Pode parecer improvável, mas tivemos muita sorte nos últimos anos no que se refere ao aquecimento global. O aumento da temperatura da superfície da Terra ocorreu de modo significativamente mais lento ao longo dos últimos 15 anos do que nas duas décadas anteriores. E essa desaceleração ocorreu mesmo com o acúmulo de gases de efeito estufa na atmosfera a um ritmo recorde.
A desaceleração tem sido um tanto misteriosa para climatólogos. Na verdade, a teoria básica que prevê um aquecimento do planeta como reação às emissões humanas não sugere que o aquecimento deve ser suave e contínuo. Pelo contrário: em um sistema climático dominado pela variabilidade natural, não existe razão alguma para se pensar que o fenômeno siga aos trancos e barrancos.
No entanto, considerando-se tudo que depende da previsão científica, aqueles que praticam a climatologia gostariam de entender exatamente o que está acontecendo. Eles admitem que não entendem, apesar de alguns mecanismos potenciais da desaceleração terem sido sugeridos. A situação evidencia importantes lacunas em nosso conhecimento do sistema climático, algumas das quais não podem ser sanadas até que obtenhamos melhores medições lá bem de cima no espaço e lá bem debaixo no oceano.
Como se pode imaginar, aqueles que desprezam as preocupações com as mudanças climáticas tiraram muito proveito dessa desaceleração do aquecimento. Eles geralmente argumentam que "o aquecimento global parou há 15 anos", ou fazem alguma declaração similar, e, em seguida, afirmam que isso faz com que se descarte por completo a hipótese de que os gases de efeito estufa estão causando o aquecimento.
Eles pouco mencionam o fato de que a maioria dos anos mais quentes listados no registro histórico ocorreu recentemente. Além disso, o que alegam depende de uma cuidadosa seleção de pontos iniciais e finais. O ponto de partida é quase sempre 1998, um ano particularmente quente devido a um forte padrão climático de fenômenos El Niño.
O que pensar de tudo isso?
Certamente não se pode concluir, como algumas pessoas querem, que o dióxido de carbono na verdade não é um gás de efeito estufa. Pesquisas realizadas ao longo de mais de um século descartam completamente essa afirmação.
Na verdade, os cientistas têm como calcular a quantidade extra de calor que deve se acumular por conta dos aumentos causados por humanos nos gases de efeito estufa, e as energias envolvidas são enormes. De acordo com uma estimativa conservadora, as concentrações atuais estão capturando uma quantidade extra de energia equivalente a 400 mil bombas de Hiroshima explodindo em toda a face da Terra todos os dias.
Portanto, a verdadeira questão é onde vai parar todo esse calor, se ele não aquece a superfície. E o principal suspeito são as profundezas do oceano. Nossas medições não são boas o suficiente para confirmar de fato essa hipótese, mas um conjunto cada vez maior de pesquisas sugere que essa pode ser uma parte importante da resposta.
O motivo exato pelo qual o oceano teria começado a capturar mais calor nos últimos anos é um mistério, e precisamos realmente compreendê-lo. Porém, as ideias principais têm a ver com possíveis mudanças nos ventos e correntes que estão fazendo com que o calor da superfície seja puxado para baixo mais rapidamente do que antes.
A teoria das profundezas do oceano é uma entre algumas explicações que foram proferidas para justificar a desaceleração do aquecimento. Talvez a resposta se revele uma mistura de todas elas. E em todo caso, as previsões computacionais das mudanças climáticas sugerem que períodos de aceleração de aquecimento que duram algumas décadas não deveriam nos surpreender.
Ora, eis uma informação fundamental para fins de contextualização: nós já passamos por um período de desaceleração do aquecimento global, aproximadamente de 1950 a 1970, e os cientistas não o compreendem plenamente. Muitas evidências sugerem que a poluição emitida por fábricas, responsável por bloquear a luz solar, pode ter exercido um papel nesse sentido, assim como a variabilidade natural da circulação oceânica. Por fim, a poluição foi reduzida por leis mais rígidas de ar puro no Ocidente.
Hoje, a poluição emitida por fábricas da China e outros países em desenvolvimento pode estar exercendo um papel semelhante no bloqueio de alguma luz solar. Nós não saberemos afirmar isso ao certo até contarmos com satélites que possam realizar melhores medições de partículas no ar.
O que aconteceu quando essa calmaria em meados do século 20 chegou ao fim? Isso mesmo: um aquecimento extremamente rápido do planeta.
Assim, se o passado se provar uma espécie de prólogo, esse estágio atual de desaceleração do aquecimento também vai acabar em algum momento, e uma nova era de um rápido aquecimento global irá começar. Isso vai aumentar a energia e a umidade na atmosfera, o que pode abastecer eventos climáticos extremos, como ondas de calor e chuvas torrenciais.
Um dia talvez nos encontremos olhando para o passado, rememorando o clima insano da década de 2010, com uma saudade profunda desses dias felizes.