tarde desta sexta-feira (18), Sofia fala da mulher nas organizações. Confira os principais trechos:
Pesquisa da McKinsey divulgada em fevereiro mostrou que empresas com mulheres na liderança têm 21% mais chances de atingir lucros acima da média. Por quê?
Isso mostra que, quando falamos de mulheres, empresas com diversidade na forma de agir sempre vão se tornar mais produtivas, porque abarcam novos olhares. Homens têm certa estrutura mental mais racional. Já mulheres, uma estrutura com mais emoção e sensibilidade para perceber ambientes e cultura. A junção de habilidades complementares sempre ajuda a ter melhores resultados.
Na sua opinião, há diferenças na liderança do homem em relação à da mulher?
Há diferenças nas estruturas mentais, mas nunca nada generalizado. Cada ser humano é resultado de sua história de vida, educação e experiência. Há muitos homens com sensibilidade e mulheres sem sensibilidade. Mas o que percebo é que existem estilos de liderança. A mulher, pelo próprio instinto maternal, tem um olhar a mais para acolhimento, escuta, leitura de ambiente. Onde as mulheres são líderes, normalmente há mais espaço para troca, as coisas são ditas de maneira mais clara, o ambiente é mais acolhedor, há mais informalidade e as estruturas são menos rígidas. Mas, de novo, estamos falando de forma genérica. Existem muitos homens com essas características.
A senhora vê que as mulheres, durante muitos anos, precisaram adotar características associadas aos homens, como a assertividade, para se estabelecer nas empresas?
Isso ocorreu muito. As mulheres tiveram que se masculinizar para serem aceitas. Os ambientes eram muito machistas, mas cada vez isso tem menos espaço. O mundo está mudando, hoje se enxerga muito mais claramente a beleza e a importância da diversidade no mundo do trabalho. Não há espaço para esse tipo de mentalidade em que você tem que forjar a personalidade para ser aceito.
Como a senhora analisou a decisão da Alphabet de demitir aquele engenheiro que fez um memorando criticando as políticas de diversidade da empresa? Faria o mesmo?
Eu demitiria ele também. Se você não concorda com a política de empresa, você tem outras formas de reclamar. Ele buscou que isso acontecesse. Não é o fato de criticar a empresa, mas como fazê-lo. Ele deveria ter buscado as pessoas dessa área para contribuir para a empresa pensar diferente. Você tem que olhar: a empresa me representa ou não? As empresas têm que ter o posicionamento que quiserem. Quem não concorda com esse posicionamento, primeiro tem que buscar as tomadoras de decisão e contribuir com uma forma de agregar. Mas a empresa tem todo direito de ter seu posicionamento. Cabe a mim ver se é de acordo com o meu.
Em quais pontos o Brasil está avançado e atrasado frente a outros países na questão de igualdade de gênero no mercado de trabalho?
Sinto que o Brasil está mais avançado em comparação ao resto da América Latina. Outros países são mais machistas do que o Brasil. Agora, nos EUA e em alguns países da Europa, isso já foi superado. No Brasil, historicamente há um nível de qualificação diferente. Aqui, o número de homens e mulheres que entram no trabalho é o mesmo, mas mulheres desistem de suas carreiras com mais facilidade do que os homens. O brasileiro em geral é mais condescendente em relação ao que homem pode e mulher não.
Quais são os desafios para as novas lideranças femininas nas organizações?
Romper essa mentalidade preconcebida dessa forma de pensar e ter o espaço para a aceitação de maneira a quebrar machismos e preconceitos. Há um trabalho de conquista de espaço. Ainda existe muito machismo. Tem que saber lidar não de um jeito ofensivo, mas que, com naturalidade, mude o status quo de muitos anos. Muitas vezes, ela vai encontrar comentários inadequados. Em vez de se ofender com isso, tem que gerar atitude positiva para que isso não ocorra mais. Tem que contra-argumentar, não dizer que ouviu isso só por ser mulher, mas ir para o embate e trazer um novo olhar.
O que uma mulher deve ter em mente para se tornar chefe em um ambiente onde os chefes são predominantemente homens?
A mulher precisa conhecer suas principais habilidades, além de ter um viés de não cair na armadilha de se achar vítima desse ambiente. Existe muito viés inconsciente (preconceitos) para as próprias mulheres. Há quem diga que não foi promovida por ser mulher, que é olhada diferente. Quando se pensa isso, tira-se a responsabilidade diante do resultado que deveria ter dado. O fato de ser mulher não isenta você de dar resultado.
A senhora escreveu um texto sobre uma pesquisa da FGV que apontou que metade das mulheres são demitidas em até dois anos após usufruírem da licença-maternidade. O que fazer para evitar a demissão?
É preciso continuar os mesmos resultados e comprometimentos independentemente de ser mãe. Mesmo sendo mãe, ela é mulher, profissional, precisa continuar a dar conta dos outros papéis. Precisa estar atenta à performance dela. É claro que é revoltante, mas é preciso aprender a se equilibrar nos diversos papéis que ela vai ter. Precisa olhar para si e ver como vai dividir o seu tempo com as outras responsabilidades, buscando apoio no companheiro, na família.
Mulheres, além de terem que se esforçar no trabalho, acumulam funções em casa, sobretudo o cuidado com os filhos. Como conciliar a maternidade e a carreira?
A mulher acaba acumulando, mas deve ter senso de administrar o tempo. Tive dois filhos, já com a minha empresa, e precisei aprender como todo mundo. Independentemente de ser mãe ou não, os clientes e os funcionários tinham expectativa sobre mim, e eu queria dar resultados. Você tem que ver o momento em que você está, o número de filhos, se a carreira é importante _ enfim, a vida que você quer ter. E deve chamar os interlocutores para ajudar, como o marido. Em alguns momentos, você tem que dar mais atenção para o filho. Em outras, para a carreira.
Sou mulher e descobri que um colega homem na mesma posição ganha mais do que eu. O que faço?
Você primeiro vai entender se as funções e responsabilidades são realmente iguais às suas. Se forem exatamente a mesma coisa, tem que procurar o chefe e entender, de forma respeitosa, por que isso acontece. Se ele entende que o colega entrega mais valor, o que preciso entregar melhor para ter o salário equiparado? Se entregamos o mesmo, temos que ganhar igual.