O pontapé inicial da Copa do Mundo, projeto do cientista Miguel Nicolelis, que prometia fazer um paraplégico andar passou despercebido na abertura oficial do evento.
A transmissão oficial não valorizou o feito e mostrou apenas alguns momentos em que o paciente vestindo o exoesqueleto chuta uma bola. Nas imagens não fica claro se ele caminhou ou não com a veste robótica - o corte expôs apenas o momento do chute. A promessa inicial do trabalho era de que ele iria caminhar até a bola para chutar a brazuca. O projeto foi financiado pelo Finep ao custo de R$ 33 milhões.
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No Twitter, o cientista comemorou o feito:
Oito pacientes do projeto Andar de Novo disputaram, em testes na Associação de Assistência à Criança Deficiente (AACD) de São Paulo, a chance de dar o pontapé inicial do maior torneio de futebol do planeta.
Aventado como promessa de Prêmio Nobel verde e amarelo, Nicolelis vinha comparando sua empreitada à de colocar o homem na Lua. No Twitter, os 25 mil seguidores do pesquisador da universidade americana de Duke acompanharam tanto o progresso da pesquisa quanto manifestações de indignação contra a imprensa e ex-colegas, a quem chegou a chamar de "zés manés".
O início da polêmica data de julho de 2011, quando 10 pesquisadores - e com eles dezenas de estudantes e técnicos - abandonaram o Instituto Internacional de Neurociências de Natal Edmond e Lily Safra (IINN-ELS). Os retirantes ganharam espaço na imprensa com relatos de que Nicolelis era autoritário na condução do IINN, negando acesso a equipamentos e centralizando decisões.
Liderada por Sidarta Ribeiro, ex-orientando de Nicolelis, a turma criou o Instituto do Cérebro da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). O racha foi polarizado, de um lado, por acusações de "miguelomania" e concentração de recursos; de outro, a defesa de Nicolelis como um dos operários da autoestima do país.
O neurocientista vinha reclamando do que Nelson Rodrigues chamou de "complexo de vira-lata" do brasileiro: uma inarredável tendência de cuspir em si mesmo. Alegando agenda lotada, Nicolelis negou conceder entrevista à Zero Hora em maio, e no Instituto do Cérebro da UFRN os pesquisadores estão orientados a não comentar o assunto. Dez especialistas na área responderam o mesmo à revista Wired, que precisou garantir anonimato para que um "proeminente neurocientista" opinasse que o tópico envolve "orgulho pessoal, ciúmes e dinheiro".
Não foi por falta de aviso
Estudiosos da interação cérebro-máquina alertaram que, se a proeza for traduzir para um robô sinais simples ("iniciar" e "parar"), a abertura da Copa apresentaria o que, sem tanto alarde, outros projetos já vêm fazendo.
- Será uma mostra de robótica extravagante, provavelmente pré-programada, não de controle cerebral - disse Andrew Schwartz, da Universidade de Pittsburgh, na revista MIT Technology Review.
Contatado, Schwartz respondeu que prometeu a si mesmo "ficar fora disso".
Nicolelis planejava implantar cirurgicamente eletrodos no crânio dos pacientes. Foi assim que, em 2008, ele fez a macaca Idoya controlar, a partir dos Estados Unidos, os passos de um robô no Japão. Para amainar o receio de reações inflamatórias em humanos, ele estudou a resposta do tecido cerebral de ratos, concluindo em favor dos eletrodos.
Mesmo assim, ele virou a casaca e se rendeu, em outubro, à eletroencefalografia (EEG), que antes criticava. Implantes cirúrgicos demandariam o crivo de órgãos reguladores, burocracia que o prazo até a Copa não recomendava. Agora, os pacientes vestem um capacete com sensores que envelopam o couro cabeludo.
A diferença costuma ser comparada a uma orquestra: se eletrodos escutam a execução isolada de uns poucos instrumentos, a EEG grava o conjunto da sinfonia, mas com um único microfone, instalado fora da sala de concerto.
- Estamos cientes das limitações da EEG, mas decidimos mostrar o que podia ser feito - disse Alan Rudolph, coordenador do Andar de Novo e vice-presidente de pesquisa da Universidade do Colorado.