A decisão do governo gaúcho de cortar turmas nas escolas estaduais por causa da queda do número de alunos é criticada por pesquisadores da área da educação. Ao justificar a redução de 2.256 turmas, a secretária adjunta de Educação, Iara Wortmann, disse que as medidas vão melhorar a qualidade de ensino, já que turmas maiores trariam ganhos para a "socialização" dos estudantes. Três professores universitários afirmam que as medidas vão na contramão de tudo o que se tem de mais moderno em políticas educacionais.
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A Secretaria Estadual da Educação (Seduc) não confirmou se as mudanças foram embasadas em algum estudo que aponte os ganhos pedagógicos com os cortes. Questionado pela reportagem, o secretário Ronald Krummenauer citou o levantamento feito pelo Tribunal de Contas do Estado (TCE) em 2015, que indica a possibilidade de enxugar turmas. No entanto, a pesquisa dos auditores teve como foco o corte de gastos públicos, e não abordou a qualidade do ensino.
Pesquisadores consultados desconhecem estudos que mostrem decréscimo de qualidade em turmas menores. Professor da Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Fernando Becker afirma que a justificativa de maior socialização soa como "piada" e diz que a única explicação para as medidas é a necessidade de cortar gastos:
– Essa decisão (de cortar turmas) é puramente administrativa, não tem nada de pedagógico. E vai na contramão da história da educação, porque há um entendimento de que a escola precisa cada vez caminhar mais para se tornar um laboratório, e não um auditório. Um local onde o aluno vai para elaborar projetos, discutir em grupos. E isso se faz com poucos alunos em sala.
Em novembro do ano passado, o governo publicou portaria no Diário Oficial do Estado que limita em 16 o número mínimo de alunos para abrir uma turma. Na prática, criou uma regra que possibilitou extinguir turmas abaixo desse patamar, redistribuindo os estudantes em outras classes. Como consequência, também houve a supressão de pelo menos um turno de aula em mais de 300 das 2,5 mil instituições de ensino gaúchas.
Krummenauer, que assumiu a gestão da Educação em maio, defende as mudanças implementadas desde o fim do ano passado e os supostos ganhos pedagógicos com os cortes de turmas. Segundo ele, a orientação da Seduc é que nenhuma sala de aula tenha número de estudantes acima do teto definido pelo Conselho Estadual da Educação, de 25 alunos no início do Ensino Fundamental e até 50 no Ensino Médio.
– A regra geral é de no mínimo 16 alunos, um número que consideramos bom para a socialização dos alunos. Fazendo isso, conseguimos racionalizar recursos e garantir um investimento maior por aluno.
Professor de políticas educacionais da UFRGS, Juca Gil concorda que é preciso racionalizar os gastos, mas diz que o erro do governo está em fazer isso na educação, área que carece de mais investimento. De acordo com ele, ter menos de 16 alunos não seria problema.
– Salas com duas, três crianças realmente trazem um custo muito elevado ao Estado. Mas ter turmas com 11, 12 estudantes é muito positivo porque o professor consegue fazer um trabalho mais personalizado. Agora limitar em 16 alunos e permitir até 50 no Ensino Médio não é pensar em qualidade, é cortar gastos.
Pesquisadora cita movimento semelhante em São Paulo
Professora da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP), Maria Clara Di Pierro participou de um grupo de pesquisa que monitorou o processo de reestruturação das escolas estaduais paulistas no ano passado. Após ocupações por estudantes no fim de 2015, o governo estadual interrompeu o processo de reorganização escolar que previa o fechamento de instituições de ensino. No entanto, o levantamento da Rede Escola Pública e Universidade aponta que no ano seguinte mais de 2 mil turmas foram fechadas.
Segundo Maria Clara, o processo adotado no Rio Grande do Sul é semelhante ao ocorrido em São Paulo: com redução do número de alunos, faz-se a junção de turmas e encerramento de turnos em algumas escolas, com prejuízos à qualidade:
– A lógica dominante nas redes estaduais é de economizar recursos ao máximo, e o principal componente de custos são os recursos humanos. Aqui em São Paulo foi feita a racionalização ao máximo das turmas, o que resultou em classes superlotadas.
Quem está vivendo na prática essa nova realidade é a professora Camila Rodrigues, que dá aulas para o primeiro ano do Ensino Fundamental na Escola Tito Marques Fernandes, em Porto Alegre. Com média de 15 alunos no ano passado, a turma passou para 30 este ano – número acima do teto definido pelo Conselho Estadual da Educação. Para a professora, o processo de alfabetização está comprometido.
– Quando mais crianças na turma, mais difícil é o trabalho porque cada uma tem um desenvolvimento diferente e eu não consigo tempo para atender a todos. A maioria dos alunos não teve acesso à Educação Infantil e provavelmente terá dificuldade no processo de alfabetização – lamenta a educadora.
O secretário da Educação do RS afirma que as coordenadorias da Educação (CREs) foram orientadas a acompanhar as mudanças em todas as escolas e que se algum prejuízo aos estudantes for constatado, mudanças serão feitas:
– Problemas pontuais podem acontecer, e se a gente perceber que ocorreu algum erro, será corrigido. O que não podemos é seguir com uma estrutura de 10 anos atrás.