Com o bloqueio de R$ 763 milhões no orçamento das universidades, institutos, centros de educação tecnológica e colégios federais imposto pelo Ministério da Economia para cumprir o teto de gastos, universidade gaúchas não terão dinheiro para pagar contas de água, luz, limpeza e segurança e nem para terminar aulas do semestre, apurou GZH nesta quinta-feira (6).
No fim de setembro, a pasta efetuou bloqueio de R$ 2,63 bilhões no orçamento da União, levando o montante congelado desde o início do ano para R$ 10,5 bilhões. No Ministério da Educação, R$ 1,3 bilhão estão indisponíveis para serem utilizados em despesas discricionárias (que não são obrigatórias).
Deste valor, R$ 763 milhões iriam para universidades e escolas federais, calculou a Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes), que classificou o contingenciamento (bloqueio) como gravíssimo.
As instituições foram informadas pelo governo federal de que o valor poderá voltar ao caixa em dezembro. No entanto, o bloqueio se soma a um corte de 20% já sofrido no orçamento deste ano, a despeito dos maiores gastos gerados pela pandemia de coronavírus.
Em coletiva de imprensa na tarde desta quinta-feira (6), o presidente da Andifes, Ricardo Fonseca, também reitor da Universidade Federal do Paraná (UFPR), citou que o orçamento discricionário das federais, o que exclui gastos com pessoal, caiu cerca de 50% de 2016 a 2022. Ele sublinhou que universidades federais ficarão sem dinheiro para pagar despesas básicas de água, luz, eletricidade, vigilância e limpeza.
Outros impactos dependem do caixa de cada instituição, mas muitas já anunciaram corte de bolsas de auxílio-financeiro para alunos de baixa renda e em pesquisas e projetos de extensão. Algumas instituições brasileiras prenunciam impacto no restaurante universitário e em hospitais, como a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), que pode interromper serviços neste ano.
— Contingenciamentos existem todos anos, mas não é comum nesta fase do ano. Muitas universidades que não tinham dinheiro ficam sem nada, e aquelas que assumiram compromisso (financeiro) ficam em situação complicada. Podemos ter problemas jurídicos ao descumprir pagamentos. Não existe mais gordura nem carne pra queimar. Agora, é cortar no osso, o que pode significar corte de bolsas, paralisar atividades da universidade, cortar trabalhadores terceirizados e até subsídios a estudantes — disse.
À Rádio Gaúcha, Fonseca acrescentou que ficar sem acesso a esses recursos neste período do ano, considerado reta final da execução orçamentária, significa limpar o caixa das universidades.
A Universidade Federal de Pelotas (UFPel) sofrerá um dos maiores baques em solo gaúcho. O bloqueio será de R$ 2,58 milhões, o que inviabiliza o término das aulas deste semestre, segundo a instituição. Não haverá dinheiro para pagar água, luz e combustível da frota já neste mês de outubro e será necessário escolher quais gastos serão pagos e quais não.
“A previsão de funcionamento é até o final do mês de outubro, quando não haverá recursos para atendimento de despesas como energia elétrica e combustível da frota de apoio. A impossibilidade de atendimento a todas as despesas exigirá uma priorização dos empenhos para as despesas com assistência estudantil, bolsas e restaurante universitário”, diz a UFPel.
Superintendente de Orçamento e Gestão de Recursos da UFPel, Denis Franco enfatiza que mesmo que a decisão não represente perda de orçamento, o contingenciamento significa que as instituições de ensino federais não poderão utilizar esses recursos para quitar contas atuais:
— Nenhuma dessas despesas está a salvo desse novo bloqueio, então uma situação que já era ruim, ficou pior ainda agora. As universidades estão tendo que reavaliar todo seu planejamento, mais uma vez, e vão ter que decidir o que vão pagar. Estamos no meio de um semestre letivo, o objetivo é tentar manter as atividades de ensino funcionando pelo maior prazo possível, mas com o novo corte não existe nenhuma garantia de que nós vamos conseguir manter o serviço funcionando.
A reitora da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA), Lucia Pellanda, disse à reportagem que a instituição será afetada em relação às despesas gerais. O bloqueio de agora foi de R$ 1,6 milhão, somado ao corte de R$ 2,2 milhões ainda deste ano. Não haverá impacto no auxílio-estudantil a alunos carentes.
— Possivelmente teremos que cortar compras programadas de equipamentos de laboratório. Isso afeta diretamente projetos de pesquisa e aulas — observa Pellanda, pontuando que não é possível realizar a aquisição em dezembro.
A Universidade Federal do Pampa (Unipampa) informa que sofreu bloqueio de R$ 2,3 milhões e que não terá dinheiro para pagar água, luz, internet, telefone e aluguéis das 10 unidades da instituição. O contingenciamento também impacta o “pagamento de contratos de postos terceirizados de limpeza, vigilância, portaria, motoristas, auxiliares agropecuários, auxiliares do Hospital Universitário Veterinário, intérpretes da Língua Brasileira de Sinais (Libras), entre outros”.
A Unipampa acrescenta que há esforços para não cortar a assistência estudantil para alunos carentes, mas que “programas e ações de ensino, pesquisa, extensão e inovação serão afetados com reduções de atividades e editais” e que novas licitações e contratos também estão suspensos.
A Universidade Federal de Rio Grande (Furg) está levantando o impacto do bloqueio, mas disse que “a situação já era grave antes", pois havia um déficit previsto na casa dos R$ 9,5 milhões. A instituição pontua que a dívida aumentará.
A Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS) afirma que sofreu bloqueio de R$ 2,86 milhões de reais, o equivalente a cerca de 6% do orçamento anual. Questionada, a instituição não informou onde o corte respingará e disse que “está avaliando os procedimentos a serem adotados, minimizando o impacto na execução orçamentária”.
A Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) sofrerá perda de mais de R$ 5,8 milhões, e calcula fechar o ano com dívida de R$ 18 milhões para 2023. Para fazer frente à perda, todas as bolsas estudantis de dezembro, pagas em janeiro, oriundas de recursos da UFSM estão suspensas até novo limite orçamentário. Contas de energia não serão pagas nos próximos meses, apenas em 2023.
— Ações que já tomamos de imediato: suspendemos a Jornada Acadêmica Integrada (JAI), o maior evento científico da nossa cidade e região, com mais de 5 mil trabalhos submetidos. O Descubra UFSM, evento em que toda comunidade da região, com mais de 30 mil alunos, visita nossa universidade para conhecer nossos cursos, também está suspenso. E o Viva Campus, que é sobre a universidade (também está suspenso) — desta o reitor da UFSM, Luciano Schuch, em entrevista à Rádio Gaúcha.
A UFSM ainda informa também que, a partir de agora, estão suspensos os serviços de jardinagem, corte de grama e poda de árvores. Pagamento de diárias e passagens só ocorrerão com extrema necessidade, e as obras de reforma e manutenção de prédios e salas ficam paralisadas.
— E estamos esperando passar o período eleitoral para poder submeter um reajuste no restaurante universitário — acrescenta Schuch.
Contatada na manhã de quinta-feira (6), a Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) manifestou-se somente nesta sexta, quando a reportagem já estava publicada. Por volta do meio-dia, em nota assinada pelo reitor Carlos André Bulhões, a universidade, ao contrário do citado pelas outras instituições federais gaúchas, diz que não haverá "qualquer prejuízo às verbas necessárias ao funcionamento geral da UFRGS", citando que o valor bloqueado é pequeno frente ao total das despesas de custeio. O montante, no entanto, não foi informado.
O reitor da UFRGS acrescenta ainda que "estão garantidos os valores para o pagamento de salários, bolsas, assistência estudantil, contas compulsórias (energia, água e telefonia)". Bulhões também endossa a afirmação do ministro da Educação, Victor Godoy, de que os recursos poderão ser liberados no fim do ano.
Corte e bloqueios também no orçamento dos IFs
O Conselho Nacional das Instituições da Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica (Conif) diz que a rede federal de Educação Básica sofreu bloqueio de R$ 147 milhões e que estudantes serão afetados.
“Recursos da assistência estudantil são fundamentais para a a permanência na instituição. Transporte, alimentação, internet, chip de celular, bolsas de estudo, dentre outros tantos elementos essenciais para o aluno não poderão mais ser custeados pelos Institutos Federais, pelos Cefets e Colégio Pedro II”, diz a entidade, em nota.
O Instituto Federal do Rio Grande do Sul (IFRS) citou que muito provavelmente não terá dinheiro para pagar as contas de dezembro, “o que inclui água, energia, limpeza e vigilância, além de benefícios de assistência ao estudante de baixa renda no mês de dezembro”. A vice-presidente de Relações Parlamentares do Conselho Nacional das Instituições da Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica (Conif) e reitora do Instituto Federal Farroupilha, Nídia Heringer, relembra que os institutos federais estão na metade do último trimestre do ano letivo de 2022 e que a retirada desse recurso irá prejudicar o andamento das atividades previstas para o ano.
— É importante referir que o decreto diz que a gente terá perspectiva de ter a devolutiva desse valor em dezembro. Mas quem trabalha com orçamento público sabe que, dependendo do momento em que isso for devolvido às instituições no mês de dezembro, nós já não teremos uma série de atividades que repercutem fundamentalmente nas ações estudantis — explica Nídia.
“Outro ponto importante é que houve um esforço institucional para possibilitar algumas obras para atendimento ao Planos de Prevenção e Proteção Contra Incêndios (PPCI) e finalização de salas de aula e quadras esportivas, cujos processos licitatórios estão em andamento, e que também serão comprometidos”, acrescenta o IFRS.
Para reverter o quadro, a Andifes terá reunião com o MEC, fará articulação política e levantará com professores das faculdades de Direito se é possível reverter o bloqueio juridicamente. A UFSM também informa que, na sexta-feira (7), haverá reunião com o Ministério Público, em Porto Alegre, para analisar a situação e viabilizar uma ação suspendendo o decreto do Ministério da Economia.
O que diz o governo federal
O Ministério da Educação (MEC) afirma que o bloqueio é temporário e que o valor será devolvido em dezembro, o que reitores temem que não ocorra. Em coletiva de imprensa nesta quinta-feira, o titular da pasta, Victor Godoy, disse que as universidades federais fazem queixa com motivação política e que não há risco de paralisação de atividades.
— Quero deixar claro que não há corte do ministério, não há redução do orçamento das universidades federais, não há por que dizer que faltará recurso ou paralisação nos institutos federais. Nós tivemos uma limitação na movimentação financeira baseada na Lei de Responsabilidade Fiscal. Essa limitação de empenho faz um ajuste da execução do recurso até dezembro — disse o ministro em coletiva de imprensa nesta quinta-feira (6).