Uma sapataria da cidade de Cajazeiras, onde a Paraíba já é quase Ceará, vai fechar as portas sem que o dono saiba por quê. Sem que nada à vista pudesse explicar, os clientes foram diminuindo, e não é como se os 60 mil moradores optassem, de um dia para o outro, tentar a vida descalçados. É que chegou em Cajazeiras um competidor invisível, de nome Netshoes.
O caso quem conta é Eduardo Peixoto, executivo-chefe de negócios do Centro de Estudos e Sistemas Avançados do Recife (C.E.S.A.R.), sediado no Porto Digital, ilha que despede as águas densas de terra do Capibaribe, o rio do poeta João Cabral, aos cuidados do mais vasto e ancho mar. É nessa ilha que o C.E.S.A.R., inaugurado em 1996 com um faturamento de R$ 12 mil, se alçou à receita atual de R$ 60 milhões. Não deixa de ser sinal dos tempos que a mercadoria por trás desse crescimento se apresente como inovação.
Profissional trabalha em um dos laboratórios do centro
O que torna lucrativa a venda de inovação é um mercado cada vez mais competitivo, que não pune apenas as sapatarias desarmadas contra a internet. A chegada da Amazon ao país, no ano passado, tem desafiado a criatividade das nossas maiores livrarias, e bastaria uma rede tipo Starbucks aterrissar aqui de vez para que muitos cafés e lancherias tradicionais tivessem destino selado. O governo responde com a Lei da Informática, que concede incentivos fiscais a empresas que investem em pesquisa e desenvolvimento (P&D), mais das vezes com a ajuda de centros como o C.E.S.A.R., onde os "projetos incentivados" representam 60% do faturamento total. Livreiros, entretanto, não são beneficiários prováveis dessa lei.
- Uma livraria precisa inovar com dinheiro privado, sem os incentivos que, por montar computador, tem uma Positivo - critica Peixoto, sugerindo mudanças na legislação.
Mais que vaselinar a relação governo / mercado, mitigar o descompasso entre academia e sociedade é a pedra de toque do centro, que ocupa prédios históricos numa área do Recife que o Porto Digital veio tentar salvar do desalento.
- A universidade brasileira está desconectada da realidade. Os problemas não saem da academia para a sociedade, mas da sociedade para a academia - diz Silvio Meira, cientista-chefe do C.E.S.A.R. e autor do livro recém-lançado Novos negócios [inovadores de crescimento empreendedor] no Brasil.
É essa inversão que o superintendente Sergio Cavalcante alega ao rechaçar comparações com o celebrado Massachussets Institute of Technology (MIT). Aos "problemas da sociedade", o centro responde com drones que analisam linhas de alta tensão (carrascas frequentes dos helicópteros tripulados); monitores que, via celular, controlam pivôs de irrigação instalados no campo; e jogos educativos para as novas TVs da Samsung. E, caso amanhã você embarque num carro autônomo, considere a possibilidade de estar imerso em tecnologia recifense.
- A indústria automobolística tem 100 anos e inova de forma muito incremental. Mas hoje o usuário quer entrar no carro e continuar no mundo digital, no WhatsApp, no Facebook. A indústria está sentindo a necessidade de conectar os veículos, e ela não tem capacidade por si só de se reinventar - diz Peixoto.
Para o cientista-chefe Silvio Meira, a universidade deve ter como fonte de problemas a sociedade na qual está inserida
Entre os clientes do C.E.S.A.R. está a Fiat, junto a empresas como Motorola e Samsung; LG e Philips; Vivo e Oi; Bradesco e Banco do Brasil. Se outras montadoras formarem ainda outros pares de rivais, é só acrescentar confidencialidade ao contrato.
- Evoluímos para a separação de equipes, com segregação de espaços físicos e restrição de acesso - afirma Karla Godoy, diretora financeira.
De fato, não basta a escolta de Cavalcante para conhecer a sala dos drones e dos pivôs de irrigação: o chefe do C.E.S.A.R. precisa pedir um crachá emprestado a um dos engenheiros que trabalha nesses projetos. O centro também evita usar suas descobertas para se lançar ao mercado: assim que um projeto se torna empresa, ele é cuspido para fora, como foi a e-Capture (vendida para o Unibanco, hoje Redecard) e a "fábrica de software" Pitang.
- A gente é muito bom para chegar quase nos finalmentes, mas depois começamos a patinar por ter foco muito aberto. Se exploramos comercialmente um serviço, corremos o risco até de estar competindo com um cliente - explica Peixoto, acrescentando que "criar o conceito" é o "bife do negócio".
- Terceirização é commodity: você busca preço, e um monte de gente pode entregar. Inovação aberta, não. Criar o conceito é onde está o conhecimento - ressalta.
Peixoto considera que licitações e a Lei da Informática devem incorporar critérios qualitativos para mudar um cenário hoje pouco favorável à ousadia. Segundo Cavalcante, entretanto, cada vez mais empresas buscam inspiração não copiando o que veem nas feiras e nos competidores, e sim buscando institutos e universidades. Mesmo setores internos de inovação, diz o superintendente, não dão conta do recado.
- Acabam com visão restrita, porque trabalham demais com um segmento apenas. É improvável que tenham a diversidade de problemas com os quais lidamos aqui. Nossas propostas de solução trazem um grau de complexidade e de facilidade para o usuário muito difícil de conseguir dentro de uma empresa - completa Cavalcante.