Durante 38 anos, Jorge Luís Dias da Cruz, 65 anos, escondeu dos seus subordinados algo que não falava por vergonha: ele não sabia ler nem escrever. Para evitar a revelação do segredo, a mulher dele era quem escrevia os relatórios semanais de trabalho a serem apresentados aos superiores de Jorge. Ele se aposentou como sondador (profissional que trabalha com perfurações), há 15 meses, sem jamais contar a situação aos colegas. Só então, decidido a mudar a própria vida, ingressou na Alfabetização de Jovens e Adultos do CIEE-RS. Nesta quarta-feira (18), faceiro por conseguir ler as primeiras palavras, celebrou com os colegas de turma os 20 anos do programa que já ajudou a tirar da escuridão mais de 3,5 mil homens e mulheres.
— Toda a pessoa que não sabe juntar as letras se sente cego. Eu via o ônibus, mas precisava alguém para me dizer o nome da linha. Cinema, só se fosse dublado. E as placas, coisa mais triste não saber o que elas diziam. É o mesmo que estar às escuras. Mudou a minha vida — contou, emocionado.
A mudança de Jorge veio quando um dos filhos leu no jornal a divulgação de novas turmas no CIEE. Apoiado pela mulher Tânia da Cruz, 66 anos, tomou coragem e foi ao posto do Centro de Porto Alegre. Sem saber reconhecer as letras e os sons delas, Jorge começou com dificuldades, que vão sendo superadas a cada nova aula.
– Em pouco tempo, avancei de nível e já consigo ler e escrever pequenas palavras. Dizem que o aposentado aproveita a vida bebendo e fumando. Eu vou aproveitar a minha estudando – resume.
Dependendo do grau de conhecimento do estudante, as aulas _ cujos conteúdos estão relacionados às séries iniciais _ têm duração de seis a oito meses, mas podem ser estendidas. O programa é oferecido em Porto Alegre, nos turnos manhã e tarde, e também conta com parceria de centros comunitários, associações de bairro, escolas, universidades e instituições governamentais.
Felicidade é fazer os temas com o neto
Na celebração dos 20 anos do curso, dez alunos e ex-alunos foram convidados a representarem os colegas. Jorge foi um deles. A servente de escola aposentada Circe Canabarro da Silva, 79 anos, também. Circe começou no CIEE há 12 anos, com a intenção de aprender a escrever corretamente as palavras.
— Cursei até o segundo ano e aprendi um pouco a ler. Mas saí da escola sem saber escrever. Sempre senti falta. Nunca pude mandar uma carta, por exemplo. Ainda não fiz uma, mas estou perto — conta.
Circe escreve frases e parágrafos completos, mas teme redigir textos maiores. É o neto Tales Oliveira, sete anos, quem a ajuda a manter a mente ativa. Todos os dias, a avó pega os temas do menino e os copia para fazerem juntos. Acredita que é uma forma de seguir estudando, já que não frequenta mais a alfabetização _ concluída em 2012.
Apaixonada declarada pelo CIEE, Circe ajudou a criar o grupo de convivência dentro da instituição. O espaço é aberto para alunos e ex-alunos com mais de 60 anos, e oferece atividades diversas, como educação física.
— Saber escrever ajudou a elevar minha autoestima. Hoje, minha felicidade é fazer caça-palavras e os temas com o meu netinho.
Saiba mais
* As oficinas são totalmente gratuitas, incluindo o material didático e o kit individual.
* As aulas são estruturadas por módulos que equivalem aos anos iniciais do Ensino Fundamental (1º ao 4º ano).
* As inscrições estão sempre abertas.
* Os documentos necessários são foto 3x4, comprovante de residência, carteira de identidade e CPF ou certidão de nascimento.
* Endereço: Avenida Borges de Medeiros, 328, 8º andar, Centro, Porto Alegre
* Horário: das 8h às 18h
* Informações pelo fone (51) 3284-7000