Foi no feriado de Páscoa que o administrador Ronald Krummenauer, 55 anos, aceitou o convite do governador Sartori para comandar a Secretaria Estadual da Educação (Seduc), uma das áreas mais espinhosas para as gestões estaduais nos últimos anos por conta das dificuldades financeiras e do sucateamento das escolas públicas.
Nascido em Taquara, no Vale do Paranhana, ele é formado em Ciências Contábeis e Administração pela Unisinos e se dedicava a trabalhos de consultoria em gestão. Atuou como colaborador e consultor na área de educação em diversos governos. No de Yeda Crusius (PSDB), ajudou a formular sistemas de avaliação. Na gestão de Tarso Genro (PT), participou do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social, o Conselhão.
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Sem filiação partidária ou pretensões políticas, o ex-diretor executivo da Agenda 2020 diz que não tem preocupação com o resultado de eleições. Entra no governo com o objetivo de dar início a um processo de melhoria na educação no Rio Grande do Sul que possa ter continuidade nas administrações futuras, independentemente de partidos. Aliás, condicionou a aceitação do convite para a secretaria a nenhuma exigência de filiação.
Em entrevista a ZH, concedida no feriado de 1º de maio, Krummenauer disse que não tem a ilusão de que vai conseguir transformar o quadro atual nos 20 meses restantes do governo Sartori. Mas apresentou três caminhos que vão pautar suas ações: buscar parcerias com empresas para investimentos nas instituições de ensino, resgatar o envolvimento dos pais e familiares com a escola e discutir mudanças estruturais que considera necessárias, como no plano de carreira do magistério.
ZH - Que avaliação o senhor faz da gestão Sartori na educação até agora?
Ronald Krummenauer - Acompanho a educação há bastante tempo. Fui diretor do Sebrae RS, depois fiquei um período em instituições ligadas à Fiergs, como a Polo RS Agência de Desenvolvimento, que tinha atração de investimentos mas com alguns projetos de educação, e tenho mais 11 anos de Agenda 2020 (movimento da sociedade civil que propõe ações para o desenvolvimento do Estado). Então, são mais de 20 anos acompanhando governos de um modo geral. Acho que, não só no governo Sartori, mas de um bom tempo para cá, deixamos a educação de lado, principalmente no quesito da qualidade. Nas décadas de 1950 e 1960, eram só 25% ou 30% da população que era alfabetizada ou que tinha acesso à escola. Quando você olha os índices de acesso hoje, mesmo no Norte e no Nordeste, ficam em torno de 90%. Então, se comparar com 40 anos atrás, o Brasil é o país que mais revolucionou nesse aspecto no mundo. Acho que a gente ainda está muito naquela cultura de que ter uma escola já é uma conquista enorme. Mas os anos vão passando, o mercado vai mudando. E quando falo em mercado, não estou dizendo vamos formar gente para trabalhar na indústria ou para trabalhar no comércio, mas para ele ser um empreendedor, um empresário ou outra opção. A questão é preparar esse aluno para essas opções, cada vez mais complicadas. E a gente tem sentido muito o fato de não ter trabalhado a qualidade da educação. Vejo o Brasil e o RS ainda nessa questão quantitativa, neste e em outros governos. No caso do Rio Grande do Sul, ainda tem a pauta conflitante entre o governo e o Cpers. Nem falo sobre o piso, que é algo mais recente, mas de pauta conflitante em vários governos. A gente teve muita troca de partidos e pessoas muito diferentes. Rigotto e Sartori são muito diferentes, mesmo sendo do PMDB. Olívio Dutra e Tarso Genro, do PT, também.
O senhor entrou em um ponto que especialistas em educação costumam falar quando avaliam os indicadores do RS. Muitos dizem que essa"grenalização" política do Estado interfere na educação e é responsável pela falta de um projeto consistente e de longo prazo nessa área. O senhor concorda com essa avaliação?
Acho que isso interfere em tudo, inclusive na educação. Mas nesse aspecto da grenalização, o grande problema não é tu seres gremista ou colorado, o problema é tu achares que o negócio mais maravilhoso do mundo, além de o teu time ganhar, é a derrota do outro. A nossa vibração é muito em cima da derrota do adversário, e isso se reflete em várias coisas do Estado, na educação, por exemplo, a gente não tem continuidade de linha de gestão pública, não tem um projeto de atração de investimentos que vá passando de governo para governo. E isso ficou mais ferrenho na passagem de governo do Britto para o Olívio. Nesse espaço de pouco mais de 20 anos, essas mudanças atrapalham ainda mais. O fato de o RS começar a perder espaço como referência na educação é ainda anterior a esses últimos 20 anos. Éramos referência nas décadas de 1970 e 1980. Há um histórico que, às vezes, é difícil perceber, leva tempo para entender que toda aquela pujança (sobre outros setores) passa pela educação e que a gente vem perdendo espaço. Esse é um aspecto do Rio Grande do Sul, mas tem um sobre o Brasil que, aí, acho que é um pouco de equívoco de decisão. Não resolvemos o problema da Educação Básica e já apostamos muito no curso superior. Não é uma posição de que sou contra a classe menos favorecida entrar na faculdade. Não, não é isso. O que digo é que temos de formar bem essa Educação Básica, de preferência com escolas públicas que possam competir.
Mas como o senhor quer buscar essa qualidade na escola pública do Estado?
A gente tem dificuldade orçamentária, isso é fato. Dizer, daqui a um ano, que não fiz isso ou aquilo porque não me deram dinheiro não faz sentido. Posso dizer isso hoje. Aliás, foi algo que eu disse ao governo: se é para eu só me dedicar à rotina e manter as coisas como estão, não vejo necessidade de assumir, porque perco profissionalmente, o governo não vai ter nenhum acréscimo e cria-se uma expectativa que não vai dar em nada. O aspecto orçamentário não tem muita alternativa. Temos um déficit que só não estourou antes porque sempre se conseguia alguma coisa. Quanto a isso, não me iludo muito, mas não significa não buscar, pedir projetos e programas para gerar recursos. Ministério da Educação poderia ser um caminho, mas também é um governo que está fazendo ajuste fiscal. Não me iludo muito, até porque nem me sinto no direito, com esses anos todos de Agenda 2020 acompanhando gestão pública.
Como fazer, então?
Parcerias. Quando falo em parcerias, refiro-me a um pouco mais do que montar um projeto de parceria público-privada, que, em alguns casos, até poderá ocorrer. Mas tu pegas, por exemplo, um colégio como o Liberato Salzano (Fundação Liberato Salzano Vieira da Cunha), de Novo Hamburgo, que tem excelente qualidade de ensino profissional e, junto ao Sistema S, que reúne Sesc, Senac e Sesi, pode-se dar uma melhorada na educação profissional em termo de resultados, porque a gente vai precisar de profissionais de nível médio no mercado de trabalho, independentemente da decisão das pessoas, até mesmo para operar uma colheitadeira, que hoje é toda informatizada. Não dá mais para formar pessoas com a qualidade educacional que estamos formando. Não posso ignorar que um Sistema S, com recursos, com projetos voltados a seus segmentos, do agronegócio, da indústria, do comércio, não possa ser utilizado. Tenho de contar com a colaboração, por exemplo, desse sistema. Não posso ignorar projetos educacionais específicos, como os da Fundação Thiago de MoraesGonzaga, com a questão da educação no trânsito, ou o sindicato das escolas de inglês, que toparia desenvolver um projeto em comum para ir além do básico em inglês nas escolas. Hoje, o aluno começa no verbo to be, termina o ano e, no ano seguinte, começa de novo pelo to be.
Essas parcerias seriam também na área pedagógica ou ficariam restritas à formação técnica?
Aí vai depender de o quanto a gente pode avançar nessas questões. Vejo duas opções: uma é negociar mudanças dentro dessas quatro horas que o aluno fica na escola: das 8h ao meio-dia; a outra é dentro de um conceito de educação integral, em que em algumas escolas a gente pode oferecer inglês,ou quem sabe algo dentro de parcerias com Esporte e Cultura, ou com os parques tecnológicos, ensinar um pouco mais de TI. Quem sabe até em parceria com empresas que estão dentro desses parques e que têm uma atuação bastante discreta do ponto de vista de participação social. Conheço esses atores,convivi com eles e estou contando com eles, do Sistema S, a organizações sociais, empresas e universidades. Não vejo saída a não ser buscar alternativas para fazer esse tipo de coisa para começar a dar um novo direcionamento à educação. Mas não vou me iludir que em 20 meses eu vá fazer uma revolução. Temos bons exemplos de escolas públicas que têm melhores resultados, que têm práticas de gerenciamento, bons professores e podem, naturalmente, ser reproduzidos. É importante também trazer a sociedade de volta para o jogo, trazer os pais. Não é só abrir a escola no final de semana e deixar usar o ginásio de esportes. Acho isso sensacional, porque dá movimento na escola o tempo todo, mas tu tens de ter uma qualidade maior ali entre as 8h e o meio-dia.
O que o senhor vislumbra como primeiras ações à frente da Seduc?
Vou ter de me inteirar e precisarei de alguns dias para ter o entendimento de uma "empresa" do tamanho que é a Secretaria Estadual de Educação. Já estive várias vezes na Seduc, já ajudei, dentro da Agenda 2020, a montar alguns sistemas de avaliação no governo Yeda Crusius e participei da câmara temática no governo Tarso. Tenho essa vivência com questões públicas estando de um lado do balcão. Estou indo para o outro lado e preciso me inteirar. Agora, a gente vai precisar fazer algumas combinações para o funcionamento dos departamentos sobre o que a gente quer desenvolver e vamos discutir, porque eu não quero entrar ali como o revolucionário. Sei que estou indo para um cargo público, que devo satisfações à sociedade e tenho de ser o mais transparente possível. Nessas questões de rotina, quanto mais existir normalidade de funcionamento, mais tempo terei para buscar parcerias, visitar escolas que são modelos positivos e negativos, ver como funcionam. Sei que temos problemas, principalmente em Porto Alegre e Região Metropolitana, com violência. Sei que essa é uma realidade que degradou e a gente de trabalhar isso. Tem de começar. Quero trazer os pais mais para isso. Lembro da participação da minha mãe na escola, era algo constante, em tudo, de festividade, a buscar as notas e trocar informações com os professores. Meu sonho é que, independentemente de quem vai assumir em janeiro de 2019, esse novo direcionamento, com as parcerias que a gente desenvolver, tenha continuidade. Porque não se trata de uma questão ideológica é de aprendizado para o aluno.
O senhor acha, por exemplo, que a gestão da escola tem de ser tratada como a gestão de uma empresa e o aluno como um cliente?
Não. Quero dizer que nosso objetivo final tem de ser o aprendizado do aluno, e os professores são o principal meio para isso. Temos de valorizá-los e ver como isso pode ser feito numa estrutura de escola. Mas se isso não resultar num aprendizado do aluno, numa boa formação do aluno, nós falhamos.
No ano passado, um movimento de estudantes ocupou escolas no RS e pedia maior participação nas decisões. O senhor vai convidar esses alunos para as definições de políticas públicas?
No sentido de representação, sim. Temos uma democracia representativa no Brasil, então, quando tu vais dialogar com o sindicato dos professores, tu estás dialogando com uma representação dos professores e tens de dar toda a seriedade para isso e tentar construir pautas em comum. O que não dá é reunir 50 mil alunos e exigir que tal pauta seja cumprida. Vamos buscar maneiras de dialogar com eles com representações, sem dúvida nenhuma, porque não acredito que a gente possa mudar a educação do Rio Grande do Sul sem retomar um diálogo com busca pelo entendimento. Acho que a gente está muito conflitivo há muito tempo e, da minha parte, vai ter toda a disposição para construir agendas em comum.
E quanto ao piso salarial dos professores: o senhor vem defendendo o piso, mas isso passa por mudanças no plano de carreira?
Realmente acho que a remuneração de professores tem de ser melhorada e que a gente valoriza muito pouco os professores. Mas, para pagar o piso, temos de modificar algumas coisas. O plano de carreira é de 1974, da época da ditadura. É muito bem elaborado por pessoas mais antigas ligadas à educação e foi realmente uma revolução, porque levou os professores a buscarem o Ensino Superior. Tanto isso é verdade que hoje a maioria dos professores estão nos níveis 5 e 6 que são os com curso superior. A discussão sobre esse plano de carreira, não somente no que envolve a remuneração, é algo que pretendo começar. Como vamos evoluir nisso? Pensei algumas coisas, mas prefiro não adiantar porque acho que isso precisa ser discutido tanto dentro da secretaria, com profissionais que têm mais tempo lidando com isso, quanto comesses outros atores envolvidos. Mas não acredito em milagres. Se a gente não modificar algumas coisas, vamos ficar assim. Quanto ao piso, não dá para acreditar que três governadores, de três partidos diferentes, não pagaram simplesmente porque não quiseram.
Outro ponto que sempre gera polêmica é o aproveitamento dos espaços públicos. Tempos atrás, cogitou-se fechar escolas para remanejar alunos e diminuir despesas. O que o senhor pensa a respeito?
Acho racional se pensar nisso. Se eu falar neste momento em fechar escolas estaria sendo irresponsável por não ter este conhecimento de realidade. Mas se uma escola tem poucos alunos e que podem ser remanejados de maneira racional, a gente tem de ver. Quando falo em remanejar de maneira racional, não posso colocar um aluno da Zona Sul na Protásio Alves. Não pode ser assim: "essa escola tem estrutura para 200 alunos, mas tem 30, manda fechar". Não é uma discussão racional se ela for unicamente financeira. Temos de buscar alternativas, sem ranço ideológico. Esse novo direcionamento, mais voltado à educação do século 21, um trabalho com a sociedade, buscando parcerias, é o trabalho que eu quero desenvolver.
A Agenda 2020 fala em uma remuneração atrelada ao desempenho. O senhor defende algum tipo de meritocracia ou bônus aos professores?
Acho a palavra meritocracia muito vinculada à iniciativa privada. Não é discordância, mas um pouco daquilo de não tratar aluno como cliente e não administrar escola como empresa. Na minha avaliação - e é esse o contexto da Agenda 2020 -, isso deve ser trabalhado dentro dessas discussões sobre o que precisamos fazer diferente, inclusive para ir ao encontro de uma valorização maior do magistério. É mais um item a ser discutido. Está na hora de a gente começar a verificar se a professora Maria é muito melhor do que a professora Paula e o quanto é mais ou menos merecido que, ao longo da carreira, ela consiga descolar uma remuneração. A maneira de fazer isso tem de ser discutida, mas está dentro de um contexto de plano de carreira.
O senhor falou que está "indo para o outro lado do balcão", mas sempre teve contato com a gestão pública na educação. Antes de mudar de lado, que pontos o senhor acredita que são os mais preocupantes na gestão pública do setor?
Algumas coisas já comentei, como esse conflito do Magistério com o governo. Acho preocupante e temos de buscar melhorar isso exaustivamente. Aí me perguntaram: "Mas é o senhor que procura o sindicato ou o sindicato procura o senhor?". Não sei muito como é o ritual, mas o fato é que se agente construir uma agenda com os professores, como é que não vai chamar o sindicato? A mesma coisa o contrário. Se tiver uma demanda do sindicato em que o governo é chave, como não vai procurar o governo? O relevante não é quem ligou, mas marcar a conversa. Outro ponto: na Educação Básica, de um modo geral, nos acostumamos a exigir pouco em termos de retorno em educação. Isso para mim é inaceitável como sociedade. E como a classe média, mais crítica, resolve a questão colocando os filhos na escola privada, mesmo que ela não seja lá essa maravilha, então, a qualidade ficou assim.