Em um artigo publicado neste mês na revista PloS One, pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) descrevem que o vírus da dengue (DENV) sofre mutações em um ritmo muito mais lento do que se imaginava, o que aumenta as chances de se encontrar uma vacina eficaz contra a doença.
Para chegar a tal conclusão, os cientistas sequenciaram o genoma completo de milhares de partículas virais encontradas em 10 amostras de sangue de pacientes diagnosticados durante a epidemia que atingiu a Baixada Santista em 2010. Na ocasião, foram notificados 33 mil casos de dengue tipo 2 na região, ainda que os especialistas estimem que o número real de infectados seja pelo menos cinco vezes maior.
De acordo com os resultados, a variabilidade genética do vírus encontrada dentro de um mesmo indivíduo (intra-hospedeiro) foi de aproximadamente 0,002% - muito menor do que a apontada em estudos anteriores, contou Camila Malta Romano, pesquisadora do Instituto de Medicina Tropical de São Paulo, da USP.
- Os trabalhos anteriores usaram métodos tradicionais de sequenciamento, bem mais trabalhosos e caros. Por isso, apenas uma determinada região do genoma era analisada, e nem todas as partículas virais eram amostradas. Em nossa pesquisa, graças às técnicas de sequenciamento em larga escala, geramos praticamente uma sequência completa para cada partícula de vírus existente na amostra - afirmou Romano.
Como as amostras foram coletadas em diferentes momentos da epidemia, entre fevereiro e junho, foi possível observar que o vírus se manteve praticamente estável durante todo o surto.
- Acreditava-se que a variabilidade genética do DENV fosse muito mais alta pelo fato de ele ser um vírus de RNA, assim como o HIV (causador da Aids) e o HCV (causador da hepatite C) - explicou a pesquisadora.
Uma das hipóteses dos cientistas para explicar a menor variabilidade genética do DENV em relação aos outros vírus de RNA é o fato de ele ter de se alternar entre dois hospedeiros muito diferentes - mosquito e homem - para completar seu ciclo de transmissão.
- Do ponto de vista evolutivo, essa alternância entre um vertebrado e um invertebrado exerce uma pressão muito forte para que o DENV não mude muito. Se ele acumular muitas mutações, pode perder a adaptação que o torna capaz de se replicar tanto no homem quanto no mosquito. Esse tipo de mecanismo evolutivo já foi demonstrado para o vírus causador da febre amarela - disse Romano.
Outra possível explicação para a maior estabilidade do DENV está relacionada ao fato de a dengue ser uma infecção aguda, que dura entre 5 e 10 dias.
- O organismo não tem tempo para montar uma resposta imunológica específica contra o vírus. É diferente do HIV, por exemplo, que causa uma doença crônica, está em constante briga com o sistema imune e precisa se modificar o tempo todo para driblar as defesas do organismo. No caso do DENV, essa pressão seletiva é menor - afirmou Romano.
Segundo o infectologista e imunologista Esper Georges Kallás, professor da Faculdade de Medicina da USP e coautor do estudo, as informações detalhadas sobre o genoma do DENV obtidas no estudo poderão ajudar a identificar regiões do vírus capazes de ativar uma resposta imunológica, o que abre caminho para o desenvolvimento de uma vacina.
- Como o vírus da dengue é menos diverso do que se imaginava, aumentam as chances de um imunizante funcionar. Embora tenhamos estudado apenas o sorotipo 2, temos uma forte suspeita de que essa pouca variabilidade deve ocorrer também nos demais sorotipos - afirmou Kallás.
O grande desafio, segundo o pesquisador, é encontrar a combinação certa de antígenos capazes de induzir uma resposta imunológica eficaz contra os quatro sorotipos da dengue ao mesmo tempo.
- Sabemos que as manifestações mais graves da doença estão associadas a uma segunda infecção. Se você fizer uma vacina que protege apenas parcialmente, pode, portanto, estar dando um tiro no pé. A pessoa imunizada, caso seja infectada pelo sorotipo contra o qual a vacina não é eficaz, vai correr maior risco de desenvolver a forma hemorrágica do que uma pessoa não vacinada e que nunca teve dengue - explicou Kallás.