Basta procurar "diz estudo" no Google para que mais de um milhão de resultados apareçam apresentando as mais diversas descobertas da ciência. "Diz estudo" se tornou um atalho rápido para a divulgação científica pelos veículos de comunicação (inclusive o nosso): geralmente, a frase adorna títulos de notícias elaboradas a partir de artigos públicados nas revistas especializadas, que servem como filtro do que é ciência de verdade e o que é baboseira. Mas será que essas revistas são assim tão confiáveis?
Uma delas, a Science Magazine, acaba de dizer que não. Num artigo publicado na sexta-feira na Science, o americano John Bohannon mostra o que aconteceu quando ele enviou para 304 revistas científicas um artigo sem pé nem cabeça: 157 delas aceitaram.
O trabalho de Bohannon, assinado por um fictício autor de nome estapafúrdio - Ocorrafoo Cobange -, versava sobre uma molécula que, extraída de um líquen (simbiose de alga e um fungo como o cogumelo), teria o superpoder de combater o câncer. Não bastasse o autor ser inexistente, sua universidade também está para ser encontrada no mundo real: o Wassee Institute of Medicine, sediado em Asmara, é produto da imaginação de Bohannon.
- De um início modesto e idealista uma década atrás, revistas científicas de acesso aberto se expandiram a uma indústria global, movida por taxas para publicação em vez de inscrições tradicionais - afirma Bohannon.
Segundo o americano, era de se esperar que uma publicação como o Journal of Natural Pharmaceuticals, editado por professores de universidades do mundo inteiro, conduzisse revisões criteriosas. A revista é uma entre mais de 270 publicações sob o guarda-chuva da Medknow, empresa indiana que se anuncia como o nome por trás de mais de 2 milhões de artigos baixados a cada mês por pesquisadores. A Medknow, diz Bohannon, foi comprada em 2011 pela multinacional holandesa Wolters Kluwer. Ela pediu a Cobange apenas "mudanças superficiais" no artigo antes de publicá-lo.
O artigo foi aceito por instituições acadêmicas de prestígio como a Universidade de Kobe, no Japão, e até por revistas que sequer tratavam do tema, como o Journal of Experimental & Clinical Assisted Reproduction, pautado por estudos na área de reprodução assistida.
Bohannon afirma que apenas a revista da Biblioteca Pública de Ciências, a PLoS One, chamou atenção para os potenciais problemas éticos do artigo, como a falta de documentação sobre o tratamento a animais que teriam gerado células para o experimento de Cobange. A publicação foi uma das que rejeitou o artigo.
A "pegadinha" de Bohannon reforça a importância de revisão de pares (peer-reviews) nas revistas científicas. E, caso tenha ficado a dúvida, e até prova em contrário, preferimos acreditar que Bohannon existe.