Com os games a favor O novo posicionamento da Fundação Maurício Sirotsky Sobrinho resultou de uma reflexão sobre o papel central que o desenvolvimento de crianças e jovens terá para a inserção do Brasil em um mundo em transformação permanente. A instituição também apresenta hoje seu novo logotipo.
Há dois anos, o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) publicou um estudo sobre as taxas de evasão escolar nos diferentes países. Como em tantas outras estatísticas educacionais, o resultado foi embaraçoso para o Brasil. Aqui, de cada quatro crianças que ingressavam na escola, uma abandonava os estudos antes de completar o Ensino Médio - o terceiro pior índice entre as cem nações de maior desenvolvimento humano.
Dados como esse têm servido de combustível para um debate crucial no Brasil de hoje, o da necessidade de transformar a escola em um ambiente no qual o jovem seja um protagonista, em que se sinta conectado com o mundo e em que encontre suporte e ferramentas para construir seu futuro. Em outras palavras, uma escola que tenha um real significado para ele e da qual não tenha razões para desistir.
Os últimos anos têm sido pródigos em iniciativas desenvolvidas com o propósito de avançar nessa questão. A mais recente delas vem da Fundação Maurício Sirotsky Sobrinho, que anuncia hoje uma mudança de foco em suas atividades, voltando-se para ações educacionais inovadoras, com base na ideia de que o conhecimento transforma. Como parte desse novo posicionamento, a instituição prepara para 2015 o lançamento de uma série de projetos que pretendem mobilizar alunos, professores e escolas públicas do Rio Grande do Sul e de Santa Catarina, como um game digital (a partir de maio). A presença nas redes sociais também será reforçada.
- A Fundação tem de gerar impacto na sociedade, mobilizar para o conhecimento. Estamos dando uma amplitude maior para o foco de educação, valorizando também o conhecimento em seu sentido abrangente. A essência da transformação passa pela educação e pela agregação de conhecimento para os jovens e para a sociedade em geral - explica o presidente da Fundação, Nelson Sirotsky.
A preocupação em construir pontes entre o mundo da escola e o mundo em que o estudante vive é um fenômeno global, tornado urgente porque o mundo do jovem mudou. As atuais gerações são tecnológicas e superconectadas. Luciano Meira, professor da Universidade Federal de Pernambuco, observa que é preciso incorporar isso à rotina da sala de aula:
- A escola é parte do mundo real, mas não se harmoniza com os significados e os propósitos que os jovens têm construído fora dela. Ela tenta afastar de si os instrumentos que o jovem usa no seu dia a dia, como o smartphone. Se a escola soubesse como incorporar isso, seria a melhor saída. Mas não sabe, porque pouca coisa das tecnologias de comunicação e informação foi desenhada para o ensino. Precisamos começar a desenhar coisas especificamente para o ambiente da escola, reconhecendo as formas com que alunos, professores e gestores se articulam dentro daquele ambiente.
Meira colocou a ideia em prática como fundador da Joy Street, uma startup que atua na área da gamificação da aprendizagem - isto é, o uso de games para estimular o jovem a aprender. Na empresa, ele desenvolveu a Olímpiada de Jogos Digitais de Educação, uma plataforma na internet que promove torneios entre estudantes. Os jogos, desenvolvidos do zero, exploram as competências exigidas na Prova Brasil e no Enem. O princípio é que os próprios estudantes formem equipes e convidem um professor a participar, envolvendo dessa forma a escola. O jogo já foi usado em Pernambuco, no Rio de Janeiro, no Acre e em Sergipe.
- Qualquer processo de aprendizagem é baseado em motivação. Notamos um engajamento fortíssimo dos alunos. No Rio, os meninos saíam da aula e iam para a lan house jogar as olimpíadas, às vezes com contas feitas pelo seu professor - relata Meira.
Projetos como esse são transformadores para os jovens. Tome-se como exemplo Anna Luíza Ferreira, 19 anos. No ano passado, quando era aluna da Escola Municipal Liberato Salzano Vieira da Cunha, de Porto Alegre, ela inscreveu-se para participar do Go Code, uma iniciativa da Fundação Maurício Sirotsky Sobrinho. Selecionada, participou de um curso de linguagens de programação de computador, o que a levou ao atual emprego, em uma empresa de desenvolvimento de softwares, e descortinou diante de si um universo novo.
- Para ganhar o certificado, tinha de desenvolver um jogo que rodasse no computador. Foi gratificante apresentar para a banca e ver que aquilo que a gente havia feito rodava. Neste ano, vou fazer o Enem, para entrar em um curso universitário de programação - anuncia Anna Luiza.
O presidente do Grupo RBS, Eduardo Sirotsky Melzer, destaca:
- Com o novo conceito, queremos estar mais perto dos jovens e contribuir para a evolução da sociedade. Os novos projetos estimulam a conexão com o conhecimento, porque nosso desejo é conectar ainda mais a escola e o jovem com o futuro.
Entrevista: Mozart Neves Ramos, diretor do Instituto Ayrton Senna
Um dos educadores mais respeitados do país, o professor Mozart Neves Ramos, da Universidade Federal de Pernambuco, concedeu a seguinte entrevista a ZH.
O quanto a escola brasileira está distanciada da realidade do aluno?
Costumo dizer que o Brasil tem uma escola do século 19, um professor do século 20 e um aluno do século 21. O desafio é trazer escola e professor ao século 21. Por esse motivo, a preocupação da Fundação Maurício Sirotsky Sobrinho é extremamente correta e atual. Se um cirurgião que morreu há 200 anos ressuscitasse em uma sala de cirurgia moderna, ele não saberia nem por onde começar. Mas se um professor que morreu há 200 anos ressuscitasse na sala de aula de hoje, talvez a única coisa que notaria de diferente seria a cor da lousa, agora branca em algumas escolas.
Essa falta de modernização ajuda a explicar os problemas de reprovação e evasão?
Uma pesquisa feita pelo Marcelo Néri, professor da Fundação Getúlio Vargas, mostra que 40% dos alunos que se evadem fazem-no por desmotivação. O jovem quer uma escola que caiba na vida, uma escola que consiga dialogar com o mundo em torno dele. Mas a aula de hoje, principalmente no Ensino Médio, é uma aula muito chata.
Como mudar essa realidade?
Em primeiro lugar, precisa-se rever o currículo, inchado de disciplinas. Principalmente no 2º e no 3º ano do Ensino Médio, quando o jovem já está se preparando para a universidade ou para o mercado de trabalho, deveria ser oferecida a ele maior flexibilidade, de acordo com seus interesses para o futuro.
A transformação da escola também passa pela incorporação de tecnologias?
O que mais se percebe no mundo dos jovens é a presença das várias mídias. Há muito mais informação, e ela está disponível além da sala de aula ou da biblioteca. A tecnologia é o meio para alcançá-la. O professor teria mais a função de ser um tutor, um mediador desse processo. O jovem de hoje quer ser protagonista. É preciso dar a ele um cotidiano dinâmico e estimulante à aprendizagem.
Foco renovado
Foram definidos cinco princípios que vão nortear a Fundação a partir de agora:
- Aproximação com o jovem
- Tudo conectado/Digital
- Experimentação/ Inovação
- Ampliar o significado da Educação
- Compartilhamento/Colaboração
Ao longo deste ano, serão lançados vários projetos com foco em educação e desenvolvimento comunitário, voltados para escolas públicas e englobados em uma única plataforma:
- Viabilização de projetos de baixo custo propostos pela comunidade escolar
- Oficinas de formação de professores em novas metodologias de construção coletiva
- Reunião de jovens empreendedores com desenvolvedores e designers, para criação de produtos digitais de transformação social
- Produção de vídeos por estudantes
A TRAJETÓRIA
1982 - Nasce a Fundação RBS
1987 - Um ano após a morte do fundador do Grupo RBS, a instituição passa a chamar-se Fundação Maurício Sirotsky Sobrinho
1988 - Campanha Paternidade Consciente e Valorização da Vida, parte do Programa Geração 21
2003 - Campanha O Amor é a Melhor Herança. Cuide das Crianças
2005 - Lançamento do Portal Social e da campanha Educar é Tudo
2010 - Criação do Instituto Crack Nem Pensar
2012 - Lançamento da bandeira institucional A Educação Precisa de Respostas
2013 - Prêmio RBS de Educação - Para Entender o Mundo
2014 - Projetos Leitura na Cabeça, para valorizar o ingresso na escola, e Go Code, de formação digital de jovens
2015 - Reposicionamento com foco na educação, baseado no lema Conhecimento Transforma