O secretário estadual da Educação, Vieira da Cunha, reconheceu em entrevista a Zero Hora que há mais de 100 escolas ocupadas por estudantes no Rio Grande do Sul. Ele anunciou para esta sexta-feira uma reunião com uma série de instituições e entidades, com as quais quer dividir a responsabilidade pela solução do impasse.
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A convocação do encontro, segundo Vieira da Cunha, é uma espécie de Plano B, caso não seja possível negociar com "as lideranças" das ocupações. O secretário disse que fez o convite para o diálogo, mas não obteve resposta. Fabíola Loguercio, diretora de comunicação da União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (Ubes), afirma que desconhece o convite e ressalta que as ocupações "não têm líderes".
Confira a entrevista com o secretário:
Com que tipo de medida a secretaria está trabalhando?
Nós estamos apostando no diálogo com as lideranças estudantis. Já reconheci que os estudantes têm tido pouca vez, pouca voz na definição das políticas, no estabelecimento das prioridades, e estou aberto para receber as lideranças e conversar sobre as reivindicações. O problema todo é que estou convidando para a conversa, mas esse convite ainda não foi aceito. Espero que ele seja e que a gente sente e tenha de conversar. Para relatar o que nós estamos fazendo, as providências que temos tomado, e receber as reivindicações dos estudantes.
Como o convite para essa conversa foi formalizado?
De várias maneiras. Pessoalmente, em algumas escolas que visitei. Em outras, através de alguma liderança. Há uma disposição nossa para sentar e conversar. Mas onde um não quer, dois não sentam. A resposta que eu recebi foi que estão avaliando esse convite, debatendo internamente e que vão me dar um retorno. Mas quando esse retorno vai ser dado, eu não sei.
Além de buscar o diálogo, a secretaria trabalha com alguma alternativa?
Eu fiz um outro movimento, como é do meu dever. Além dessa disposição para o diálogo, tenho de trabalhar com a hipótese de não ser atendido, de eles não quererem conversar e de seguirem indefinidamente com esse movimento. O que eu fiz: solicitei uma reunião com alguns órgãos e instituições com os quais eu pretendo dividir a responsabilidade sobre esse assunto. Eu pedi para me reunir na sexta-feira, às 14h, no meu gabinete, com o Ministério Público, a Defensoria Pública, a Procuradoria Geral do Estado, o Conselho Tutelar, o Conselho Estadual de Educação e a Federação de Associações de Pais e Mestres. A pauta específica são as ocupações, para que a gente possa discutir essa situação e compartilhar com eles as providências eventuais que terão de ser tomadas.
De que forma essa conversa facilitaria algum encaminhamento?
Vai depender da conversa. Vou expor a situação e vamos debater o assunto. Só vou poder dar a resposta depois da reunião.
Por exemplo, quando o senhor convida o Conselho Tutelar, é porque entende que o Conselho Tutelar teria alguma ação envolvendo os menores de idade?
Compete aos conselheiros tutelares, de acordo com o Estatuto da Criança e do Adolescente, zelar pelos direitos das crianças e adolescentes, e um dos principais direitos é o estudo, o direito à educação, que nessas escolas ocupadas está sendo negado. Está sendo inviabilizado. Então entendo que esses órgãos e instituições, cada um com as suas competências e responsabilidades, podem ajudar na solução desse impasse. Podem e devem.
O fenômeno das ocupações, aqui no RS, teve uma abrangência geográfica que não se viu em Rio e São Paulo, onde o movimento foi mais concentrado nas grandes cidades...
Mas aqui a concentração é grande também nas cidades. Tem pouco mais de 100 escolas ocupadas e dessas aí acho que a metade está em Porto Alegre e na Região Metropolitana. Nós temos coordenadorias inteiras do Interior que não têm nenhuma escola ocupada. Também há um fenômeno de concentração aqui.
Mas quando se pega o exemplo de São Paulo e Rio, o movimento ficou mais concentrado na Capital ou no entorno. Aqui ele está em várias regiões. Que mecanismo pode ter colaborado para que até em municípios muito pequenos tenho havido essa mobilização?
Para chegar a uma conclusão, só analisando caso a caso. O movimento é heterogêneo. Há uns que têm vinculação evidente com partidos políticos, por exemplo. Há outros que não têm, que está despartidarizado. Alguns se movem por questões internas da escola, alguns reclamam do autoritarismo da direção. Outros reclamam de questões políticas mais gerais, ligadas ao que chamam de golpe contra a presidente da República. Então tem de tudo um pouco. Para analisar, tem de ser caso a caso, cada ocupação vai ter as suas motivações e vai ter as suas lideranças, as suas especificidades.
O senhor identifica algum partido como mais presente no movimento?
Há alguns partidos presentes. Tem alguns que elaboraram até manual de ocupação.
Nesse caso, foi o PSOL.
É público. Não sou eu que estou falando, é público.
Esse movimento apareceu em simultâneo com a paralisação do CPERS. No dia da assembleia em que foi decretada a greve dos professores, houve também, No Gigantinho, uma plenária da Ubes a partir da qual se espraiaram as ocupações. O senhor vê uma relação do movimento dos alunos com o dos professores?
É natural que haja. É natural que haja essa solidariedade dos alunos que são mais politizados com as reivindicações do magistério.
Esse seria o fato novo, a articulação entre os dois?
Não penso que seja, porque em outras vezes também houve manifestações de solidariedade aos professores das lideranças estudantis mais engajadas politicamente. O fato novo é a ocupação, mas não as declarações de apoio e solidariedade.
Chega à secretaria muita pressão de pais e alunos que querem a retomada da normalidade?
Claro que chega. Tem chegado às coordenadorias. O episódio do Parobé (onde alunos contrários à ocupação conseguiram acabar com o movimento) foi um que demonstrou uma clara divisão dentro da própria comunidade escolar. Isso está ocorrendo em muitas escolas. Há uma divergência entre esse grupo que quer ocupar e outros que querem estudar. Em alguns casos, como é o caso do Parobé, e é bom que seja assim, a própria comunidade resolveu. Em outros talvez seja necessário que haja algum tipo de mediação, que a secretaria está sempre disposta a fazer.