Às vésperas de mais um Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), o Ministério da Educação (MEC) divulgou um dado que merece a atenção de quem vai encarar as provas nos dias 5 e 6 de novembro. Cerca de 10 mil redações receberam nota zero na edição de 2015 porque violaram direitos humanos em suas propostas de intervenção social para o tema A persistência da violência contra a mulher na sociedade brasileira. De acordo com o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Anísio Teixeira (Inep), o critério representa 20% das anulações, aplicadas diante de textos que incitavam a violência pelo caminho do "olho por olho, dente por dente" ou por ideias ao estilo "justiça com as próprias mãos".
Professora de redação do Universitário, Maria Tereza Faria acredita que esse cenário esteja muito ligado à falta de orientação dos participantes, que muitas vezes desconhecem a proposta da redação do Enem, mesmo que ela esteja estampada no enunciado da prova, e acabam colocando opiniões e soluções sem o cuidado de avaliá-las pelo critério exigido. Aí, corre-se o risco de recair em preconceitos ou ações discriminatórias e agressivas, algo bem frequente em comentários e discussões em redes sociais. Em 2015, algumas das redações nota zero sugeriram castigos para infratores de leis de proteção à mulher, como linchamento, mutilação, tortura e execução sumária.
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– Por mais que a gente saiba que esse pensamento existe na sociedade, não dá para colocar isso numa prova. Preconceito, incitação à violência, não pode. Supondo que o candidato tenha esse tipo de preconceito, sugiro que, ao menos na prova, ele pense que está produzindo uma peça ficcional e não escreva essas coisas – diz Maria Tereza.
A professora aposta que um bom caminho para alimentar argumentos consistentes é focar na leitura, procurando artigos e sites confiáveis e de qualidade, mas não somente fontes que se tem afinidade de posicionamento:
– É importante buscar opiniões contrárias, até para poder refutá-las num texto.
À frente das aulas de redação do Colégio Vital Brazil, de São Paulo, o professor Tiago Moreira Gomes sugere que os estudantes também procurem informações sobre questões básicas de um Estado, como o papel dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário e as relações entre eles. Isso, segundo ele, pode evitar soluções descabidas para o problema proposto na prova, algo que pode comprometer a nota, já que o exame pede soluções possíveis de serem executadas.
– Para analisar questões complexas, o aluno precisa de um universo de leitura que aborde cidadania. Sem isso, ele acaba no senso comum de um discurso violento – reforça Gomes.
Risco aumenta com ânimos acirrados
Autora de uma das redações nota 1.000 no Enem 2014, a estudante de Letras da UFRGS Giovana Segat, 19 anos, lembra que durante a preparação para o exame buscou noções sobre direitos humanos e não descuidou da leitura sobre atualidades. Ainda assim, não considerou "uma barbada" dissertar e argumentar sobre Publicidade infantil em questão no Brasil, tema daquele ano.
– Como o tema foi muito inesperado, observei bastante os textos de apoio para sustentar o meu e esqueletei as minhas ideias antes de escrever. Mas é muito importante ler de tudo um pouco e entender como funciona a redação do Enem, que é bem diferente da cobrada nos vestibulares – diz.
Professor de redação do Sistema Farias Brito de Ensino, Sousa Nunes relembra que não é de hoje a dificuldade de participantes do Enem na hora de apresentar uma solução para a questão proposta sem incorrer em violação de direitos humanos ou ideias mirabolantes, mas ele ressalta que, em tempos de ânimos acirrados nas redes sociais e de violência urbana em índices alarmantes, esse risco aumenta e o candidato precisa ficar atento a armadilhas, principalmente porque, no Enem, mais do que em outras avaliações, a abordagem temática recairá sobre assuntos que exigirão sempre um posicionamento claro e propositivo.
– O aluno tem de investir numa solução socioeducativa e esquecer a prática vingativa. Os que transgridem o viés humano vão zerar seus textos – alerta.
Competências avaliadas na redação do Enem
1) Demonstrar domínio da modalidade escrita formal da Língua Portuguesa.
2) Compreender a proposta de redação e aplicar conceitos das várias áreas de conhecimento para desenvolver o tema, dentro dos limites estruturais do texto dissertativo-argumentativo em prosa.
3) Selecionar, relacionar, organizar e interpretar informações, fatos, opiniões e argumentos em defesa de um ponto de vista.
4) Demonstrar conhecimento dos mecanismos linguísticos necessários para a construção da argumentação.
5) Elaborar proposta de intervenção para o problema abordado, respeitando os direitos humanos
A nota
O texto será avaliado, pelo menos, por dois professores, que não terão acesso à avaliação um do outro. Cada avaliador atribuirá uma nota entre zero e 200 pontos para cada uma das cinco competências. A soma desses pontos definirá a nota total de cada avaliador, que pode chegar a 1.000 pontos. A nota final do participante será a média aritmética das notas totais atribuídas pelos dois avaliadores
A redação recebe nota zero se apresentar uma das seguintes características
* Fuga do tema
* Não obedecer à estrutura dissertativo-argumentativa
* Extensão de até sete linhas
* Ser cópia de texto motivador
* Conter impropérios, desenhos e outras formas propositais de anulação
* Conter parte deliberadamente desconectada do tema proposto
* Desrespeitar direitos humanos
* Folha de redação em branco, mesmo que haja texto escrito na folha de rascunho.
Fuga do tema
Características da redação na qual nem o tema nem o assunto mais amplo relacionado ao tema são desenvolvidos.
Enem 2013
Tema: Efeitos da implantação da Lei Seca no Brasil
O texto tratou, por exemplo, exclusivamente do problema de segurança no trânsito, da ingestão de álcool, sem associá-la às leis de trânsito ou à Lei Seca
Enem 2014
Tema:Publicidade infantil em questão no Brasil
O autor tratou exclusivamente, de consumismo; publicidade; infância; liberdade de expressão; exploração sexual infantil; ou trabalho infantil.
Enem 2015
Tema: A persistência da violência contra a mulher na sociedade brasileira
Incorreu em fuga ao tema a redação que tratou exclusivamente de violência, sem mencionar o recorte de gênero "contra a mulher" ou da violência contra a mulher em diferentes países sem mencionar o Brasil.
Propostas observadas nas redações nota zero do Enem 2015, em que o tema foi A persistência da violência contra a mulher na sociedade brasileira:
– "ser massacrado na cadeia"
– "deve sofrer os mesmos danos causados à vítima, não em todas as situações, mas em algumas ou até mesmo a pena de morte"
– "fazer sofrer da mesma forma a pessoa que comete esse crime"
– "deveria ser feita a mesma coisa com esses marginais"
– "as mulheres fazerem justiça com as próprias mãos"
– "merecem apodrecer na cadeia"
– "muitos dizem [...] devem ser castrados, seria uma boa ideia"
Fonte: Inep