Com a voz embargada, na tribuna da Assembleia Legislativa do Paraná, a estudante Ana Júlia Ribeiro buscou mostrar o que significam as ocupações de escolas, institutos federais e universidades. O movimento, que começou no Estado paranaense há pouco menos de um mês, espalhou-se pelo Brasil.
– A nossa bandeira é a educação, a nossa única bandeira é a educação. Somos um movimento apartidário, dos estudantes pelos estudantes. Somos um movimento que se preocupa com as gerações futuras, com a sociedade, com o futuro do país – disse aos deputados a secundarista de 16 anos, na quarta-feira, cujo registro em vídeo viralizou nas redes sociais.
No país inteiro, a União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (Ubes) contabiliza 1.154 instituições ocupadas – destas, 845 estão em território paranaense. Como novas ocupações, desocupações e reintegrações de posse são recorrentes, o número não é preciso.
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No Rio Grande do Sul, por exemplo, a última contagem indicava 14 locais, mas não considerava a mobilização dos estudantes do Instituto de Letras da UFRGS, iniciada na manhã de quarta-feira. A pauta de reivindicações está conectada com a dos outros locais: veto à proposta de emenda à constituição (PEC) 241, que cria um teto para os gastos públicos, limitando o aumento à inflação, e à medida provisória (MP) 746, que institui a reforma do Ensino Médio.
– Nossa ocupação é diferente da feita pelos secundaristas no semestre passado, pois abrange uma pauta maior – afirma a estudante de Letras da UFRGS Maíra Blume, fazendo uma comparação entre as reivindicações mais específicas vistas em maio e junho no Rio Grande do Sul e as pautas nacionais apresentadas agora.
A UFRGS, no mês passado, teve a reitoria ocupada durante nove dias devido ao projeto de mudança no sistema de cotas. A alteração mais polêmica acabou sendo retirada por uma emenda elaborada pela própria instituição, e o prédio foi desocupado.
– O fato de ver que surtiu um efeito e trouxe uma modificação do parecer nos dá motivação para continuar e conseguir mudanças – acrescenta Maíra.
A particularidade que faz do Paraná o local com mais instituições ocupadas é o acúmulo de demandas em relação à administração estadual. Em abril do ano passado, um protesto de servidores contra medidas do governo Beto Richa (PSDB) terminou com centenas de feridos, o que acirrou os ânimos. Atualmente, professores e policiais civis estão em greve.
– No Paraná, tem muita ocupação em escola estadual. No resto do Brasil, em sua maioria, são em institutos federais – afirma Camila Lanes, presidente da Ubes.
Conforme Camila, o movimento reflete uma mudança estratégica:
– Antes, a gente ocupava as ruas, organizava atos e debates. Agora, a gente decidiu ocupar as escolas e tomar um espaço público, que é nosso, para debater com toda a comunidade escolar o que significam essas medidas (PEC 241 e MP do Ensino Médio).
Estudante do Colégio Estadual Protásio Alves, de Porto Alegre, Ana Paula Santos está no Paraná acompanhando as mobilizações.
– É um grande setor que está se mobilizando, manifestando-se nas ruas, mostrando a escola que tem a nossa cara, que é emancipadora, livre de opressão. Ao mesmo tempo, dá uma resposta: a gente está ocupando não porque quer prejudicar a educação, os alunos ou atrapalhar o Enem (Exame Nacional do Ensino Médio). A gente está ocupando para garantir que as próximas gerações não percam direitos – relata a secundarista.
Militante do coletivo Juntos!, Ana Paula acredita que as ocupações podem chegar às escolas estaduais gaúchas. Há uma preocupação para que não haja danos a alunos e ao calendário letivo, já que, no Estado, houve movimentos recentes.
– A gente está fazendo o trabalho de base para conscientizar, porque as lutas contra a PEC e a MP tendem a ser nacionalizadas. Acho que, depois que passar o Enem, deve ser lançada uma campanha de ocupar as escolas de todo o Brasil – relata.
Um dos institutos federais ocupados no Rio Grande do Sul foi o da Restinga, em Porto Alegre, no dia 10 de outubro. Na última segunda-feira, porém, os alunos decidiram fazer uma pausa.
– Seguimos com atividades contra a PEC 241, mas estamos trabalhando algumas estratégias, montando comissões, para atingirmos um número maior de estudantes – afirma a estudante Vanessa Lopes, do técnico em Recursos Humanos.
Ela acredita que, em aproximadamente duas semanas, a unidade deve ser mais uma vez ocupada.
No Paraná, servidores que apoiarem ocupações podem responder a sindicâncias
Se as ocupações cresceram, a contrariedade a elas aumentou também se elevou. Na semana passada, representantes do governo paranaense receberam pais e professores que pedem o fim dos movimentos. Foi anunciado, no encontro, que servidores que derem amparo à mobilização e não cumprirem determinações legais responderão a processos administrativos ou sindicâncias.
O momento de maior tensão ocorreu na segunda-feira, quando um estudante de 16 anos foi morto no Colégio Estadual Santa Felicidade, de Curitiba (PR). No mesmo dia, o governo do Estado divulgou um texto afirmando que, "em uma ação rápida e conjunta das polícias Civil e Militar", foi apreendido "o adolescente que confessou ter matado um colega". Conforme o governo, "o suspeito alegou, em depoimento, ter havido um desentendimento enquanto ele e a vítima consumiam uma droga sintética e que, durante a briga, esfaqueou o colega numa tentativa de se defender".
Na quarta-feira, dois dias após a morte, os estudantes paranaenses decidiram, em assembleia, continuar acampados nos colégios estaduais.
Enem 2016
Nesta semana, o ministro Mendonça Filho (Educação) disse que é importante a desocupação das escolas até o dia 31 para que milhares de estudantes não tenham de fazer a prova do Enem em outra data:
– O debate é livre. Mas é verdade também que a liberdade de se manifestar não pode atrapalhar, ou comprometer, o que é bem coletivo, de interesse coletivo. O Enem não pertence ao Inep. O Enem não pertence ao atual governo. É algo sedimentado na sociedade brasileira e que vamos preservar.