Formar profissionais para atuação na área de tecnologia da informação (TI) e incluir pessoas em situação de vulnerabilidade social no mercado de trabalho. Esses são dois dos objetivos que têm servido como base para iniciativas organizadas por instituições gaúchas. Isso porque o setor de tecnologia enfrenta dificuldade para encontrar profissionais qualificados em um momento de aumento de demanda de trabalho no meio digital, conforme especialistas ouvidos por GZH.
A Associação das Empresas de Tecnologia da Informação e Comunicação e de Tecnologias Digitais (Brasscom) estima que o Brasil forme 53 mil pessoas por ano em cursos de perfil tecnológico. No entanto, a demanda média anual é de 159 mil profissionais na área. Os dados estão em um levantamento publicado em dezembro de 2021. No Rio Grande do Sul, a estimativa é de que 5 mil vagas de emprego estejam à espera de colocação.
Um dos programas que busca melhorar esse cenário no Estado é o Jovem Tech, uma iniciativa que envolve a Ânima Lab Hub, o campus da Uniritter da na zona sul da Capital, a prefeitura de Porto Alegre e a Central Única das Favelas (Cufa).
— Meu objetivo é me encaixar na linha de frente do mercado de trabalho. Já tenho alguns conhecimentos, alguma base de outros cursos que fiz. O Jovem Tech será importante também para o meu desenvolvimento acadêmico — diz Denner Simão, 18 anos.
Denner é um dos 32 estudantes da região da Vila Cruzeiro, em Porto Alegre, que integram o programa. Na segunda-feira (12), os estudantes iniciaram as atividades, que envolvem introdução técnica de inserção ao mundo digital e ao pensamento computacional, lógica básica, raciocínio lógico e computacional, e desenvolvimento de jogos e aplicações a partir de ferramentas lúdicas de programação. O curso segue até dezembro deste ano e dará a oportunidade de desenvolver conhecimentos do setor.
— Se há dois anos me perguntassem se eu queria fazer TI, eu provavelmente diria que não. Hoje, para mim, é uma questão de descoberta. Mesmo que eu não queria seguir na área no futuro, é importante ter essa oportunidade de conhecer, é um modo de despertar o interesse — diz Saliha Paim, 19 anos.
Os encontros presenciais do curso ocorrem nas segundas e terças-feiras e visam aproximar os moradores da comunidade da tecnologia e do mundo digital por meio de aulas ministradas por alunos tutores e docentes da Ânima Educação.
De acordo com Luciano Bessauer, professor de TI da UniRitter e coordenador do projeto Jovem Tech, a procura por mão de obra para o setor é um fenômeno observado há anos e que foi impulsionado com a pandemia de covid-19.
— É um problema (a falta de mão de obra) que vem crescendo pelo tipo do comportamento mundial. O virtual está mais aquecido do que nunca, com todas as redes, a comunicação, a globalização. E, para isso, é necessário mais profissionais. Hoje, uma pessoa que tem uma qualificação intermediária (na TI) e domina uma linguagem, já tem uma colocação no mercado — comenta.
Hoje, uma pessoa que tem uma qualificação intermediária (na TI) e domina uma linguagem já tem uma colocação no mercado.
LUCIANO BESSAUER
professor de TI da UniRitter e coordenador do projeto Jovem Tech
Conforme Bessauer, uma das formas para encontrar bons profissionais para o setor é o investimento na qualificação de pessoas que não tiveram oportunidades devido à condição financeira. Assim, o Jovem Tech quer dar o primeiro impulso, "mostrar o caminho", para que os jovens possam conhecer o setor e as possibilidades de crescimento; depois, após o curso, os interessados decidem se optarão por seguir na área.
— A comunidade precisa ver esses jovens como uma possibilidade de uma frente de trabalho que logo estará pronta. Eles têm toda a possibilidade de ter uma boa remuneração em um curto espaço de tempo. Precisamos olhar para esse jovem, dar uma qualificação para que ele esteja no mercado com uma formação básica para iniciar uma carreira — comenta.
Inclusão produtiva
O Instituto Caldeira é responsável pelo Nova Geração, que qualifica hoje 750 jovens em Porto Alegre para atuação na tecnologia da informação, além de capacitá-los para o desenvolvimento de habilidades socioemocionais. O grupo é formado por pessoas de 16 a 24 anos, alunos e ex-alunos da rede pública e bolsistas integrais de escolas privadas. Além disso, parte das vagas foi ocupada por jovens que frequentam os Centros da Juventude do Estado.
As atividades tiveram início em agosto e seguem até dezembro deste ano. Conforme uma estimativa da regional gaúcha da Associação das Empresas Brasileiras de Tecnologia da Informação (Assespro-RS), existem hoje cerca de 5 mil vagas de emprego em aberto nessa área no Rio Grande do Sul. De acordo com Felipe Amaral, gestor do Programa Nova Geração, a atuação do Instituto Caldeira tem como objetivo reduzir esse déficit.
É um processo de inclusão produtiva. São jovens que talvez não teriam acesso ao mercado de trabalho de tecnologia.
FELIPE AMARAL,
gestor do Programa Nova Geração do Instituto Caldeira
— Conseguimos encontrar muitos jovens talentosos. Se dermos a formação correta, uma certificação, vamos conseguir emprego para muitos deles. Temos várias empresas que estão disponibilizando vagas exclusivas para os alunos. É um processo de inclusão produtiva. São jovens que talvez não teriam acesso ao mercado de trabalho de tecnologia — explica.
Segundo ele, com o programa, o instituto quer atuar como um banco de talentos, que fornecerá mão de obra qualificada para as empresas parceiras, em um primeiro momento, e que contribuirá para o preenchimento de vagas no setor de tecnologia do Estado, em um contexto amplo.
— Os alunos estão vendo o potencial de transformação que o Nova Geração pode causa nas suas vidas, estão de fato abraçando como uma oportunidade única. Isso é um ponto importante que enxergamos, de quem está engajado de verdade e quer fazer essa oportunidade se transformar no início da carreira profissional — pontua.
Busca por profissionais qualificados
Para Silvio Bitencourt, diretor da Unidade de Inovação e Tecnologia (Unitec) e gestor executivo do Tecnosinos, o parque tecnológico da Unisinos, não é só o setor de tecnologia da informação que busca profissionais qualificados no momento: o déficit de pessoas preparadas para o mercado de trabalho é rotina em todos os setores.
Nesse contexto, a Unisinos promove o Programa 3 mil Talentos TI, que oferece formação na área de tecnologia para pessoas com idades entre 15 e 39 anos que moram em São Leopoldo, na região metropolitana de Porto Alegre. Com base na situação do mercado brasileiro, a Unisinos estima que haverá uma demanda para o preenchimento de seis mil novos postos de trabalho no Tecnosinos nos próximos três anos.
A inclusão dos mais vulneráveis economicamente, de mulheres e de meninas é o que propiciará as condições necessárias para reduzir o déficit de profissionais.
SILVIO BITENCOURT
diretor da Unidade de Inovação e Tecnologia (Unitec) e gestor executivo do Tecnosinos
Por isso, o programa permite o acesso ao estudo a pessoas que não podem pagar pela formação. Segundo Bitencourt, essa iniciativa é importante para dar oportunidades para que esse grupo de pessoas participe da expansão do setor no país.
— Estudos globais demonstram que a inclusão dos mais vulneráveis economicamente, de mulheres e de meninas é o que propiciará as condições necessárias para reduzir o déficit de profissionais hoje e no futuro. Temos de garantir que não vamos criar uma massa de pessoas que não participará dessa nova economia — comenta.
E isso, segundo ele, não é uma fácil porque a falta de mão de obra qualificada já é algo enfrentado hoje. Assim, a procura por profissionais capazes soma-se à urgência por preencher vagas para o setor. E aumentar o número de profissionais na área de tecnologia será essencial para que o país possa desfrutar de tecnologias como o 5G, que, com a expansão prevista para os próximos anos, obrigará cada vez mais especialistas com formação sólida em TI.
— O digital vem transformando diversos setores. Há um grande risco que o Brasil seja apenas usuário dessas novas tecnologias e não desenvolva nada. Por isso, precisamos de profissionais altamente qualificados para criarmos coisas e não sermos apenas consumidores — pontua.