A globalização e a revolução dos meios de comunicação aceleraram a busca de muitas pessoas a aprender uma língua adicional. Hoje, em países mais desenvolvidos, o bilinguismo é algo comum e já está integrado à cultura daquela sociedade. Nos últimos anos, esta oportunidade de aprendizado vem crescendo no Brasil. Segundo dados da Associação Brasileira do Ensino Bilíngue (Abebi), o número de escolas bilíngues aumentou cerca de 10% no país. A importância da educação bilíngue vai muito além de preparar crianças e adolescentes para o mercado de trabalho. Aprender uma língua adicional ajuda em outras habilidades cognitivas, permite experiências diferentes e facilita a fluência na vida adulta.
Hoje, são cerca de 1,2 mil instituições que oferecem currículo bilíngue ou programas de educação bilíngue no país. Mas quais os benefícios de uma escolarização bilíngue para o aluno? Como saber se a escola do meu filho é realmente bilíngue? A Faculdade IENH, de Novo Hamburgo, é uma das instituições pioneiras na formação de profissionais para atuação em contextos bilíngues no Brasil. Em setembro, começam as aulas de mais uma turma da Especialização em Educação Bilíngue e Cognição (pós-graduação digital), que tem como público-alvo professores, psicopedagogos, psicólogos, coordenadores pedagógicos, orientadores educacionais, gestores escolares e demais pessoas interessadas na área da educação bilíngue.
Em 2020, o Conselho Nacional de Educação (CNE) aprovou as Diretrizes Nacionais para a Educação Plurilíngue no Brasil, com importantes definições e regulamentações que orientam a comunidade escolar no entendimento da concepção de escola bilíngue. Dentre as definições do documento, ficou estabelecido que as escolas com currículo bilíngue precisam oferecer um currículo integrado com, no mínimo 30% da carga-horária semanal, na língua adicional e que professores precisam ter formação complementar em educação bilíngue para atuar nesses contextos, além da comprovação de proficiência.
A IENH trabalha com o ensino bilíngue no currículo há 17 anos na Educação Básica. Já a Faculdade IENH, vinculada à instituição, promove cursos de formação para professores em contextos de escolas bilíngues desde 2017. Neste ano, por exemplo, já estão ocorrendo capacitações in company (quando a formação ocorre dentro da escola que quer profissionalizar seus professores) em pelo menos quatro escolas do Rio Grande do Sul.
Saiba mais sobre a Especialização Digital em Educação Bilíngue e Cognição da Faculdade IENH
A professora Luciana de Souza Brentano, que coordena a Especialização em Educação Bilíngue e Cognição na Faculdade IENH, é uma conhecedora profunda do tema, com especialização na área e doutorado em Psicolinguística.
À frente de uma instituição que forma professores bilíngues para todo o Brasil, Luciana destaca alguns pontos sobre o tema.
– Uma escola bilíngue deve ofertar o ensino através de duas línguas desde a base. Precisa inserir o inglês, por exemplo, nas rotinas e vivências do dia a dia, bem como, nas aulas de programação, matemática, ciências e educação financeira – pontua.
Na coordenação da Especialização em Educação Bilíngue e Cognição da Faculdade IENH, Luciana já orientou a formação de pelo menos 300 professores, que atuam em escolas deste segmento em todo o Brasil.
Em entrevista, a professora conta mais detalhes sobre a pós-graduação da Faculdade IENH e sobre o ensino bilíngue.
Como saber se a escola do meu filho é realmente bilíngue?
Existem muitas escolas bilíngues de fato. Mas, infelizmente, existem outras instituições que compram programas prontos de editoras e oferecem no contraturno, desvinculado do currículo, só para crianças que pagam separadamente por este programa. Isso não faz desta instituição, uma escola bilíngue. O problema não é o programa da editora, mas a forma como a escola entende e aplica essa proposta. Uma escola bilíngue articula seus saberes a partir das línguas do currículo, portanto, a língua adicional precisa estar no projeto pedagógico e na rotina diária dessa instituição de ensino. Recentemente, o Ministério da Educação (MEC) criou diretrizes curriculares para a educação bilíngue no Brasil. Este documento foi produzido por especialistas neste modelo de ensino, do qual também fui convidada a contribuir, e determina o que uma escola precisa ter para ser bilíngue e como deve fazer para adequar-se ao que é exigido. O documento foi aprovado em 2020, mas ainda precisa de homologação do governo federal. Enquanto isso não ocorre, as escolas já podem ir se organizando, revendo a carga horária do currículo e, principalmente, dando formação a estes educadores.
O que caracteriza uma escola bilíngue?
Muitas pessoas acham que qualquer escola pode ser bilíngue. Não é só aumentar o número de períodos de língua adicional no currículo para tornar uma instituição de ensino, em uma escola bilíngue. É necessário tempo, estudo e toda uma organização para fazer isso. É preciso também formar professores qualificados para este contexto. A diretriz aprovada pelo MEC exige uma formação de, no mínimo, 120 horas em Educação Bilíngue. Além disso, a instituição que pretende oferecer um ensino bilíngue deve prever o aumento da carga horária de seus educadores, visto que um currículo qualificado exige carga horária mais robusta. Os alunos devem falar a língua adicional rotineiramente e desenvolver competências acadêmicas em ambas as línguas.
Como está o mercado para o professor que trabalha com este modelo bilíngue?
É um nicho em crescimento no mercado de trabalho. Como há uma queda na procura por formação em Letras, está se desenhando um gargalo no mercado que vai abrir boas oportunidades. Eu, que trabalho na formação de professores bilíngues desde 2017, já noto a falta de profissionais com esta qualificação. Em São Paulo, por exemplo, já estão pagando mais para profissionais desta área que têm esta formação específica. E a previsão é de que este mercado cresça ainda mais. Cresceu, inclusive, durante a pandemia. Eu vejo a formação em educação bilíngue como uma profissão de presente e de futuro. É uma jornada a longo prazo. Está surgindo muita vaga para coordenador de ensino bilíngue. Basta estar preparado, com conhecimento para atuar nesse nicho.
Como diferenciar uma escola bilíngue de outra que não aplica uma metodologia para o aprendizado através das línguas?
Os pais podem comparar as propostas das escolas. Na escola bilíngue, as línguas são usadas como meio de instrução para ensinar conteúdos e não como conteúdos isolados, ou a partir do livro didático. Há, também, componentes curriculares ministrados em ambas as línguas do currículo, enquanto em escolas monolíngues, isso geralmente não acontece. O projeto pedagógico das escolas bilíngues é único, integrado e os conteúdos, competências e componentes curriculares são distribuídos a partir das línguas do currículo. Por outro lado, nas escolas que não são verdadeiramente bilíngues, o projeto pedagógico não é integrado e, muitas vezes, o professor da língua inglesa, além de ministrar aulas com foco linguístico, nem sabe o que está sendo desenvolvido em termos acadêmicos, naquele nível de ensino que está atuando, mostrando pouco envolvimento com esse currículo. Outra característica da escola bilíngue de verdade é oferecer aulas tanto na língua inglesa quanto na língua portuguesa para todos os alunos da escola, dentro da carga horária curricular semanal. A carga horária na língua adicional precisa ser de pelo menos 30% da carga horária total (ou seja, numa escola com 25 horas semanais, pelo menos sete períodos semanais precisam ser ministrados na língua adicional). Os professores que atuam na Educação Infantil e no Ensino Fundamental devem possuir graduação em Letras ou Pedagogia e estar cursando ou ter cursado uma formação de, no mínimo, 120 horas em Educação Bilíngue.
Quais os benefícios do ensino bilíngue?
A capacidade de aprendizado na infância é muito grande. Sabe-se, por exemplo, que a neuroplasticidade, ou seja, a capacidade do cérebro de se moldar às experiências de vida, permite a aprendizagem de línguas em qualquer idade. O bilinguismo é uma experiência comprovada de reorganização de redes neurais, e, por consequência, de benefícios cognitivos. Portanto o contato com o inglês desde a infância, por exemplo, favorece o processamento bilíngue de palavras, o aprimoramento linguístico e cognitivo, o desenvolvimento de funções executivas, a compreensão leitora e o raciocínio lógico matemático das crianças. Além disso, os estudantes, nesse contexto, são apresentados também à cultura dos países da língua adicional. Com isso, a educação bilíngue ajuda a ampliar o repertório cultural e proporciona uma visão de mundo mais plural.